Estou em casa há uma semana. Achava que iam ser livros e séries e gelados e gelatinas. Na realidade, foram poucas séries, algumas dores de cabeça, muita sopa e muita lavagem de ranhoca.
E tudo começou... há uma semana.
Entrada no hospital, ficar lá a pastelar até à hora do início das cirurgias, vestir o pijaminha da moda, as meias elásticas, levar com o acesso na mão, garantir o jejum de 8h. E "vamos, menina?" A menina foi de maca até ao bloco, senti-me num episódio de Grey, a ver as luzes e os corredores a passarem-me por cima. Vi a médica de relance, à entrada do bloco, depois de a ter visto apenas em duas consultas até ali. Na marquesa do bloco? Encreparam-me. Literalmente. Com um nó. Marquesa pequena, braços que caem com a anestesia? Então, vamos usar lençóis e encrepá-la! Um tensiómetro no pé a apertar ocasionalmente, muito aparelhómetro e, subitamente, muita gente. Chega-se-me o anestesista. "Vamos dormir?" "Vamos, desde que prometa que depois vou ter um belo anti-emético à minha espera!" E foi ali que pensei que ia quinar. Quando o homem me espeta a máscara na cara, percebi que era agora, era real, ia ser operada, ia levar mocadas no nariz. Sem stress. O stress apodera-se de mim quando aquela máscara amarela, cor de látex sujo, se me cola à boca e nariz, me permite inspirar mas parece que me mata porque não expiro de jeito. Ainda ali estive o bastante para o ouvir mandar vir o propofol ("Agora vai sentir-se a adormecer devagarinho"), para me sentir relativamente em pânico porque aquela máscara é claustrofóbica, ele a dizer inspire e puff, qual devagarinho?, puff!! Morri.
Morri. Quando acordei só me lembro de chorar profusamente. Lágrimas por todos os lados, sei que levei logo as mãos aos olhos e pareciam infinitas. Sei que me berravam Respire pela boca, respire pela boca. Sei que me apetecia matá-las porque respirar pela boca era um tormento. Claro, não chegassem os tampões cheios de nhanha enfiados no nariz até ao cérebro e dando a volta até à garganta, ainda tinha dores de garganta. "Fui entubada? Claro, menina. Que horas são? 18h30". Demorei 1 hora no bloco. Demorei 45 minutos a abrir totalmente os olhos e a conseguir ver o relógio com as 19h15 marcadas. Estava bem lúcida. A delirar. A pensar que jamais ia aguentar aquele tormento no nariz. A flipar da marmita. A pensar que ia arrancar os tampões. Mas que merda! Mas que merda?! Quem consegue respirar pela boca quando tem o nariz tapado, fortes dores de garganta e sente ali umas merdas para cima e para baixo no fim da garganta sempre que engole? Jurei ódio eterno aos tampões. E achei sempre que ia ter que me controlar para não arrancar aquilo à unhada. Foi o piorzinho de acordar. Mexer a cabeça era pouco recomendado. Tonturas à séria. Os olhos mexiam, a cabeça não. Depois fui falando com as enfermeiras sobre a baixa, sobre o pós-operatório, sobre o que comer, sobre a minha tensão. Pedi analgésicos, deram-me chá gelado e um belo antibiótico na veia. Fiz o levante, fui ao chichi sozinha, estava tudo fino. Olhei-me ao espelho. WTF??? Que nariz era aquele? Vermelho, inchado, enoooorme! Fui para o quarto da enfermaria de cadeira de rodas. Às 23h comi sopa gelada e bebi um sumo pela palhinha. A primeira coisa que fiz com o telemóvel foi guardar a minha imagem zombie para a posteridade. Depois, foram mensagens, Whatsapp, chats de FB, fotos. Até que o Atarax começou a adormecer-me. A minha pior noite. Hora de dormir? Ahahahahaha! Dormir? Ahahahahaha! Quem é que queria dormir com aquilo no nariz, de boca aberta, garganta esgatanhada e beiços carregados de baton do cieiro? Senti-me obrigada a largar o telemóvel e a desligar a luz porque duas das operadas do dia já estavam mais lá que cá e a que estava ao meu lado ia ser operada logo cedo. O melhor foi claramente a cama reclinável. O pior foi toda a gente à minha volta aos ronquinhos, acordar com qualquer barulho, sentir o bigode de gaze a encher de sangue. Acordei com as galinhas. Todas aliás, tirando talvez a que foi operada depois de mim que deve ter levado uns hipnóticos para dormir melhor. De qualquer forma, já conheci a sensação de recobro num hospital. Tudo a acordar e a adormecer, acorda, adormece, acorda, adormece, é um ciclo interminável. O pequeno almoço e o lanche a meio da manhã? Um leite branco e um iogurte líquido. Saí do hospital com recomendações de não baixar, não apanhar sol, repousar sem ser preciso estar de molho na cama, de comer líquidos/moles e frios, de não passar a ferro (RISADA MAJOR!), de não cozinhar, de tomar banho tépido a frio. Morta de fome!
Chegada a casa. Tenho um cão. Pequeno. Bebé. Pegajoso. Brincalhão. Mijão e cagão. Baixar era inevitável. Mas em modo lento, e em versão dama a agachar mas em modo camionista a verbalizar impropérios ao bichinho incontinente. Correu tudo bem. Trouxeram/Fizeram-me sopa, gelatina, iogurtes, gelado, purés de fruta, banana esmagada, batatas cozidas desfeitas com ovo esmigalhado, queijo fresco batido. Claro que enquanto tinha tampões comia 3 colheradas e pouco mais. Por meia dúzia de vezes, obriguei-me a comer mais porque com o calor, a anestesia, a alimentação mole e fria achei que ia dar beijinhos ao chão. E nada tinha sabor. Passei a fome dos demónios e já deito sopa pelos olhos, só quero é proteína e sopa com carne passada já não é para a minha idade. Já estou na fase de fazer asneiras e de ir mastigando o que não devo. Se me apanho a comer Mc ou sushi até desfaleço de emoção.
Sexta à noite. O dia em que, com as dores de garganta, o congestionamento lá atrás na garganta, os tampões cheios de sangue e o sabor a expectoração, a impaciência e dificuldade em respirar me fazem engolir parte de um tampão que desceu pela garganta. Barrrffffff. (Alívio!) Vontade de ler ou de ver tv ou de me pôr ao pc a ver a vida? Bola. Ora não conseguia ter os olhos bem abertos, ora tinha sono porque não havia noites bem passadas, ora chorava imenso por causa da pressão no canal lacrimal. Nos primeiros dias tão pouco queria saber do mundo, da televisão. Alternava entre dormir no sofá tapada até ao pescoço (!), olhar para o infinito com cara de zombie, tomar comprimidos, fazer gelo e adormecer de gelo na penca, tirar a febre (e estragar dois termómetros - a anestesia lixa-nos a memória, esqueces que estás a medir a temperatura, o termómetro cai no chão quando te levantas e já está!), comer e rezar para que o loiraço dormisse. O astral melhorou com a aproximação da retirada dos monos. Vi séries de forma muito intermitente, geralmente à tarde quando me passava mais a dor de cabeça. Dormir com três almofadas não é para todos. Não li. Fui ao computador uma semana depois da cirugia porque queria fazer compras no Continente Online. Os tampões, biodegradáveis,
saíram ao quarto dia com seringadelas de cerca de meio litro de soro. Desfizeram-se
pelo meu lavatório abaixo. Aquilo parecia uma mesa de trabalho do
Frankenstein. Soro, nheca, seringas e compressas. Fez-se algum ar no meu
nariz só para entupir com mais nhanha. Passei a respirar pelo nariz ali
entre ir à consulta aspirar secreções e restos de tampão e quase
desmaiar por me aspirarem crostas e bocados de cérebro.
Mantenho os pontos (apelidados de novo piercing sensual ou brinco de boi) que espero que tirem na próxima semana, mantenho a baixa e os cuidados a ter, mantenho a dor de cabeça, no céu da boca e na ponta do nariz, ainda ando a sopas frias e a lavagens de soro, respiro voraz e exclusivamente pelo nariz, tenho toneladas de ranhoca verde como se estivesse de caixão à cova com uma constipação daquelas e ainda me pergunto COMO HÁ GENTE DISPOSTA A ISTO POR ESTÉTICA, para parecer a filha ou o Bibas ou a Barbie? Botched? Ninguém aparece com aquele ar num primeiro dia pós-operatório!