Fotografia tirada de http://tochaflorida.blogspot.com/Busto do poeta no Largo de S.Sebastião ( S. Brás de Alportel)
Tão triste eu ando já, e descontente,
Morre o pobre e nem caixão
Vai no esquife, que desgraça!
Para o cemitério passa
Sem padre nem sacristão!...
Quem fará esta excepção?...
Se é Deus que rege os destinos
Dos grandes e pequeninos,
E todos são filhos seus...
P'ra desmentir esse Deus,
Morre o rico, dobram sinos.
Diz, padre, que leis são essas
Que servem p'ra ti somente...
Tu confessas toda a gente
E à gente não te confessas...
Diz por que tanto te interessas
Nesses segredos que encobres,
Porque é que não te descobres
Nos jornais ou num sermão,
Dizendo porque razão
Morre o pobre e não há dobres?
Só os ricos são gerados,
Dessa Virgem, desse Deus?...
Só eles são filhos seus
E os pobres são enteados?...
Padre, tu só tens cuidados
Com os ricos, teus compadres,
Que deixam ir as comadres
Esmolinhas oferecer
A Deus, sem ninguém saber...
Que Deus é esse dos Padres?...
Qual é o Deus que autoriza,
Ao rico, mil esplendores?
E aos pobres trabalhadores,
Nem pão, nem lar, nem camisa?...
Manda, p'ra quem não precisa,
O oiro, a prata e os cobres,
Palácios, honras de nobres!...
E eu, triste farrapo humano,
Julgo esse Deus um tirano,
Que não faz caso dos pobres
BERNARDO DE PASSOS
Bernardo de Passos nasceu a 29 de Outubro de 1876 em S. Brás de Alportel, vila da beira-serra do Caldeirão, localizada a cerca de dezasseis quilómetros a norte da capital algarvia, e morreu em Faro, a 2 de Junho de 1930. Filho de jornalista, republicano desde a infância, assim se pode dizer, como também, do mesmo modo, se pode afirmar que foi poeta, quando, por volta dos nove anos, fez os primeiros versos. A obra de Bernardo de Passos, pouco extensa, enquadra-se na poesia lírica. O que o poeta escreveu é reflexo da sua vida interior, o espelho de muita sensibilidade e de uma consciência muito equilibrada.(Google)