Achei que poderia passar sem escrever sobre o tema do momento. Primeiro, porque, para mim, casos de polícia são apenas isso: casos de polícia. Segundo, porque a crónica social fútil não me interessa especialmente (se é para ser completamente fútil prefiro escrever sobre sapatos, carteiras, roupas ou hotéis). Porém, a dimensão sociológica que tomou o “caso Carlos Castro” interpela-me (como nos deve interpelar a todos) e obriga-me a pensar sobre o que não está bem no nosso país. Basta ler os comentários nos jornais, ler alguns blogs ou ver as páginas de “apoio” que nascem no Facebook, como cogumelos, para uma pessoa normal e equilibrada ser forçada a perguntar-se: “Será isto normal?” Não, não é normal um país em que há pessoas que entendem por bem defender os actos de um homicida. (E não falo aqui de uma família em choque que, com toda a naturalidade, quererá defender um dos seus, apesar do horror dos actos por ele praticados). Falo de um país que vem para os comentários e para as redes sociais defender o indefensável, a coberto da protecção da “rede”.
Eu não faço juízos de valor sobre Renato Seabra (“RS”). Não o conheço para saber se era um estudante exemplar ou um “menino de ouro”. Apenas sei que ele matou e torturou um homem, num crime abjecto, que não pode ser desculpado. RS agiu em surto psicótico? Talvez. Como em surto psicótico agirão, todos os dias, assassinos, pedófilos e violadores e nem por isso a sociedade os desculpa. Porque, com surtos ou sem eles, cometem crimes hediondos que a sociedade (e muito bem) não está disposta a aceitar.
Então porquê desculpar o crime de RS? Porquê as referências a ele, sistemáticas, como “menino”? RS tem 21 anos. Há muito que passou a infância e é um homem adulto. Até onde sabemos, também não seria incapaz. É um adulto: um homem que matou outro homem. Então, porquê a complacência? Porque será, também, que muitos o desculpam dizendo que foi Carlos Castro que se aproveitou de um jovem inocente, quando, todos os dias, a sociedade condena, à partida e sem qualquer pudor, a jovem mulher de 21 anos que se aproxima do homem mais velho? Porque será que nunca ouvimos dizer que J. Howard Marshall se aproveitou da inocência da muito jovem Anna Nicole Smith para a levar a casar-se com ele?
Será que o factor “x” deste caso é o facto de Carlos Castro ser homossexual? Possivelmente. Se Carlos Castro tivesse sido morto por uma “menina” de 21 anos num quarto de hotel em NYC, não tenho qualquer dúvida dos comentários que veríamos sobre a psicopata/vilã que se aproveitou, sem pudor e sem vergonha, do homem mais velho. Seria condenada, sem apelo nem agravo, por essa “sociedade dos comentadores de bancada”, tal como o foram os pais da Maddie, por exemplo.
Mas não foi uma “coelhinha-psicotapa”. Foi um “menino” e como tal é fácil colocá-lo na posição da vítima de abusos intoleráveis, incapaz de repelir os avanços da “velha-raposa” a não ser recorrendo a mais de uma hora de tortura e maus tratos que resultariam na morte do “agressor”. Com sorte, para estes comentadores de bancada, RS terá agido em legítima defesa, e a violência utilizada terá sido proporcional à “violência sofrida”. Razoável, não é?
Como sociedade devemos reflectir sobre tudo isto. Devemos reflectir sobre páginas com centenas de fãs que têm por título “matar homossexuais não deveria ser crime”. Um país que se comporta assim, não está bem. E isto, infelizmente, o FMI não virá resolver.