O povo não é alienado. Na
verdade, o povo, principalmente sua parte mais pauperizada, tem um senso de
concretude que vai muito além do que pensam muitos dos que dizem como ele deve
agir e saber. Sim, porque o povo encontra estratégias para sobreviver, para não
passar fome, para não passar frio, enfim, para garantir a continuidade de seus
amanhãs.
Por vezes, isso não se conclui em manter-se na
legalidade. Por isso as trilhas avessas
à norma são uma das possíveis saídas quando os salários não chegam ao fim de
mês e as contas sempre batem mais que os parcos trocados juntados pelo suor de
seguidas jornadas laborais extenuantes.
O povo sabe da importância do
trabalho e de sua relação com o capital. E o mede isso todo dia que lhe falta o
pão. O seu suor salgado escorrendo da face ao corpo atesta desejo por dias
maiores. Não maiores em tempo. Mas maiores em vida. Pois a vida não é medida
numa contagem de minutos, horas ou anos. É tão simplesmente a possibilidade de
se rir, chorar, apaixonar, entristecer, sentir. Ver que as cores vão para além
das caixas de lápis, das sinestesias artificiais. O Estado deveria garantir a
toda cidadã e a todo cidadão sentir o cheiro da chuva que cai na terra que está
seca há meses. Ou ainda que toda criança tivesse direito a voar juntinho com as
pipas que empina. Que bobagem alguém vai me dizer... céu é tão longe, né? E as
pipas nem aguentam o peso. Mas esse céu é bem pequenino e próximo perto das
nossas fantasias e do nosso desejo de sermos o que quisermos. Nosso peso pode
sublimar aos encantos das nuvens que se esculturam aos nossos olhos.
Deito-me de umbigo pro sol e olho
o horizonte lá no alto e outra vez me lembro do povo. É que eu nunca me esqueço
pra sempre ter uma nova certeza. A mais nova é que o socialismo deveria se resumir
no seguinte termo: a obcecada busca por plenitude humana. Pois se isso não for
qual haveria de ser sua serventia?
O maior tumor da sociedade que
vivemos, e que só cresce, é o descarado roubo de subjetividade. Confundimo-nos
com os produtos, com as mercadorias, com os elixires que supostamente
expressariam o sabor que gostaríamos de nos degustar. A autenticidade pode ser
dada como moeda de troca para o novo barato de agora com obsolescência
previamente programada.
A rotina é um entremeado de
grades que rodeiam nossos passos. Mas meus pés calejados não se conformam com
esses terrenos tão planos. Eles foram fabricados para as montanhas, para os
relevos íngremes, inclusive aqueles medidos nas batidas do coração. Quantos
corações quis entrar e eles se deram em propriedade privada ou até privativa.
Pois bem! Deveriam socializar os corações. Expropriar todos aqueles que se
fazem latifúndio, monocultura, terra improdutiva. Um coração deveria ser livre
pra quem quisesse entrar por tempo indefinido. Não deveria ser uma prisão, nem
uma fortaleza. Deveria se abrir e se deixar ser aberto.
“É terminantemente proibido que o
consumo individual de mundo de ultrapasse a quantidade necessária à vida digna
do outro”. Acho que eles se esqueceram de escrever isso na Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Capaz de ser porque ela não é para todas e todos de nossa
espécie. Ou porque sua universalidade é limitada a algumas poucas galáxias.
Cada uma de nossas respiradas
deveria de ser uma oração. Como uma prece que aspira de fora para dentro e é
devolvida em louvor e gratidão. Mesmo as angústias que apertam a garganta podem
ser expiradas em ternuras pelo instante. Dai-me amor. Dai-me vida. Dai-me
candor. Por todos e por mim. Por nós.
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