Eu ganhei um troféu Mário Quintana por esse poema. O tema era "O idoso
e a arte de envelhecer". Sei que é dia da criança. Mas minha infância
está cada vez mais longe e a velhice aguarda logo ali na esquina. E
vou feliz, porque estou viva. Se estou aqui, agradeço a Deus e aos
médicos. Envelhecer não é para qualquer um.
Feliz dia da criança!
* INEXORÁVEL *
Na véspera de minha morte,
naufraguei nas abissais ondas do Letes.
Subornei oráculos para saber meu fim,
mas os vates discretos resistiram,
assediaram-me com seu séquito de sacerdotisas sensuais.
Eles sabiam da minha fadiga e trouxeram asas
como as de Ícaro.
Foi assim que caí feliz no abismo.
Até gostei do espaço entre o chão e a queda…
Com o tempo, o espelho me envelheceu.
Nele me vi,
e vi inteiros os versos atirados
nos lagos mansos dos olhos,
isentos de eternidade,
mas cheios de memórias e descaminhos.
Abri os lábios e saíram palavras indecifráveis
em busca de abraços e gestos sem punhaladas.
Como dizer-me que os espelhos também deformam?
Eles não refletiram quem eu sou,
Só vi o rosto antigo de criança-adulta,
esculpido no reflexo.
Nunca foi a parte inteira e etérea do infinito materializado.
Eu e meu nome somos mais que álbuns, recortes, paisagens,
pedaços de percursos, calendários,
gestos e cores nas fotografias
e nos passos idos.
Faço uma reza.
Envelhecer é simples,
mas ainda tenho uma canção de ninar
nessa tarde de abril, de quentura insuportável.
Ignoro a morte que se esquiva
exilada nas sombras,
extenuada das lonjuras da idade.
Ela tem uma sede envelhecida.
Solange Firmino