terça-feira, fevereiro 21, 2006

Internetês


Internetês


A Língua Portuguesa mudou através dos séculos. E continua mudando. A forma de tratamento “Vossa Mercê” sofreu mudanças lingüísticas até a forma “você”, que continuou mudando até a pronúncia “cê vai?” e a atual escrita dos usuários da internet: “vc”.

Uso de abreviação na fala e na escrita não é novidade. Neologismo também não. A todo momento surgem grupos que criam seu próprio vocabulário, com palavras que às vezes se tornam gírias, como muitas expressões faladas pelos surfistas e outras “galeras”, “tá ligado?”. Alguns diálogos são até inacessíveis a pessoas que não fazem parte de alguma “tribo”.

Os usuários da internet utilizam uma linguagem própria nas salas de bate-papo. Encurtaram palavras, retiraram acentos, pontuações e criaram mais um fenômeno de variação lingüística, o internetês, uma espécie de dialeto do mundo digital com palavras e abreviaturas que são verdadeiros códigos entre internautas .

Em um canal de TV por assinatura há uma sessão chamada “Cyber Movie”, que exibe semanalmente filmes com legendas em internetês. Em alguns segundos é possível ler palavras como naum (não), kra (cara), fazendu (fazendo), estaum (estão) e D+ (demais), o que pode deixar confusa uma pessoa que não faça parte do contexto das conversas instantâneas.

É possível aprender estenografia, um tipo de escrita simplificada que aproveita melhor o tempo e o espaço, assim como o objetivo do internetês. Será que no futuro próximo haverá curso de internetês para ver os filmes ou entender o que os alunos escrevem? Aceito o dinamismo da língua, mas torço para que os cinemas não tenham a mesma idéia da TV por assinatura.

Acatar todas as grafias e falas “alternativas” e propagá-las na mídia é um exagero. Em Lingüística, aprendemos noções de variedade lingüística. E também de adequação. É preconceito lingüístico classificar os socioletos em certo e errado, de acordo com a norma padrão da língua, mas devemos ficar atentos com a adequação no uso da língua.

Vale mostrar nas escolas que a civilização não vai acabar com a expansão do internetês, mas o aluno tem que entender que a variação linguística permite escolhas adequadas e que essa linguagem é legítima, mas limitada a um tipo de interlocutor.

O internetês é uma espécie de variação da língua entre pessoas que utilizam a internet e sua característica é a agilidade e facilidade de escrita. O desafio é mostrar ao aluno que ele não pode produzir textos o tempo todo como se estivesse nas salas de bate-papo, ou seja, deve aprender a utilizar de forma adequada os diversos registros de linguagem, inclusive a norma culta.


Solange Firmino


Texto publicado na coluna Orkultural n° 12 em Blocos online, em 24/02/06.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Real e virtual


Emoções reais

O mundo virtual é impessoal e sem sentimentos. Não se trocam idéias, a comunicação tem direção única e afasta as pessoas do contato olho no olho. Cansamos de ler frases desse tipo. Mas também lemos e ouvimos ótimas referências sobre a internet. Como toda revolução, estando no meio dela ainda é difícil falar sobre os seus resultados, mesmo assim, podemos sempre falar de alguns benefícios que a internet traz para o nosso cotidiano.

Parodiando o título do livro de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, imagine um "Ensaio sobre o mundo sem computadores". Certamente, depois das experiências que tivemos nos últimos dez anos com o ciberespaço, seria meio caótico ficar sem computadores nas empresas, bancos, hospitais e até sem os computadores caseiros. Vivemos sem eles até bem pouco tempo, mas nossa estrutura atual depende muito deles.

Um dos aspectos mais comentados sobre o uso de computadores é o de que as pessoas deixam de se relacionar com as outras. Mas talvez seja o contrário, pois hoje um dos meios mais fáceis de conhecer e conversar com alguém é através da internet. Claro que há várias formas de fazê-lo e cada um vai se adaptar aos seus próprios objetivos.

Comunidades virtuais como Orkut representam um pequeno mundo nas relações sociais da atualidade, pois possibilita a troca de informações e o ganho de amizades e amores através da internet. E possibilita a perda também, já que um grande problema é a falta de privacidade dos dados à mostra, o que pode provocar reações como ciúmes. Mas com milhares de pessoas com perfis e imagens tão interessantes, não será difícil achar uma princesa ou príncipe encantado.

Mas não é exatamente encantada no sentido dos contos de fada a pessoa com quem dialogamos. Falamos com um ser humano através do computador. E inteligência dos animais ainda não permite que eles usem o teclado com eficiência. Quando estamos na internet a relação também não é com o computador, é com as pessoas que imaginamos que estão nos ouvindo, lendo, escutando. Se muitas pessoas só são sociáveis através dele, se a pessoa se isola do mundo externo e só se sente segura com relações através da internet, é outra história.

Não podemos dizer que o computador afasta as pessoas, quando muitas estão juntas por causa dele e através dele. Temos que saber dosar nossas experiências, tanto nas relações reais como nas chamadas relações virtuais. Discute-se muito também qual a relação entre os termos real e virtual. Virtual não é físico, mas a simulação de algo que não está no real, não está presente.

Assim, houve a simulação da festa de aniversário da Leila Míccolis, uma das fundadoras, sócia e editora de Blocos online, entre os dias 28 de dezembro de 2005 e 2 de janeiro de 2006. Ninguém poderá dizer que não houve interação entre as pessoas que lá escreveram.

Durante quase uma semana, amigos chegaram no tópico da festa e deixaram seu carinho através das palavras. E as palavras lidas afetaram emocionalmente a querida Leila. Houve troca, afeição e desejos sinceros de feliz vida, saúde, paz e felicidade. Tanto que ela desejou fazer aniversário mais vezes durante o ano, claro, sem trocar a idade, porque a festa pode ser virtual, mas a idade é real.

O limite entre o real e o imaginário não está bem definido ainda, mas entre um e outro está, com certeza, o ser humano real, de carne e osso. E seria bem difícil fazer uma festa com pessoas de carne e osso de vários estados do Brasil e até pessoas de outros países, durante vários dias, na sua casa real da Leila. A festa virtual foi possível graças ao tipo de encontro que a internet pode proporcionar.

O virtual pode ser concreto quando há interação, pois as pessoas podem não ser tocar fisicamente, mas a emoção é um sentimento real e pode nos transformar e engrandecer como pessoas. Eu não imaginei que aquela festa seria a minha despedida do Orkut. Assim como ela foi inesquecível para Leila, será para mim também.

Solange Firmino

Leia o depoimento de Leila Míccolis sobre a festa: PRIMEIRA FESTA VIRTUAL DE ANIVERSÁRIO

Texto publicado dia 14/02/ 06 em Blocos online

Emoções reais - Solange Firmino

sábado, fevereiro 11, 2006

Dia da Árvore



Foto tirada por mim na rua do Catete

Sabedoria vegetal

"Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal."
[Manoel de Barros]


Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.

[Mia Couto]


Da árvore, admiro as raízes fincadas na terra fértil.
Quero ser forte como o caule
que suporta adversidades.
Venero os galhos que acolhem ninhos.

Invejo a sombra confortável
e os frutos que guardam a semente.
Quando chega o outono,
saúdo as folhas que enfeitam o chão,
húmus vegetal,                                             
começo de árvore em outra estação.

Solange Firmino.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Odisséia

Placa de terracota com retorno de Ulisses. Museu Metropolitan.

Odisséia


Vivo em circunviagem.

Ulisses sem Ítaca, tenho saudade

de quem me espera.


Tantas voltas dou, Penélope tecendo,

faço meu caminho em mares profundos.

Um porto de vez em quando me faz companhia.


A cada gesto de partida,

mais perto fico da chegada.

Nas tormentas, procuro o desconhecido

no espaço cíclico.

Viajo sem regresso previsto.


Peregrino sem âncora ou bússola.

Nas travessias cruéis,

entre Cila, Caribde e Ciclopes,

enfrento naufrágios, armadilhas

e expectativas.

Encantam-me Circes, olhares e palavras.


Retorno pela memória.

Navego pelo visto, ouvido e amado.

Só assim me livro do exílio.

Encontro-me esperando por mim

no meio de tantos sonhos tecidos

enquanto eu crescia.


Solange Firmino