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sábado, dezembro 06, 2008

someone's movie



Hiroshi Sugimoto

segunda-feira, agosto 11, 2008

imagens que se colam ao peito (28)




Imprints, Japan 1993-1999, Yuichi Hibi

quinta-feira, dezembro 27, 2007

«Merry Christmas and a Happy New Year»


'Merry Christmas and a Happy New Year', Lambda print, 2005, Maja Bajevic

sábado, setembro 08, 2007


da série 'Books', 'Dictionary', 1994, Abelardo Morell

domingo, julho 01, 2007

Andrew Esiebo

terça-feira, janeiro 30, 2007

confessionário (40)

Crimes de la Commune: Le Massacre des dominicains d'Arcueil, le 25mai 1871,
Photomontage destiné à la propagande Versaillaise,
Eugène Appert

Minha querida, no último e-mail que me enviaste, a certa altura dizias que tinha sido uma sorte termo-nos encontrado e que uma amizade sincera poderia nascer e sustentar-se através de um meio cada vez mais perigoso onde o indivíduo real parece ter sido substituído por personagens talhados à medida das conveniências, dos medos, dos anseios e das fobias. Não quero cair no erro de tecer juízos de valor em relação a pessoas que não conheço ou basear a minha opinião em narrativas mais ou menos indignadas que vou lendo em blogues que visito diariamente. O que me preocupa realmente não é o maior ou menor grau de sordidez das novelas blogosféricas mas o que elas determinam como consequência. Entra-se num mundo onde a desconfiança se impõe como a única arma usada em legítima defesa na relação com o outro. Confiar torna-se um risco e confiar mal uma factura com preço demasiado alto a pagar. ‘Don’t trust nobody!’ como dizia o Henrique noutro dia no Insónia parece-me ser a atitude mais sensata a adoptar nos dias que correm. É triste que se entreponha esse ‘don’t trust’ naquilo que nos liga ao outro mas talvez seja a única forma de salvaguardarmos o que ainda resta em nós de integridade, dignidade e amor-próprio.
A Maria João tem levantado muitas questões pertinentes nos textos da série ‘Perguntar Ofende?’. O último questionava o poder das imagens e da sua manipulação. Transcrevo: “A primeira vez que observei as fotografias deste livro, fiquei cheia de medo; porque foi possível apagar pessoas de fotografias, retocando-as manualmente com tinta de forma a que elas continuassem a ter uma certa verosimilhança, com meios rudimentares.”; foi possível perverter a História, reconstruir os factos ainda que momentaneamente, já que as falsificações não conseguiram apagar os crimes que Estaline impregnou na pele daquela gente. Os ditadores soviéticos não foram os únicos a usar o seu poder para reescrever a história. A falsificação de imagens é quase tão antiga como a própria história da fotografia. A primeira fotografia reconhecida é uma imagem de Niépce de 1825. Em 1871, ou seja 46 anos depois, é publicada por Eugène Appert uma série de imagens manipuladas anti-communards intitulada ‘Crimes de la Commune’. A mais célebre dessas imagens retrata o 'massacre' (se é que foi realmente um massacre) levado a cabo pela Comuna contra os dominicanos de Arcueill a 25 de Maio de 1871. A pedido de Thiers, Appert fez multiplicar os elementos da Comuna na imagem e inseriu alguns frades em súplicas mártires de forma a dramatizar a cena e evidenciar o carácter sanguinário dos communards. Todos estes acontecimentos desenvolveram-se numa época em que as técnicas e os instrumentos eram rudimentares e pouco verosímeis. Imaginemos o que não se poderá passar hoje em dia com a capacidade técnica que possuímos.
Ao olharmos essas imagens enchemo-nos do medo que a Maria João falava. No entanto, e apesar da perversidade contida nesses actos, mais perversas e absurdas são as suas consequências sobre todos nós. Ao descobrirmos que essas forjas aconteceram sistematicamente ao longo da História, perceber que apurámos a verdade não é mais do que um presente envenenado: o medo e a incredibilidade de olharmos um documento falsificado transforma-se no medo da repetição, perguntamo-nos se neste momento somos vítimas do mesmo ou se o provaremos num futuro próximo. O medo da estupefacção transforma-se no medo de acreditar, no medo de dar o benefício da dúvida.
Sobrevoando o século XX apercebemo-nos que apesar da indignação e da revolta em relação às vicissitudes dos tempos, os pensadores, artistas e escritores modernos acreditavam na construção de um novo mundo. Apesar dos regimes totalitários, das guerras, da fome, da exploração, havia no que acreditar. Por outras palavras a fé ainda não tinha sido condenada. Após a Segunda Grande Guerra parece que todos os valores ruíram. Havia demasiado lixo debaixo do tapete, tanto que ainda hoje nos sentimos sujos. Nos dias que correm acreditar é um risco: o homem perdeu por completo a capacidade de confiar em si próprio. Não acreditamos nos políticos nem nas religiões, não acreditamos na economia nem no progresso, não acreditamos sequer no nosso vizinho do lado, nem em Deus acreditamos. Vivemos permanentemente sem saber como e no que acreditar. Este é o nosso drama.
Detemos todos demasiado poder, minha amiga, da maior à menor escala. É tão fácil e acessível ao governo dos Estados Unidos da América (ou de outro país qualquer) reescrever a história ao sabor das suas ambições, como é para nós, com exacta facilidade, forjarmos a nossa identidade e fazermos de nós mesmos o personagem que mais nos aprouver. Tudo é demasiado virtual e já ninguém tem fé em absolutamente nada. ‘Don’t trust nobody!’ não te esqueças. Sem ponta de ironia é o melhor conselho que te posso dar, ainda que contra mim fale.
Para finalizar: Lu, tem sido muito gratificante correr o risco de confiar em ti. Tem sido muito gratificante correr o risco de confiar em mais quatro ou cinco pessoas. Alimenta-me a fé… quase moribunda.

sexta-feira, novembro 03, 2006

tercetos sobre a vida, a morte & coisas que tal (14)

sobre uma fotografia:

existem mistérios escondidos por detrás da névoa do canal
como se eu e aquele homem fôssemos a mesma pessoa:
um olhar melancólico, curvado sobre o farol que reflecte a esperança.
*

sexta-feira, outubro 27, 2006

Confessionário (33)

'Nan one month after being battered', 1984, Nan Goldin

Minha amiga, peço-te desculpa pela demora na resposta. Sei que devia ter existido da minha parte uma resposta anterior, mas se não o fiz foi por pura falta de tempo para responder como mereces. Porque escrever-te não é uma coisa que faça levianamente. Exige de mim. É uma escrita viva, feita de emoções tão fortes e à flor da pele que por vezes só alguma distância me permite analisar os factos com alguma imparcialidade. Fazendo isso, tento evitar que ambos apaguemos a luz ao mesmo tempo e de repente as nossas vidas se transformem numa imensa escuridão. Quando te sinto vulcânica como na última confissão, vejo-me compelido a cuspir fogo contigo, não me faltam motivos para odiar a compostura e tu sabes disso. Seria muito fácil para mim dizer-te: ‘Lu, espera, eu compreendo a tua indignação e quero embarcar no mesmo navio.’ Mas tu sabes que as coisas não são assim tão lineares. Certamente vais odiar o que te vou dizer de seguida, mas tenho que o fazer como bom amigo que tu sabes que sou: não vale a pena quereres transformar-te numa pessoa que não és. A infelicidade será triplicada, o peso da vida insuportável e a máscara que tu dizes que deixaste de usar colar-se-á à tua face novamente, mas desta vez pintada de vermelho e negro substituindo o azul celeste da menina boazinha que tu dizes que morreu.
Eu não sou ninguém, absolutamente ninguém para dar lições de vida a seja quem for. Não sou um bom exemplo, não sou um poço de virtudes, tenho mil e um defeitos, coisas que eu mudaria em mim e outras que provavelmente nem mudaria apesar de parecerem monstruosas aos olhos de alguns. Como na tua carta, muitas vezes tenho vontade de dar um chuto na vida e virar esta merda toda do avesso. Digo muitas vezes a mim próprio, devia era fazer como este ou aquele, filhos da puta inatos, cuja consciência tem para eles um peso semelhante ao do algodão enquanto para nós, em situação semelhante, seria como uma imensa viga de metal caindo sobre as nossas cabeças do alto de uma daquelas torres de Manhattan. O que é que eu pretendo dizer-te com isto tudo minha amiga? Quero dizer-te que compreendo bem a tua indignação perante a fraqueza, perante a covardia, perante o desperdício da vida. Quero dizer-te que compreendo os enganos, as traições. Quero dizer-te que compreendo o porquê dessa culpa que falas e acrescento que não há nada mais terrível do que sentirmos culpa e medo de alguma coisa, nada nos tira mais liberdade do que isso, e quando nos vemos embrulhados em sentimentos tão atormentadores o espírito asfixia e, sim, depois é uma luta involuntária pela sobrevivência, darwinismo puro como bem descreveste.
Acho que me concedes a presunção de afirmar que te conheço profunda e verdadeiramente. Eu concedo-te o mesmo. Conheces-me melhor do que a grande parte das pessoas que me cruzo diariamente. Luciana, tu não és a vilã da tua história, por muito que te custe aceitar esse destino. Definitivamente não és. Também não és a menina boazinha e educada, o poço de virtudes inviolável e que oferece sempre a outra face. Só o Outro a ofereceu e porque sabia que o Pai o pouparia e lhe ofereceria o reino dos Céus. Tu és uma sobrevivente, é o que tu és. Tu e grande parte de nós. Somos quase todos sobreviventes. Humanos cansados, fustigados, magoados. Humanos cuja dor por vezes tão profunda, obriga-nos a odiar o mundo, a vida, o outro. O ódio não é um sentimento mau ao contrário daquilo que todos pensam. É o melhor detergente para a alma que conheço. O ódio é aquele grito de Munch que publicaste noutro dia. Peço-te para que grites bem alto e projectes esse ódio bem forte contra o Presente. Arranca-o do mais profundo recanto do teu corpo e cospe-o de uma vez por todas. Quando o vires desenhado na tua frente, quando lhe vires o rosto, saberás amá-lo, e a verdadeira Luciana abraçar-te-á como aquela mulher que uma vez me descreveste, num movimento simétrico.
A Nan Goldin tem uma imagem de que gosto muito. Auto retratou-se com um olho violentamente esmurrado depois de ter sido agredida pelo seu companheiro da época. Há pormenores interessantíssimos na fotografia. Ela pinta os lábios de encarnado forte, espalha um creme hidratante pela face para que a pele brilhe, coloca um flash a meio metro de si para que o impacto da luz branca sobre a pele luzidia seja ainda mais forte. Fá-lo numa atitude de desafio, de ódio, de intolerância… fá-lo para não esquecer, para não consentir… fá-lo como um grito de revolta, fá-lo por quer que sejamos seus cúmplices, quer que digamos com ela que aquele episódio não voltará a repetir-se. No dia em que vi pela primeira vez essa imagem pensei, o que leva uma mulher neste estado a fotografar-se com esta frieza? A resposta que me ocorreu foi algo de muito parecido com o fim da tua confissão: ainda não perdeu a coragem!
Sabes, as fotografias mais recentes da Nan Goldin são bem mais pacíficas. É estranho constatar que uma mulher que viveu e sentiu tão intensa e violentamente o drama humano e que teve a coragem de o expor ao mundo, seja hoje capaz de fotografar coisas tão serenas como uma jarra de gladíolos ou um bando de pássaros planando ao som crepuscular. Parece estranho, há qualquer coisa ali que não bate certo, como se tivéssemos saído do purgatório e encontrássemos as portas do paraíso abertas. Sabes do que se trata, minha amiga? Sabes que coisa estranha é essa? É tão e somente a coisa mais bela e maravilhosa que possuímos enquanto reles seres humanos que somos: a capacidade que cada um de nós possui de regenerar através do amor. O nosso corpo fá-lo a todo o momento em silêncio. Repara, cortas-te com uma faca por acidente quando estás a preparar o jantar. Sai imenso sangue. Dói. Acalmas colocando a mão debaixo da torneira para que a água fria possa limpar a ferida. Depois desinfectas, colocas um penso rápido. Passados uns dias retiras o penso, olhas o corte em fase de cicatrização. A mão ainda está um pouco inflamada, mas a pele começa a evidenciar o amor que o teu corpo lhe tem, já não corre sangue. Aos poucos e poucos, sem que te apercebas, as células agredidas vão sendo substituídas por outras novas, semelhantes a todas as que povoam a tua pele. Passadas umas semanas apenas uma ligeira marca permanece para te lembrar que deves ter cuidado quando estás a cozinhar. Mas não é só isso que essa pequena cicatriz te lembra, ela tem o mesmo poder da fotografia da Nan Goldin, existe para te provar que sabes amar, que podes seguir o exemplo do teu corpo e regenerar como ele. Sei que um dia me falarás de simples jarros de gladíolos, ou de um bando de pássaros planando ao crepúsculo, ou de outra coisa qualquer digna do teu amor. Pensa nisto que te digo, promete-me que o farás de coração aberto. Despeço-me parafraseando a Lia, com um beijo na alma. Espero um sinal teu. Se ele não vier e o teu desejo for o silêncio como pressenti na última carta, aviso-te que não o respeitarei. Continuarei a escrever o nosso diálogo esperando resposta atrás de resposta até ao dia em que, de novo, eu não seja o único a acreditar. Eu também não perdi a coragem minha amiga. E lembra-te, até porque o tens bem gravado na alma neste momento: só há uma coisa na vida que exige coragem, AMAR ... e é por não termos colhões que o mundo é a miséria que conhecemos.

[Confessionário (32)]

terça-feira, outubro 24, 2006

imagens que se colam ao peito (14)

O meu primeiro contacto com a obra de Helena Almeida foi um daqueles acontecimentos que nos marcam para toda a vida. Faz parte de uma das experiências académicas mais importantes e significativas da minha formação enquanto profissional e enquanto homem. Porque nem tudo no ensino é mau, e há professores que nos marcam profundamente, pessoas que graças à sua singularidade intelectual e a uma entrega apaixonada ao que realmente acreditam, exercem sobre nós um tipo de fascínio que transportamos sob forma de admiração para o resto da vida.


Tela Habitada, 1976, Helena Almeida
Início do ano lectivo. Aula de apresentação do professor e do programa da disciplina de Projecto II. A turma sentada. A banda sonora tradicional, o burburinho característico do início de aula. Poucos alunos: as aulas de apresentação são sempre fastidiosas e não passam de um pró-forma curricular, ninguém dá bola. Uma mulher dos seus trinta e picos entra na sala, dirigindo-se para a secretária junto ao quadro negro. A turma silencia, provavelmente é a professora. Um auxiliar entra na sala transportando um projector de imagens enquanto a mulher retira de uma pasta duas gavetas de diapositivos. Agradece ao auxiliar e sorri à turma enquanto este se retira. Monta o estaminé. Percorre a turma com o olhar e solta novo sorriso. Diz: “Boa tarde a todos, o meu nome é Teresa Novais, e serei a vossa professora nas aulas práticas desta disciplina.” Pede aos alunos do fundo da sala para desligar as luzes e inicia a sua apresentação. Durante cerca de uma hora toda a turma permanece em silêncio. Não há qualquer tipo de murmúrio com o vizinho do lado. Percorro a turma com o olhar e os meus colegas escutam aquela mulher com o mesmo entusiasmo e mesmo fascínio com que eu a escuto. Passam imagens de várias obras de arquitectura (a Casa de Ofir do Távora é uma das que me lembro), desenhos académicos da Alison e do Peter Smithson, uma fotografia interessantíssima da Faculdade de Arquitectura de São Paulo, em que uma multidão de alunos discute e troca argumentos sobre vários trabalhos expostos debaixo do grande átrio desenhado pelo Vilanova Artigas, passa uma imagem do estúdio da Lina Bo mais um desenho hiper rigoroso do projecto de execução do museu do Siza na Galiza, um trecho do manifesto do Gropius, fala-se de multidisciplinaridade, da importância da arte e da história, fala-se de pesquisa, de descoberta, fala-se de paixão, de entrega, explica-se e ilustra-se que não há apenas uma forma ou um caminho, potenciam-se as possibilidades desde que perseguidas de forma honesta, fala-se de rigor, de discussão, de não esconder os trabalhos dos colegas, fala-se de abertura e de coerência. A aula termina com um grito, um pedido, uma espécie de prece escrita em letras garrafais sobre um plástico que parece abafar uma mulher: OUVE-ME, diz a prece… OUVE-ME. Eu penso que ouvi e que ainda não me esqueci das palavras. Obrigado.

Nota: Esse grito, essa imagem extremamente poderosa foi retirada do filme ‘Ouve-me’ de 1979, onde Helena Almeida executa uma performance de cerca de quatro minutos. Não consegui encontrar na web uma reprodução da obra com o tamanho que pretendia, daí ter optado por ilustrar o post com a série ‘Tela Habitada’. A melhor reprodução que consegui encontrar de ‘Ouve-me’ pode ser vista aqui.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Sebald, Koudelka e o Exílio

Enquanto lia ‘Os Emigrantes’ do W. G. Sebald veio-me à lembrança um texto sobre a relação Invasão/Exílio que escrevi há coisa de um ano e pico a partir de uma fotografia do Josef Koudelka. Antes de qualquer conclusão sobre obra do escritor alemão gostaria de relançar o tema, na expectativa de que o assunto não morra aqui e seja tema de conversa no Sincronicidade durante os próximos dias.

Invasion by Warsaw Pact troops in front of the Radio headquarters, 1968, Praga, Rep. Checa, Josef Koudelka

Sobre uma Imagem de Josef Koudelka

Invasão: Acto ou efeito de invadir (…)”;
Invadir: 1. Entrar bruscamente, irromper; 2. Penetrar pela força e em grande número num país e ocupá-lo; 3. Espalhar em ou sobre alguma coisa; 4. Ganhar o espírito de alguém; 5. Monopolizar alguém ou o seu tempo.” [i]

Em Agosto de 1968 Josef Koudelka, fotógrafo checo, registou com a sua objectiva a invasão de Praga pelas tropas do extinto Pacto de Varsóvia. Ao recuarmos na história até ao momento preciso em que Koudelka congelou esta cena, apercebemo-nos da importância e da simbologia que uma fracção de segundo possui e como uma parcela tão curta de Tempo poderá dominar ou condicionar o próprio Tempo. Ora vejamos, Praga acabava de despertar da sua Primavera e ainda se sentia no ar o cheiro democrático das políticas reformistas de Dubcek; o povo, estalinizado desde o fim da Segunda Grande Guerra, redescobria o significado da Liberdade, entusiasmado pela rebeldia dos estudantes parisienses e pela utopia exalada nas flores e nos colares de missangas da juventude norte-americana; o mundo ocidental acreditava que o exemplo dos checos derrubaria o Muro mais cedo do que o previsto, a esperança reinava nas ruas de Praga e alastrava-se como um eco a todo o bloco ocidental. Tanta vontade, tanta esperança, tantos sonhos arruinados no preciso momento em que Koudelka dispara o obturador da sua lente, talvez ele próprio a mesma imagem indignada e revoltada do rapaz que “recebe” os soldados russos, um reflexo consternado no qual “the photographer engages us with a symbolic interval of his resistence as a fighter on behalf of the Dubcek liberalization” como faz crer Max Kozloff.[ii]
Se buscarmos uma interpretação política desta imagem retiraremos dela uma quantidade de significados, que vão desde anulação de valores como a identidade e a liberdade de um povo que é ocupado militarmente por outro, mais poderoso e cujas consequências se manifestam de modo quase irreversível durante o período de domínio e de ocupação; questionaremos se a identidade ideológica das personagens que a compõem corresponde à identidade política das facções que representam (acreditamos na revolta e na consternação do rapaz checo – o invadido – mas a mesma crença não será partilhada em relação ao soldado russo – o invasor – sentado na traseira do tanque de guerra, que parece executar uma ordem da qual não partilha acordo); questionaremos por fim a importância de momentos como o da fotografia de Koudelka, capazes de direccionar a História num ou noutro sentido como que perguntando: se a Primavera de Praga tivesse vingado, não teria o Muro de Berlim caído mais cedo e onde estaríamos nós agora, se o caminho percorrido pela humanidade tivesse atalhado o Tempo em Agosto de 1968?
A imagem de Koudelka é passível de todas as interpretações políticas descritas, bem como doutras deixadas para segundo plano deliberadamente. Muito provavelmente esta imagem atinge hoje uma conotação iconográfica e, partindo do pressuposto que estamos perante um ícone, ela não só simboliza um momento histórico específico – a invasão de Praga pelas tropas soviéticas – como todas as outras invasões militares, ou tão e somente a INVASÃO como acto ou conceito, onde algo ou alguém exerce um poder deliberado sobre outro que não o consente ou aceita. Como ícone, a imagem atinge “the feeling of strangeness that overcomes the actor before the camera […] basically of the same kind as the estrangement felt before one’s own image in the mirror”.[iii] Podendo esta imagem reflectida ser transportada, separada do contexto onde foi registada, independência essa conseguida pelo seu estatuto iconográfico, resta-lhe, como afirma W. Benjamim, a exibição perante o público, que reconhecerá não apenas o significado histórico que ela acondiciona como legitimamente lhe atribuirá um significado mais amplo e intimamente ligado ás suas próprias questões existenciais e filosóficas. Quer-se com isto dizer que, independentemente do conhecimento histórico do observador sobre o acontecimento decorrente da imagem, ele reconhece nela um significado – A INVASÃO, partilha a mesma consternação e a mesma raiva do INVADIDO e sente também a agressão e a violação do INVASOR. A imagem de Koudelka não representa só um acontecimento longínquo lá nos late sixties, ela confronta o observador com um acto que ele reconhece da sua rotina quotidiana – o acto de ser invadido, a sensação de que alguém lhe “ganhou o espírito”.[iv]
É, portanto sobre a Invasão enquanto conceito que nos fala a imagem de Koudelka. Fala-nos sobre o “triunfo da natureza mais baixa sobre a mais alta (…) da tirania do fraco sobre o forte” que Oscar Wilde refere numa das suas peças “como sendo a única tirania que perdura”.[v] A Invasão enquanto exercício deliberado do poder de um sobre o outro, sem permissão ou consentimento - a imposição de material bélico sobre uma nação ou a simples manipulação psicológica de um ser humano sobre outro, na qual o Invasor detém uma posição de conhecimento e domínio sobre os medos, as fobias e as inseguranças do Invadido e de forma deliberada os usa para diminuir o outro na sua personalidade e no seu carácter. É a imagem do triunfo da tirania sobre a liberdade e que só pode ser interrompida pelo Invadido, uma vez que o Invasor, conhecedor do poder que detém, dificilmente se desprende dele, pelo menos enquanto se mantém conhecedor daquilo que considera frágil no outro. Para aniquilar a Invasão, o Invadido tem três alternativas possíveis: tornar-se ele próprio num Invasor, num Resistente ou num Exilado.
Tornando-se num Invasor, aprende a jogar com as mesmas regras do Invasor, ou seja, inventa-as consoante a necessidade ou a conveniência, golpeando e sendo golpeado segundo o maior ou menor grau de distracção do outro. Talvez seja o percurso mais penoso e o sucesso depende sempre do desequilíbrio de uma das partes, começando o jogo sempre no prato mais baixo da balança para o Invadido, visto ter sido ele o primeiro a ser dominado.
O Resistente, combate a Invasão de forma heróica e altruísta. Sabe que o jogo é desigual mas o seu estoicismo acaba sempre por demover o Invasor, se não mais, apenas pelo cansaço.
O Exílio é a atitude dos homens livres, depende exclusivamente das decisões por eles tomadas assumindo que a sua força é suficiente para continuar o caminho. Ao afastarem-se do seu país, da sua terra ou de si próprios (como até então se conheciam) optam pelo caminho duro da solidão e arriscam-se a carregar consigo a eterna saudade da proveniência. Apesar de tudo escolhem sempre e por escolherem são terrivelmente livres. “Freedom of exile is of that lofty sort, though it is imposed by circumstances and, therefore, deprived of bathos. A brief formula may encapsule the outcome of that struggle with our own weakness: exile destroys, but if it fails to destroy you, it makes you stronger”[vi]. Sabemos que Josef Koudelka foi um Exilado. Talvez o rapaz da fotografia tenha sido um Resistente. Optemos sempre em LIBERDADE.

____________________
[i] Nova Enciclopédia Larousse, vol. 13, págs. 3837 e 3838
[ii] KOZLOFF, Max; “Lone visions, Crowded Frames – Koudelka’s Theater of Exile”
[iii] BENJAMIN, Walter; “The work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”, cap. X
[iv] Nova Enciclopédia Larousse, vol. 13, págs. 3837
[v] WILDE, Oscar; “De Profundis”, pág. 18
[vi] MILOSZ, Czeslaw; “Exiles – On Exile”

sábado, junho 03, 2006

Petição em defesa do CPF

Em defesa do CPF, em defesa da fotografia em Portugal Os fotógrafos, os amantes da fotografia e outras pessoas têm sido confrontadas com um conjunto de notícias na comunicação social que parecem vaticinar o fim do Centro Português de Fotografia a curto, médio prazo. Uma das últimas notícias relatava mesmo expressamente a aprovação em conselho de ministros da extinção da Direcção Geral do CPF. De acordo com o diploma (resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006 de 30 de Março – in DR I Série-B de 21 de Abril de 2006), os serviços e o património por que o CPF era responsável serão partilhados entre duas novas Direcções Gerais, os Arquivos Nacionais e a Direcção Geral do Apoio às Artes, que no fundo corresponde a uma mudança de nome do IA. Mas esta divisão do CPF pelas duas tutelas é muito pouco concreta em muitos casos, deixando no ar muitas interrogações. Procurando obter alguma informação que permitisse compreender o conteúdo destas mudanças, verificaram com estupefacção que nada neste processo é claro ou transparente. Só se sabe que se pretender alterar o estatuto do CPF. Porquê não se sabe bem, para além de pretensas razões economicistas, mas mesmo essas não são muito objectivas, pois há inúmeros organismos dependentes do MC, muito mais dispendiosos e, nalguns casos mesmo sem razão de ser, que continuam intocáveis. Veja-se o caso dos funcionários da Casa das Artes que estão em casa há anos, a receber o ordenado e o subsídio de refeição por inteiro. Extingue-se o CPF, mas não se sabe o que irá acontecer por exemplo à colecção de fotografia, ao espólio museológico constituído por câmaras e outro material, aos funcionários, ao edifício etc. A ministra, quando questionada, nada esclarece! Não sabe ou não quer dizer. O Diploma apenas diz que o património passa para os Arquivos Nacionais e que as atribuições relativas ao apoio e difusão da fotografia transitarão para a Direcção Geral do Apoio às Artes. Mas não especifica que património. O gabinete da ministra, quando questionado, não concretiza. De acordo com Maria do Céu Novais, assessora da MC, in Público de 6 de Abril 2006, "O CPF deixa de ter competências de apoio à fotografia, que transitam para a nova Direcção-Geral de Apoio às Artes". Claro que nos poderão argumentar que nunca ninguém falou em extinguir o CPF. Que não se trata disso! É verdade, mas gato escaldado de água fria tem medo e há muitos sinais que indiciam que há mais para além do que se diz. E de facto, nunca também o ministério clarificou de uma forma explícita, preto no branco, que o CPF continuará a desempenhar o papel que lhe foi atribuído, porventura reforçado e dinamizado, que permanecerá no Porto e que continuará instalado na Cadeia da Relação. A extinção da DG e a subordinação do CPF a duas tutelas tão diferentes, que nunca tiveram responsabilidade/experiência na área da fotografia e que não parecem vocacionados para tal, não augura nada de bom. Mais surpreende ainda todo este imbróglio se tivermos em conta as posições da actual ministra na AR, a defender então o projecto CPF e a contestar os planos do governo anterior para extinguir o CPF. Foi há menos de dois anos (Novembro de 2004). Mas na altura não era ministra... Uma pergunta óbvia é: quem poderá lucrar com os restos mortais desta instituição? Quem esfrega as mãos à espera do fim? O que está a acontecer é preocupante por diversas razões e antes do mais por não ser transparente e não resultar de uma avaliação objectiva e pública do papel da instituição. O CPF foi criado há nove anos com a missão de prestar um serviço público na área da fotografia. O edifício da Cadeia da Relação foi preparado para esse fim, tendo a renovação feita (levada a cabo por uma equipa coordenada pelo Arqº Eduardo Souto Moura) respondido especificamente a um programa adequado a esse fim, no que diz respeito a áreas técnicas e equipamentos. O investimento feito não foi pequeno. Mas a verdade é que, após os primeiros anos de algum dinamismo, se assistiu a uma política encoberta de asfixiamento financeiro da instituição. Apesar de muitas críticas que algumas pessoas possam fazer à intervenção do CPF na fotografia em Portugal, a verdade é que teve um papel global bastante positivo, contribuindo de diversas formas para o apoio e a divulgação da fotografia em Portugal e no estrangeiro, muitas vezes com muito poucos meios. Extingui-lo será uma machadada no entendimento da fotografia em todas as suas componentes, na arte, e na cidade do Porto que tem e sempre teve uma importante responsabilidade na afirmação cultural e artística da fotografia portuguesa. O primeiro objectivo deste movimento é portanto alertar as pessoas para o que está a preparar-se na sombra. Não é por acaso com certeza que estes planos, que deveriam ser objecto de grande divulgação nos jornais e discutidos abertamente pelos fotógrafos e pelas forças vivas da cidade do Porto, não têm quase nenhuma visibilidade. Este movimento pretende também ajudar a compreender o impacto negativo de uma medida tonta e impensada como esta. O impacto negativo na fotografia que deixará de ter um organismo com alguma autonomia e vocacionado para a sua divulgação e apoio, para voltar a ser dependente de instituições e de pessoas sem qualquer sensibilidade e conhecimento fotográfico. O impacto negativo na cultura que deixará de contar com mais uma instituição que devidamente dinamizada poderia ter um papel relevante na cidade e no país. Um impacto negativo na cidade, que poderá vir a perder mais uma das instituições relevantes que aqui foram criadas, permitindo assim a crescente assimetria de um país que assiste impávido e sereno à concentração do acesso à cultura na cidade de Lisboa. Como primeira iniciativa este movimento solicita a mobilização de todos os fotógrafos e de toda a gente que gosta de fotografia, para se concentrarem no CPF – Cadeia da Relação no dia 3 de Junho, sábado, às 15 horas, com as suas máquinas fotográficas, para simbolicamente fotografarmos todos o CPF por dentro e por fora. Se conseguirem extinguir o CPF haverá um registo, uma prova em negativo ou em digital, uma marca nos corações de todos nós, do crime cometido e da instituição destruída pelo MC. http://www.cpf.pt/ Durante a concentração discutiremos como continuar o protesto, nomeadamente utilizando o material fotográfico resultante da nossa acção. Não extinguirão o CPF com a nossa complacência. Pelo menos isso!

domingo, abril 30, 2006

Tom Hunter & Vermeer

Em Fevereiro, meia hora antes de nos expulsarem da National Gallery em Londres (sim, porque a delicadeza dos vigilantes acaba quando se trata de fechar o museu) tive oportunidade de ver muito rapidamente uma exposição de fotografia fantástica de um autor contemporâneo que eu não conhecia. Lembro-me que as suas imagens eram reinterpretações actuais de alguns quadros de Vermeer. Os personagens mantinham o mesmo anonimato e os rostos respiravam a mesma melancolia.
A preocupação e o interesse por cenas “simples” do quotidiano, tão acentuadamente estudadas e exploradas na arte contemporânea (especialmente na Fotografia), parecem ter nascido em Vermeer, onde, em vez de Madalenas, Cristos, navegadores ou políticos, desfilam mulheres e raparigas, por vezes alguns senhores, tudo gente anónima, em cenas aparentemente corriqueiras da vida quotidiana como verter água dum jarro ou ler uma carta em frente à janela. O modelo de Vermeer é sempre colectivo, é ele próprio e todos aqueles que se vêem representados na mesma cena. Em Vermeer a pintura só termina a partir do momento em que há um par de olhos a observá-la.
Tom Hunter, assim se chamava o artista exposto na National Gallery, parece ter encarnado o espírito de Vermeer, criando composições formais idênticas às do pintor holandês, transpondo-as para o nosso tempo. As suas imagens adquirem o mesmo grau de representatividade e os seus modelos são, eles próprios, um colectivo também.
Tudo isto porque na altura tive muita vontade de partilhar estas fotografias aqui no blogue, o problema foi que perdi o papel onde tinha apontado o nome do autor e a coisa acabou por cair no esquecimento. Ontem, porém, enquanto procurava na net alguns quadros de pintores flamengos, acabei por dar de caras com o dito senhor. Achei que ainda vinha a tempo de referenciá-lo aqui… a sua obra é digna de ser vista. Tom Hunter é representado pela galeria White Cube, a mesma que representa Nan Goldin e Gilbert & George. Se por acaso derem um saltinho a Londres, vale a pena a visita.



à esquerda: Tom Hunter, Woman reading a Possession Order, 1997.
à direita: Johannes Vermeer, A Girl Reading a Letter by an Open Window, 1647-9.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

keep your distance (ponto final)


"Keep your distance" »» Nadav Kander
Os temas explorados na fotografia pelo israelita Nadav Kander parecem não ter fim. O artista/fotógrafo cobre um espectro tão vasto da actividade fotográfica (desde a moda e espectáculo, passando pela publicidade, até ao trabalho artístico mais introspectivo, no qual combina a fotografia com outras formas de expressão plástica), que muitas vezes torna-se difícil encontrar um fio condutor capaz de unir imagens cujas géneses são, à partida, completamente distintas.
Apesar da amplitude e versatilidade do trabalho de Kander, há uma característica transversal a toda a sua obra que me delicia particularmente – a procura de uma beleza “crua”, se assim lhe posso chamar, austera, desadornada, muitas vezes violenta e cruel, mas sempre bela, proporcionada e irreversivelmente real.
Quando olhamos as suas imagens, a primeira sensação é quase sempre de desconforto, apesar das composições extremamente cuidadas e equilibradas, de contornos quase clássicos. Talvez o impacto violento do primeiro olhar seja produto da forma como Kander trabalha a luz e a cor. O fotógrafo não hesita em flashar violentamente os seus modelos roubando-lhes a pigmentação da pele, e, como se isso não fosse suficiente para gelar o observador, prostra-os ainda contra muros brancos ou azuis, intensamente luminosos, de texturas toscas e ásperas.
Todo o trabalho de retrato, assim como a série de nu feminino realizada em 1998 com prostitutas da América latina, revelam essa necessidade de choque inicial, obrigando o observador a um processo de recuo perante a imagem e a uma reinterpretação posterior, imparcial ao choque do primeiro olhar. Kander primeiro provoca e só liberta a alma das suas “presas”, dos sujeitos fotografados, após uma decisão consciente e deliberada dos observadores, quando estes decidem continuar a descobrir o que está para lá de todo o quadro glacial. Andy Brumer sugere isso mesmo no texto de apresentação da exposição do fotógrafo na Fahey/Klein Gallery em Maio de 2001 e explica-o desta forma, for example, his pictures of seductively naked young Latina women, suggestive of prostitutes in what looks like downtrodden hotel rooms. seem at first straightforward enough. However, after viewing them for some time, the strength of these women's characters and the purity of their souls leap off of each print, turning their staged seductive stares into liminal indictments all their own.
A mais recente reunião de trabalhos do artista/fotógrafo, “Keep your distance” parece dar continuidade ao processo. Nesta série, Kander reúne um conjunto de imagens de paisagem, quase sempre ambientes urbanos (ou suburbanos), espaços transitórios e de passagem como supermercados, bombas de abastecimento, estradas, viadutos, etc… os chamados “não-lugares” segundo o sociólogo Marc Augé. Ao olharmos estas imagens sentimos a mesma estranheza de quando nos mostram pela primeira vez fotografias da superfície da Lua ou de Marte, tiradas por uma qualquer sonda da NASA. São territórios estéreis, desertos, sem vida… lugares perdidos, onde a presença humana pode tornar-se um elemento perturbador, onde o corpo pode mesmo tornar-se num objecto tão estranho, capaz de remeter o observador para um mundo virtual, quase surreal, como se de um videojogo se tratasse. Uma das imagens publicadas no blogue mostra um homem encostado a um poste de electricidade imerso no nevoeiro do nascer do dia. Para mim, a figura humana é tão desconcertante nessa fotografia, tão irreal. Esse homem não pertence a esse lugar, nenhum homem pertence a esse lugar, a simples presença humana desequilibra toda a imagem, torna-a falsa, incredível. “Keep your distance” não parece ser um título escolhido ao acaso, ele funciona como um aviso, um sinal de alerta ao observador, prevenindo-o e relembrando-lhe que a sua presença nesses espaços é tão estranha como caminhar num dos desfiladeiros de Marte. A reflexão de Kander sobre a forma como vamos construindo o território provoca-nos, afasta-nos, cria-nos o pânico do primeiro instante, tal como as imagens das prostitutas latino-americanas. Ao olharmos estas fotografias não deixamos de sentir uma poética qualquer, mesmo que áspera e aguda. As paisagens retratadas são fortes e independentes, possuem na sua essência uma poética que as alimenta… muitas delas, pode-se mesmo dizer, são belas, extraordinariamente belas, mas definitivamente não incluem “a vida” dentro delas.
Para estas paisagens urbanas, a presença de vida, é tão e simplesmente, o início do seu ciclo de morte. Os lugares, ou “não-lugares”, fotografados por Kander parecem não incluir a vida dentro deles. Um corpo imerso na manhã de nevoeiro não é mais do que um ruído na imagem, um traço agressivo sobre o negativo. Estas fotografias parecem confirmar-nos de que sabemos construir a beleza, mas que o belo, é, muitas vezes, inabitável. Não deixam de ser, no entanto, um contributo pertinente para a forma como usamos, construímos e interpretamos o espaço.