sábado, 25 de junho de 2011
sexta-feira, 17 de junho de 2011
A cultura pós-guerra na terra do sol
Yuno Silva
repórter
Há um clima de nostalgia no ar. Mais que isso, há todo um sentimento que circula sobre a província para se remontar a memória de uma Natal cosmopolita. Capítulo importante dessa história é a saudosa Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos, que ganha destaque nas páginas do livro "Nos bons tempos da SCBEU - viagem nas memórias dos anos dourados de Natal", do professor Juarez Chagas. O lançamento do título, que sai pela Sebo Vermelho Edições com 600 páginas e cerca de 900 fotografias, será amanhã (sexta, 17) às 18h, no Iate Clube de Natal, embalado pela banda Anos 60.
DivulgaçãoA SCBEU tomavatodo o quarteirão entre a Getúlio Vargas e rua Cel. Joaquim Manoel, no bairro PetrópolisA SCBEU tomavatodo o quarteirão entre a Getúlio Vargas e rua Cel. Joaquim Manoel, no bairro Petrópolis
A publicação custará R$ 50 na ocasião, com direito a autógrafo do autor - depois poderá ser encontrado nas principais livrarias da cidade por R$ 70.
"A Scbeu, criada em 1957, tinha status de academia e sua trajetória se confundiu com a história da própria sociedade natalense na época. Foi lá que funcionou o primeiro cinema driving e a primeira biblioteca da cidade, criada por Zila Mamede em 1958. Sem falar dos intelectuais que participaram da fundação da escola, um ano antes de também fundarem a Universidade Federal", relembra Chagas, exaltando a importância da primeira escola de inglês da capital potiguar. "Gente da alta sociedade, artistas, intelectuais... três gerações estudaram na Scbeu", aponta o escritor, responsável pela edição mais volumosa já publicada pela Coleção João Nicodemos de Lima (326 títulos) do Sebo Vermelho.
Vale registrar que Zila viria a criar a biblioteca estadual Câmara Cascudo em 1969 e a Central da UFRN em 1974. A poeta e bibliotecária, ao lado de outras 42 personalidades do quilate do médico Onofre Lopes; do jurista Edgar Barbosa; do ex-governador Tarcísio Maia; do advogado Dalton Melo; Dom Nivaldo Monte; Humberto Nezi; Otto de Brito Guerra; Protásio de Melo, entre outros nomes não menos importantes no contexto histórico e social da cidade, participou da fundação da escola - que funcionou em um casarão com vista para o mar, no alto da Av. Getúlio Vargas, Petrópolis, próximo ao Hospital Universitário Onofre Lopes, em um terreno que ia até a Rua Cel. Joaquim Manoel (onde hoje funciona o edifício Harmony Medical Center). A escola ocupava um quarteirão inteiro.
A Guerra Fria e o rock and roll
Aluno, professor e derradeiro diretor da Scbeu, que funcionou entre 1957 e 1983, Juarez Chagas chegou a iniciar o livro logo após o encerramento das atividades da escola, mas percebeu "que se escrevesse a história completa seria um livro policial", conta Desistiu por um tempo. Mudou o foco, e só retomou o projeto em 2005: "Preferi ressaltar o lado bom dos tempos da Scbeu", pondera. O livro traz um rico acervo de documentos e fotografias que o autor conseguiu evitar que fossem parar no lixo - o autor tem todos os originais e contou com muitos colaboradores.
Chagas faz referências históricas e culturais para contextualizar o período retratado com o que andava rolando pelo resto do mundo, e lembra que as primeiras bandas de garagem conheceram o rock'n roll através do acervo de LPs e compactos da biblioteca. O pioneirismo da Scbeu também se reflete na realização das primeiras matinês e festas americanas da cidade. "O primeiro Halloween só foi promovido em 1963 devido a resistência das pessoas em comemorar um dia dedicado às bruxas", diverte-se.
A partir do livro de Juarez, pode-se entender como Natal continuou sendo 'bombardeada' pela cultura yankee mesmo depois da Segunda Guerra Mundial: "A Scbeu foi a primeira instituição binacional da cidade (Brasil-EUA), era um pedaço da América do Norte aqui e tudo o que acontecia lá fora chegava à cidade através da escola", garante o autor. "Era uma maneira dos Estados Unidos marcarem presença durante a Guerra Fria com os soviéticos", acrescentou.
Entre a turma roqueira presente "Nos bons tempos da Scbeu..." destaque para o cantor e compositor Leno; Reinaldo Azevedo, da banda Anos 60; os irmão Lima (Fon, Eustáquio e Lóla) d'Os Vândalos; e o jornalista Petit das Virgens, visto em retratos empunhando seu violão. O livro de 63 capítulos também traz 200 depoimentos de ex-alunos, professores e diretores da instituição. "Não tenho dúvidas que se trata de um registro histórico importante para se compreender as transformações e o momento atual da cidade", disse Juarez, com um ar de saudade no olhar.
O outro lado da história
A trajetória da Scbeu também guarda um lado obscuro, mal explicado, sobre a venda do enorme terreno onde funcionou a escola. Situado em área nobre, de localização privilegiada, a propriedade foi alvo da cobiça imobiliária a partir do momento que o governo norte-americano resolveu se desfazer do imóvel.
Segundo o jornalista Petit das Virgens, um dos personagens retratados no livro "Nos bons tempos da Scbeu..." de Juarez Chagas, na época do Governo (Jimmy) Carter, presidente dos EUA entre 1977-81, a política norte-americana entrou em choque com o modus operandi do presidente-general Ernesto Geisel (1974-79). "Estávamos em plena Ditadura Militar e, por conta de questões ligadas aos Direitos Humanos, os Estados Unidos resolveram se desfazer de todas as propriedades no Brasil - o terreno da Scbeu estava no meio dessa história, e o então diretor da escola na época teve a prioridade para comprar ou vender o terreno", lembra Petit.
"Ele (o então diretor) ofereceu a área para um conhecido construtor e político da cidade, que tentou comprar a área direto com a Embaixada Norte-Americana no Recife. Para garantir a prioridade de venda, o então diretor teve que acionar a justiça. Ganhou o processo e no fim das contas vendeu o terreno por um valor bem abaixo do praticado no mercado", disse o jornalista. "O comprador até se comprometeu a construir uma escola em parte da área, como forma de compensar o ótimo negócio, mas ficou só na intenção mesmo. Ex-diretores chegaram, inclusive, a cogitar a abertura de uma auditoria, mas perceberam que as investigações poderiam envolvê-los também.
"Perdemos um importante patrimônio arquitetônico, cultural e educacional em nome da especulação. A Scbeu era um paraíso, verdadeiro filé do ponto de vista imobiliário", garante Petit das Virgens, que chegou a escrever uma matéria na época (dando todos os nomes aos bois) sobre o episódio da venda do terreno, mas lamenta nunca ter sido publicada.
Depoimentos
"Era bom sair pelo portão de trás, descendo a colina através de seu enorme e bem cuidado gramado. Tão grande que, hoje, vários condomínios poluem a paisagem por lá."
Leno, cantor e compositor, aluno do Scbeu entre 1963 e 64.
"Era um dos mais importantes points da cidade na época. Nunca deveria ter se acabado. Este livro será um louvável resgate à sua memória e importante para a história da cidade."
Carlos Eduardo Alves, ex-prefeito, advogado, aluno entre 1973 e 75.
"A minha lembrança mais remota de entrar naquele enorme território, é de quando a meninada da redondeza, com baladeiras e zarabatanas, ia lá para caçar lagartixas e calangos (…) Lembro também daquela biblioteca que abrigava discos de música norte-americana." Luiz Lima (Lóla), instrumentista e compositor, aluno entre 1962 e 73.
"Foi a melhor escola de língua inglesa que tinha em Natal. Merecia todo o apoio da comunidade." Pery Lamartine, escritor e ex-vice-presidente da Scbeu.
Fonte: Tribuna do Norte / Caderno Viver
Serviço: Lançamento dia 17 de junho no Iate Clube do Natal
terça-feira, 14 de junho de 2011
Iaponí Araújo na capa do ctálogo de arte Naif da Christie´s.
A Christie´s, conceituada casa de leilões inglesa, convidou a Galeria Jacques Ardies, de São Paulo, a enviar quatro obras naif de sua coleção para o leilão de arte moderna e impressionista que será realizado no próximo dia 24 deste mês. O encanto dos organizadores com as obras brasileiras foi tanto que a tela João Cambadinho no Reino de Deus, do pintor potiguar Iaponi Araújo, é a capa do catálogo do leilão.
As outras telas que serão leiloadas são Parque Birigüi, de Constância Nery, Algodão, de José Antônio da Silva, e Rio de Janeiro, de Lia Mittarakis.
http://colunistas.ig.com.br/vivimascaro/
O Início do Fim
domingo, 12 de junho de 2011
Encontros e Desencontros
Nestas Fotografias encontros inusitados entre Frida Kalo e Josephine Baker, Marlon Brando e Paul Newman, William S. Burroughs and Kurt Cobain,David Bowie, Iggy Pop and Lou Reed,Steve Jobs e Bill gates, Andy Warhol and Alfred Hitchcock e muitos outros encontros e desencontros da história.
confira mais no site:
http://awesomepeoplehangingouttogether.tumblr.com/
Joicircunvoluções Natalenses - Por João da Mata Costa
O Bloomsday faz bodas de prata com upgrade e muitas novidades. Um
projeto do professor Chico Ivan desaguou no Potengi – Liffey. Natal teve
suas vanguardas com a palestra Natal daqui a cinquenta anos do Manoel
Dantas e o poema - processo. Nostros em qquer lugarmediterranicos. Natal
também tem suas graças …. um certo charme na sua decadência. Uma cidade
que sofre com as atuais administrações e com as oligarquias. Nada era
perdido para Joyce e são dos restos que fazemos a sopa de osso ou de
pedra ( mon ami ). Outros disseram de uma terra desolada. O que Joyce
escreveu sobre a Irlanda eu poderia transportar para Natal. Mas, eu não
sou Leopold Bloom e mesmo assim comemoro o bloomsday. A Irlanda também é
bebum e ruidosa. “Terra de uma raça esquecida por Deus e oprimida pelos
padres … a raça mais atrasada da Europa”. Eu também poderia dizer isso
de Natal, mas eu não sou Joyce. Prefiro andar por suas vielas e bares.
Freqüentar o bar de Zé Reeira e tomar uma cerveja com Zizinho, Ronnie
Von e Celina. Adentrar na garçonieri de Abimael e conversar sobre o
próximo lançamento. Lembrar das cervejas tomadas em Maria com todos os
boêmios feitos porcos por Circe.
O Ulisses de James Joyce – o “blue book das eclésias”- é um livro sobre
o amor. Leopold Bloom, o protagonista do romance que revolucionou a
literatura universal, passa o dia perambulando por uma Irlanda (terra da
ira) decadente, e tem consciência da traição de Molly Bloom. São
dezesseis horas e o relógio de cuco toca … e nessa hora vesperal Molly
recebe o amante em casa. “Eles são loucos para entrar de onde eles
saíram”, diz Molly. Oito de setembro é o aniversário de sua amada e 16
de junho foi quando Joyce se apaixonou perdidamente por ela. As datas
são muito importantes para o aquariano Joyce nascido no dia 02 de
fevereiro. O tema do ciúme também está presente na sua única peça
“Exílio” e no último conto de Dublinenses “The Dead” . Um dos maiores
contos do século XX foi levado às telas por John Huston com o título “Os
Vivos e os Mortos” (EUA 1987). No Ulisses, Joyce fala muito através dos
sons. O leitor sente prazer e dor ao ouvir o som da trombeta, o suspiros
das folhas, o ruído do mar e o som da água escoando no ralo da pia em
espiral. A polissemia das palavras valise, da palavra montagem, da
palavra ideograma encadeando novos sentidos. Joyce é um alquimista da
palavra e a linguagem é o personagem principal desse imenso cipoal cheio
de ruídos e labirintos que é esse enciclopédico romance Ulisses.
“ Deus é um barulho na rua”. “Todos esses ruídos convergiram numa única
sensação vital para mim: imaginava conduzir meu cálice incólume, através
de uma multidão de inimigos”. Durante o dia 16 de junho Bloom chega a um
estado mental que é mais abnegação do que ciúme. Joyce evoluiu no
tratamento desse tema desde suas primeiras criações literárias. É com
uma grande pulsão verbal com que Joyce fala do amor numa feerie carnal
pulsipulso. “Ele beijou os fornudos ricudos amareludos cheirudos melões
do seu rabo, em cada fornido melonoso hemisfério, na sua riquêga
amarelêga rêga, com obscura prolongada provocante melonicheirosa
osculação”. Ao fim do episódio de Nausícaa (cap.13), o “relógio de cuco”
informa a Bloom que ele é agora um corno. Cuco, cuco, cuco… cukoo-cloc;
relógio de cuco e cuckold- corno. No final, Ulisses “retorna” para casa
(Ítaca) e encontra Penélope (cama). A mulhervaginabismo onde o homem se
perde e jamais retorna. O romance encerra com um pungente monólogo de
Molly Bloom. “yes, I said yes I will Yes oui jái dit oui je veux bien.
SIM EU QUERO SIMS.
Vagueando por Natal tenho o meu Johnsday. No restaurante da universidade
converso sobre Flaubert. Um grande escritor admirado por Joyce. Alguém
que buscou a impessoalidade na sua literatura. Em Joyce, impossível
separar a vida do opus. No cemitério do Alecrim entro no reino de Hades
e rezo um cantochão na igreja do Galo. Lanço as cartas do Tarot e tiro a
carta 15. Blake e “A Canção dos Loureiros” do Édouard Dujardin. Sigo o
fluxo de consciência. Caminho por suas ruas e vielas esburacadas très
bian aussi. Lembro da escola de pé no chão nas Rocas e da fábrica de
pregos das Quintas onde fui menino. Depois olhar o Potengi e namorar na
pedra do Rosário. Em Ponta Negra bato uma brahma. Na Padre Pinto, saindo
do bar do coelho, olho o rio que parece o Liffey. Molly Bllom nessa hora
deve estar me traindo. Capitu also e Otelo coitado. São quatro horas e
nessa hora alguém está sendo chifrado. Tudo que é proibido é bom. Clô
telefona para falar de Shakespeare e de Hamlet, a Monalisa da literatura
: Words, words, words….cama camisola ave Maria cheia de graxa. Lê em voz
muito alta o Finnegans Wake. Literatura de notívagos e bruxos. Fim again
Fim . Nunquam satis discitur. O eterno ciclo viquiano do movimento
circular divino. Só com compaixão, humor e lirismo vamos conseguir
sangrar os mares desse Potengi desmamado e poluído numa das esquinas do
mundo onde meu amigo “foi feliz e se deu bem”. Parafraseando Stephen
Dedalus no Retrato do Artista quando Jovem, de James Joyce, referindo-se
á Irlanda, eu diria de Natal (eu que já sou meã ): “ Natal é uma porca
velha que devora suas crias”.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Um sebo de resistência em Natal - Revista do Brasil
O local não é o que se pode chamar de ponto turístico. Uma pequena porta de correr pintada de vermelho, com a tinta já descascada, um amontoado de livros entre poeira, móveis e pilhas de papel. Mas se engana quem não vê nesse estabelecimento, no centro histórico de Natal, uma das maiores referências para conhecer a cultura potiguar e adentrar o Rio Grande do Norte de norte a sul, praia e sertão, erudito e popular.
Criado em 1985, o Sebo Vermelho tornou-se muito mais que um sebo a partir de 1990, quando seu proprietário, o ex-bancário Abimael Silva, resolveu publicar o livro de um amigo sobre a história do cinema em Natal. E foi assim, com Écran Natalense, de Anchieta Fernandes, que Abimael começou sua saga editorial, que já chega à marca de mais de 300 livros lançados, dos mais variados temas, mas todos voltados para a cultura potiguar.
“Anchieta não encontrava espaço para publicar esse brilhante ensaio, sempre com negativas das editoras daqui. Decidi procurar Varela Cavalcanti, então presidente do Sindicato dos Bancários, que sabia da importância da obra. Comprei todo o material e ele topou fazer a impressão. Imprimimos 300 exemplares e, felizmente, conseguimos vender todos”, conta Abimael, que a partir daí passou a lançar outros títulos por conta própria.
Livreiro por natureza
Abimael dono do sebo (Foto: João Correia Filho)Antes disso, trabalhara quatro anos no setor de conta corrente de um banco. “Ficava o dia inteiro somando cheques, mas sempre pensando que queria trabalhar numa livraria. Na primeira oportunidade, saí do banco e resolvi começar meu próprio sebo”, diz Abimael. Na época, sua biblioteca particular tinha mais de 700 livros, e 600 foram colocados à venda. “Lamento a perda de alguns poucos que nunca mais encontrei em 26 anos de sebo, como Cartas a Nora, de James Joyce, e alguns do Graciliano Ramos.”
As publicações do Sebo Vermelho, depois de quase três décadas de existência, apresentam um completo panorama da cultura do estado, além de importantes resgates de livros. É o caso de Antologia Poética do Rio Grande do Norte, publicado originalmente em 1922 e reeditado pelo selo em 1993. Os Americanos em Natal, do historiador Lenine Pinto, é outro destaque. Retrata a cidade durante a Segunda Guerra Mundial, quando se tornou uma base dos Estados Unidos e sofreu forte influência da cultura americana. Outra pérola, O Carteiro de Cascudinho, foi escrita por José Helmut Cândido, o carteiro de Câmara Cascudo durante anos, que conta suas experiências servindo um dos maiores intelectuais do Nordeste.
As tiragens do Sebo Vermelho costumam ser pequenas, no máximo 500 exemplares, e com distribuição extremamente complicada, já que é difícil entrar no esquema das grandes livrarias, que dominam o mercado. “Até o livro número 34, ainda tinha esperança de que isso pudesse render algum dinheiro, mas hoje, para mim, o que importa é apenas que as edições se paguem, pois o objetivo de um livro é fazer outro, e assim por diante”, resume o editor. Ele lembra que um dos livros que mais venderam foi História do Rio Grande do Norte, do pesquisador Ezequiel Vanderlei, publicado originalmente em 1992. Foram 500 exemplares em seis meses.
É dessa forma que são lançados cerca de 30 títulos por ano, e o editor pretende alcançar a marca de 500 livros editados até 2012. “O mérito é todo do Rio Grande do Norte, que tem tudo isso para ser dito”, argumenta Abimael, que garimpa preciosidades em viagens pelo interior e em conversas com amigos. A triagem é feita pelo valor histórico e editorial, que conta com a sensibilidade de quem conhece seu estado e vive envolto por livros e intelectuais de peso. “Também aparecem várias porcarias, como uma senhora que queria pagar a publicação do livro do neto, de 5 anos, edição bilíngue, pelo selo. Obviamente, não aceitei.”
Vermelho?
Embora o caráter político-literário do trabalho de Abimael esteja claro, o nome de seu sebo nada tem a ver com posições ideológicas. Ao alugar um quiosque para montar sua banca, ele notou que todos eram azuis ou pretos. Para destacá-lo, pintou tudo de vermelho. “Até o dia em que chegou alguém e perguntou: ‘Aqui é o sebo vermelho?’ E o nome acabou ficando. Mas minha mãe achou horrível, achava que tinha de se chamar Sebo São José”, brinca Abimael. Hoje, o sebo não está mais instalado em um quiosque de rua, mas na Avenida Rio Branco, bem no centro da cidade. E mantém a cor como chamariz.
Ano após ano, a luta do sebista-editor foi se tornando também uma bandeira política e social, à medida em que virava um verdadeiro guardião da cultura do estado. Além de ser hoje o maior editor potiguar (talvez do Nordeste, pelo número de títulos), tem acumulado uma série de resgates cuja importância é negligenciada pelo poder público e pelas editoras privadas. “Só querem saber do que vende em grandes tiragens. É nisso que investem ainda mais. Quando houve o lançamento do livro do Padre Marcelo aqui em Natal, venderam 5.000 exemplares num único dia, graças a um aparato gigante de marketing”, alfineta o sebista. “Aqui, nunca a prefeitura comprou ou indicou um único livro meu que fale do Rio Grande do Norte. Já tentei, já mandei ofício, mas esse povo fica esperando que a gente puxe o saco.”
Sem uma empresa distribuidora, os títulos do Sebo Vermelho são vendidos, em sua grande maioria, no dia do lançamento e no boca a boca, ou em algumas livrarias de Natal, nas quais Abimael leva pessoalmente cada exemplar. “Quanto maior a livraria, maior o obstáculo”, reclama. No sebo, os livros editados por ele são os que têm maior destaque, expostos nas paredes da entrada, com um pouco mais de organização que os demais. Segundo ele, um dos raros momentos de destaque do Sebo Vermelho ocorreu quando foi entrevistado pelo apresentador Jô Soares. Na ocasião, havia alcançado 100 livros editados e os poucos momentos televisivos renderam visibilidade, embora isso não tenha mudado substancialmente a venda de seus livros. “Foi bom pra chamar a atenção, por exemplo, para o sertão do Rio Grande do Norte, que quase sempre é deixado de lado”, diz Abimael.
Quando sobra tempo ou dinheiro, Abimael viaja para as duas capitais próximas de Natal, Recife (a 285 quilômetros) e João Pessoa (a 190 quilômetros), sempre com o carro lotado de exemplares, que vai entregando de livraria em livraria, numa verdadeira romaria literária. Já no interior do Rio Grande do Norte, além da pesquisa de novos títulos, realiza eventualmente lançamentos de obras que falem do sertão ou de autores locais. É o caso de O Ataque de Lampião a Mossoró, história em quadrinhos escrita por Emanoel Amaral e Alcides Sales.
Para este ano, um dos destaques entre os lançamentos é a reedição de Indícios de uma Civilização Antiquíssima, de José de Azevedo Dantas. Autodidata e pioneiro da antropologia brasileira, escreveu em 1925 um verdadeiro tratado sobre as pinturas rupestres do sertão potiguar, mais especificamente sobre a região do Seridó, no sul do estado, já na divisa com a Paraíba.
Seridó (Foto: João Correia Filho)
Para quem quer conhecer o Rio Grande do Norte além dos livros, é bom lembrar que se trata de uma região riquíssima, com belas paisagens, cidades históricas e muitas pinturas rupestres, a maioria datada de 10 mil anos. Somente Carnaúba dos Dantas, a 200 quilômetros da capital, onde viveu José Dantas, possui mais de 60 sítios arqueológicos para serem visitados.
Outra predileção de Abimael são os livros de história e de fotografias. Entre os mais importantes lançados por ele estão Uma Câmara Vê Cascudo, com imagens raras do escritor, feitas no final dos anos 1970; e Natal Através dos Tempos, que retrata a cidade desde os anos 1940, ambos do fotógrafo potiguar Carlos Lyra, falecido em 2006.
Além de um lugar para comprar livros sobre o Rio Grande do Norte, o Sebo Vermelho também se tornou, em seus 26 anos, um importante reduto de intelectuais, a maioria em busca de boa literatura ou boas conversas, que acontecem ali quase todos os dias.
No fundo da loja há uma pequena mesa de sinuca e uma geladeira, aos sábados repleta de cervejas. O ponto de encontro virou tradição entre os amigos que frequentam o sebo. Não faltam uma boa cachaça e a carne de sol, “a melhor de Natal, que eu mesmo escolho”, faz questão de dizer Abimael. Nesses churrascos, o papo rende e surgem ideias para novos livros, além do incentivo dos amigos para que Abimael continue na dura batalha a favor da cultura do Rio Grande do Norte, um estado que, se você quiser conhecer a fundo, não pode deixar de incluir o Sebo Vermelho em seu próximo roteiro.
Por: João Correia Filho
Publicado em 16/05/2011
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/59/um-sebo-de-resistencia/view
A análise perfeita sobre artes e artistas com muito humor, mas verdadeiro.
Galeria Tosquista - Revelando segredos (comentários funcionando!)
Então você quer ser um marchand. Quer trabalhar em uma galeria de arte, receber artistas querendo vender incríveis pinturas, mas não sabe bem como julgar uma obra tosca. Encontrar o horrível, o verdadeiramente e cru da arte tosquista não é fácil. Aqui darei algumas dicas para que você consiga, em uma simples olhadela, dizer se é o que está pendurado na parede é um quadro digno do movimento tosquista ou uma simples (e sem graça) arte naïf ou moderna.
Lição 1 – Manetas
Uma das coisas mais difíceis de desenhar são mãos. Pergunte a qualquer desenhista ou aspirante a artista: mãos são coisas complexas, cheias de dedos e centenas de movimentos diferentes. Mãos expressam muitas coisas, porém artistas do movimento tosquista encontram sempre um jeito de escondê-las para não ter que se dar ao trabalho de desenhá-las. Ou até as desenham, parecendo uma bola de massa de pão.
Observe as mãos dos querubins. Esses pequenos anjinho alados têm bolas de ping-pong no lugar das mãos. O anjo do meio está depressivo porque queria pegar o ramalhete, mas a falta dedos o faz acariciar as folhas com suas manetas cotocas. O querubim do topo está mostrando para os colegas “Ei galera, eu grudei o ramalhete com durex aqui ó, funcionou!”. O querubim enrolado na toalha ( que também não tem pés) está fazendo um gesto obsceno para seu amiguinho. Okay, ele estaria, se tivesse o dedo do meio. Ou qualquer outro dedo.
Lição 2 – Cabelos no rosto
Okay, o sujeito não sabe desenhar mãos e também não sabe desenhar rostos. A única coisa que guia seu pincel (oi trocadilho) são peitos e bundas. Um clássico nas obras tosquista são mulheres com cabelos cobrindo o rosto, sem mãos e pés, mas com peitos enormes, mamilos salientes e bundas desenhadas com compasso. Mulheres sem rosto. Raimundas, Mulher-Camarão, “Cobre essa cara com Travesseiro” etc, etc. Com tufos de cabelo no lugar da cabeça.
Imagino o artista recebendo a modelo em casa: “Isso, fica parada nessa posição. Certo. Mostra os peitos. Arrã. Eu vou colocar essa peruca na sua cara tá bem? É isso mesmo, na sua cara. É uma obra conceitual querida. Você é linda, sério. De verdade. Opa, seu olho tá aparecendo aqui, é pra cobrir o rosto INTEIRO, arruma a peruca. Não quero ver nem a ponta do seu nariz. Tá linda!”
Lição 3 – Fundo e aproveitamento da tela
Muitos artistas toscos não desenham paisagens de fundo na tela. O céu é sempre um azul chapado com nuvens que parecem panos de chão enrolados - a floresta se assemelha a um pequeno montinho de vômito verde e a grama, um tapetão sujo, as pedras, algo que saiu do traseiro de algum animal. E também há “eu não tenho noção de espaço”, ou seja, o artista não sabe medir o tamanho da tela e o objeto pintado se perde em um monte de elementos colocados aleatoriamente, sem harmonia alguma. Essa é a parte mais complexa de se julgar um quadro tosco e exige um olho técnico para se chegar à simples conclusão de: “que p*** é essa?”.
Assim:
Marilda se viu perdida enquanto boiava em pedaços de bife de alcatra em um rio de Curaçao Blue.
Agora você já sabe um pouco mais sobre como analisar obras tosquistas. É um universo vasto e muito rico de material para estudo. Bota vasto nisso. Tem obra tosquista até na parede do meu quarto.
Quero mandar um grande beijo a todos os leitores e desejar um ótimo 2011. Obrigada por acompanhar o Shoe-me, de verdade. O ritmo está um pouco lento aqui nesses dias de festa, mas logo fica normal, prometo.
Extraido do Blog. Shoe-me / uol
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Eppur, si muove - Sírio Possenti De Campinas (SP)
Eppur...
Freud disse que o homem sofreu três feridas em seu narcisismo: a descoberta de que a Terra (portanto, o homem) não está no centro do Universo, a teoria da evolução das espécies (não fomos criados diretamente por Deus) e a descoberta do inconsciente (fatores que não conhecemos nos "determinam").
Talvez se possa dizer que a antropologia e a linguística produziram outra ferida em nosso narcisismo. Descobriu-se que não é verdade que as sociedades que foram qualificadas de primitivas não tinham leis ou regras. Assim, não há "primitivos": eles não viviam nem vivem como bichos (não têm fé, nem lei, nem rei...). Também não é verdade que as línguas "deles" são simples. Eles não grunhem! Eles falam seguindo gramáticas complexas e outras complexas regras "contextuais". Só a total ignorância pode manter erros vulgares como estes (que, para muitos, continuam válidos não só para os primitivos, mas também para o povo).
Nas últimas semanas, ouviu-se troar a idéia de que estaremos perdidos porque se aceita "os livro" e "os menino pega" (não se sabe de onde tiraram o verbo "aceitar" para casos assim). Os que pensam que dizem "os livros" (a forma representa metonimicamente uma língua) acham que os outros não pensam (mas não citam fonte alguma sobre as relações língua/mente). Ora, tem sido constante a demonstração de que se pode pensar independentemente de línguas ou dialetos. A filosofia e a ciência elaboradas em diferentes línguas o demonstram há séculos. E as numerosas traduções o comprovam - apesar de algumas traições (que, às vezes, melhoram o original). Pensar não depende de pingar um "s" aqui e um "r" ali (o que se demonstra todos os dias).
O venerável Dines proferiu duas barbaridades em programa recente na TV: igualou escrever certo a escrever bem (citava Otto Lara Resende) e disse que Os livro põe em risco a compreensão. Tenho certeza de que Dinnes compreende os livro. Não estou "aceitando", estou dizendo que é uma forma com sentido e que um sujeito como ele certamente a compreende. Insisto: errou feio quando traduziu "escrever bem" por "escrever "certo". O angu nada tem a ver com as alças.
A peste que a lingüística "leva" (Freud afirmou que estava levando a peste aos EUA, quando foi lá fazer suas conferências) provoca engulhos nos que pertencem à nossa elite intelectual, porque falariam certo (mas não falam: eu ouço alguns deles todas as semanas, na TV; outros, esporadicamente; outros, conheço ao vivo).
Os que disseram que a Terra girava segundo leis diferentes das que constavam nas "gramáticas celestes" da época foram ameaçados com a fogueira pelos que tinham certeza de que sabiam como era o mundo. Também houve muitas perseguições a defensores das teorias evolucionistas. Os linguistas não correm riscos idênticos, claro (imagino!). Por enquanto, só estão sendo ameaçados com manuais bem leves e listas de erros (é "em domicílio"). Pelo menos por enquanto.
"Eles" pensam que a mudança da língua acabou. Que, finalmente, o português completou seu ciclo, ficou "certo". Até "etimologistas", que listam exatamente mudanças (que não explicam), acham que a língua parou de mudar agora. Estava esperando por eles! Eppur, si muove.
Esquerda?
A burrada das burradas foi a insinuação de o tal livro seria a defesa da fala "errada" de Lula. Ora, este tipo de estudo se faz há 200 anos, desde as gramáticas históricas, logo seguidas pelos estudos de dialetologia e pela escola variacionista. Muitos brasileiros escreveram sobre o tema bem antes dos atuais lingüistas (mas ninguém conhece a bibliografia!!).
Outros acharam que as posições "em favor" da variação linguística são de esquerda. Ora, não são! Se lessem Economia das trocas linguísticas, de Pierre Bourdieu, ou a Introdução à sociolinguística, de Marcellesi, por exemplo, veriam a diferença (mas eles não lêem!). Os "esquerdistas" chegam a detestar os estudos variacionistas. Consideram-nos funcionalistas, vale dizer, burgueses.
Por que defender esta abordagem, então? Porque ela permite que os estudos de língua cheguem pelo menos à era baconiana. (Francis Bacon é o nome do autor do Novum Organon, um filósofo dos XVI-XVII. Não é toucinho defumado).
Ciúme
Caetano escreveu que "esses linguistas têm grande ciúme do sucesso que fazem os professores de gramática que, oferecendo aquilo de que tem sede a grande massa, ocupam espaços em jornais e tempo no rádio e na TV".
Controvérsias costumam desandar. Quase sempre, quando falta um argumento, os contendores passam aos ataques pessoais. Em vez de contestar uma análise, começam a dizer "é conservador", "é esquerdista", "é invejoso", "é tucano".
As atividades fundamentais de Caetano Veloso têm muito a ver com sucesso de público, o que talvez explique sua hipótese. Mas nem todas as pessoas são people, nem todos os profissionais aparecem em jornais, em trios elétricos, na TV, nas revistas semanais, na Caras. Simplesmente não faz parte de seu trabalho. Nem de seu mundo. Os linguistas não são anjos, e certamente têm ambições. Mas preferem ser citados pelos pares a aparecer na TV. E, em geral, só falam do seu trabalho. Os que eu conheço não têm este tipo de ciúme. Talvez tivessem até vergonha, se aparecessem na TV dizendo aquilo. Como encarar os pares no dia seguinte? E os alunos?
Lembro de Caetano vaiado no Maracanãzinho, enfrentando a multidão. Gostei. Foi admirável.
Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.