as madrugadas de Lisboa são diferentes. As insónias tardias trazem o sol escondido entre edifícios que se ergue do asfalto num acordar irritado. Até os pássaros são outros_ o piar miudinho, o bater de asas nas persianas meio aflito, os voos fugidios e curtos entre o trânsito que amanhece com a cidade. Mal de mim que conheço outros pássaros...e outras madrugadas. Esta irritação das manhãs e a aflição dos bichos passam para as pessoas...De onde eu venho as manhãs são doces e demoradas, acordam lindas, espreguiçam-se em sóis poderosos e pássaros que cantam a sério, com tempo e a bom tom.
e é quando amanheces, Lisboa, que a gente te topa as manhas_pelas manhãs. No teu acordar brusco e enregelado vê-se bem_ és bonita, mas de uma outra beleza. Uma beleza mais árida, mais desafiante. Ainda assim, é difícil resistir-te aos encantos. Deve ser esta a diferença que dizem haver entre uma mulher bonita a sério e uma só bonita_ ficas bem sem maquilhagem. A gente topa-te a génese pelas manhãs_ quando o sol se te chapa pomposo no Tejo, quando a neblina da noite se levanta num véu e a gente te vê ainda mais esplendorosa que ontem. e depois enfeitas-te para enfeitiçar_ com a pompa e circunstância das gajas boas, num arraial deslumbrante aos olhos, em cheiros gritantes aos sentidos, em sons e em luzes...filha da mãe! Não chegaram sete anos para te conhecer, minha cabra! Foi quase preciso uma picareta para te descascar o balde de base com que te untas todos os dias! Quem te deu o nome sabia que eras mulher...daquelas com mau feitio.
E agora maquilho-me eu, minha querida. Não és a única aqui a manter uma postura. Eu não conto a ninguém que te vi descomposta...e se o fizer vou passar a mensagem_ és muito mais linda de manhã e de cara lavada...Tens muito para além do Lis. és boa, boa, boa.