Espectáculos provinciais
Os grandes espectáculos de Roma no Circo Máximo (ou de qualquer grande cidade como Antioquia) são sobejamente conhecidos. Mas a que teria acesso um habitante de uma pequena cidade como conimbriga ou Lutecia (moderna Paris) durante o império?
Partindo do princípio que tinha um anfiteatro (de madeira ou pedra), nos dias consagrados (não havia jogos todos os dias), poderia assistir de manhã a um combate entre gladiadores (que deveriam ser em princípio condenados à morte desarmados, mas podiam ser também profissionais armados) contra feras ou combate de animais contra animais, ou combate entre condenados à morte (se os houvesse em número suficiente). Os animais variavam conforme as facilidades de os arranjar, e os recursos dos patrocinadores que eram normalmente notáveis da cidade: tigres, leões, panteras, ou mais modestamente lobos e ursos.
Durante o meio do dia assistiria a execuções de condenados à morte (mesmo que não fossem da provincia, poderiam ser sempre trazidos de outras áreas).
À tarde vinha o grande espectáculo: combates de gladiadores profissionais. Existiam grupos itinerantes, que andavam de cidade em cidade (só as grandes cidades mantinham grupos permanentes de gladiadores), evitando-se os combates até à morte (nem os gladiadores nem os lanistas tinham interesse nisso), procurando-se fazer combates o mais espectacular possível e demonstrando técnica.
Muitas das cidades também tinham teatros onde eram representadas peças e ouvida música (dificilmente teriam um odeon exclusivamente para ouvir música).
Poucas cidades construíriam um circo especificamente para corridas de carros: se estas fossem organizadas (o que normalmente apenas acontecia nas maiore cidades), aproveitava-se um terreno livre.
Finalmente para o dia-a-dia existia sempre a possibilidade de ir ao forum e aos banhos públicos (onde se podia assistir por vezes a combates de pugilato, ler, jogar a dados ou outros jogos de sociedade, praticar desporto e claro tomar banho). Acabava por ser tudo muito semelhante a Roma, só que com menos variedade.
Q.F.M.
Roma Antiga
Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.
terça-feira, agosto 29, 2006
quinta-feira, agosto 24, 2006
A guerra dos Judeus-II
Josefo faz uma boa descrição das diferentes zonas de Israel (Judeia, Samaria, Galileia) e apresenta os grupos ideológicos mais importantes: os fariseus (a casta sacerdotal), os saduceus (um grupo sacerdotal rival mais aristocrático com pontos de vista religiosos diferentes), os essénios (uma espécie de seita que vivia num rigoroso ascetismo), os zelotas (grupo nacionalista hostil aos romanos) e os sicários (ultra-nacionalistas partidários do assassinato).
O procurador de origem oriental detesta os judeus, e para cúmulo as suas tropas são sírias (que também odeiam os judeus). Entre tributos extras, confiscos e repressão (com mortos), os judeus passam de um período de semi-insurreição, para a revolta aberta. Uma legião é derrotada, e Nero é obrigado a enviar Vespasiano com várias legiões e ainda unidades auxiliares. Embora Vespasiano seja apontado como um modelo de virtudes, a verdade é que ele estava retirado do activo há algum tempo. Depois de ter ordenado a execução de Córbulo o melhor e mais popular general de Roma, Nero não tinha muito por onde se virar e nomeou Vespasiano como comandante.
As cidades com populações maioritariamente “estrangeiras” acolhem bem os romanos; as com judeus resistem e tem de ser conquistadas. Sendo a maioria das povoações poucas fortificações, os romanos tomam-nas sem grande dificuldade, mas a grande área em causa (Galileia, Samaria, Judeia), obriga a uma certa dispersão dos efectivos e a tomar cada povoação. Ora se os judeus tinham nomeado chefes para as diferentes províncias, cada um desses chefes apenas tratava da sua zona, ignorando (ou por razões pessoais) ou sabotando mesmo os seus colegas. Josefo descreve pormenorizadamente a resistência de Iotapata (onde ele estava como chefe), e aí os romanos perdem um mês e meio (antes de vencer e provocar o massacre do costume); os romanos têm os meios e os números, os judeus tem o desespero e uma enorme inventividade que lhes permite opor-se às máquinas romanas. Depois é descrita a caricata rendição de Josefo e a sua relação com Vespasiano (nomeadamente a sua previsão de Vespasiano como imperador). Este deixa as suas tropas repousar e depois prepara-se para o assalto a Jerusalém, enquanto diversos legados vão tropas continuar a “pacificação” das várias províncias.
Entretanto vemos um conflito estalar em Jerusalém: os adeptos de uma reconciliação com Roma (sobretudo os notáveis e o clero) são rapidamente vencidos pelos partidários da luta contra Roma como os zelotas e sicários. Estes tomam a cidade separadamente e efectuam um massacre na cidade contra os adeptos da paz, enquanto se vão disputando o poder.
Entretanto em Roma, Nero suicida-se, Galba o é assassinado, Otão suicida-se, Vitélio é aclamado imperador mas sendo impopular e considerado incompetente, Vespasiano é aclamado por sua vez: vemos assim que este apesar da forte concentração de tropas só é considerado elegível depois da morte das figuras mais importantes do regime anterior (apesar de terem consideravelmente menos tropas). Vários generais favoráveis a Vespasiano de outras frentes vencem Vitélio e Vespasiano deixa a Judeia e limita-se a entrar em Roma (deixando ao cargo do seu filho Tito a missão de acabar a conquista de Jerusalém). Tito deixa uma parte das suas tropas a continuar a submeter o país e parte para Jerusalém. Ordena a construção de obras de cerco à cidade que sofrem as investidas dos judeus (que se tinham posto momentaneamente de acordo para a defesa).
Q.F.M.
quarta-feira, agosto 16, 2006
A guerra dos Judeus-I
Bem, ao ler a guerra dos judeus de Flávio Josefo, compreende-se muito melhor as constantes revoltas dos judeus sob o domínio romano.
A obra começa com a revolta dos macabeus (que aparece descrita no Antigo Testamento). Vemos lentamente os Asmoneus passarem de zelosos e austeros judeus (com uma liderança carismática) a uma monarquia em tudo semelhante às helenísticas: exércitos de mercenários com forte componente de falange, uma vasta corte cheia de intrigas e assassínios dentro da família. Até os nomes mudam: passam de Judas e Simão para Alexandre e Antígono em apenas um século. E surgem os romanos.
Intervindo a princípio a favor dos judeus contra os seleucidas, Roma tenta manter-se à parte dos conflitos internos. Mas no séc. I A.C. a coisa muda de figura: com os vários candidatos ao trono a apelar ao arbítrio, o senado não resiste. O pior é que o nível de corrupção que atingira Roma, atrapalhava-lhe a política: os generais enviados deixam-se corromper por todos os candidatos, cedendo o trono ao último licitante (depois de embolsar o dinheiro dos anteriores) e para cúmulo tratavam o país como se fosse terra conquistada deixando as tropas pilhar à vontade. Depois de algumas décadas de desgoverno, Antipatro (um estrangeiro, que se foi apoderando das rédeas do governo) e sobretudo o seu filho Herodes o grande (o que aparece na Bíblia como tendo ordenado a matança dos inocentes), instauram a ordem. O reinado de Herodes coincide com o de Augusto o que significa que a Judeia se torna um protectorado de Roma, embora mantendo a sua autonomia. Mas a morte de Herodes vai pôr tudo em causa: os sucessores não se entendem, os sucessivos imperadores vão dividir o território pelos vários descendentes e por prefeitos romanos. Os descendentes de Herodes controlavam com dificuldade os seus súbditos depois da pacificação forçada; os romanos não se iriam sair melhor, pois os judeus recordavam-se do seu triste papel no final da república. Vários prefeitos mais ou menos incompetentes sobre Cláudio e sobretudo Nero agravaram a hostilidade de uma população já de si hostil até à revolta.
Q.F.M.
segunda-feira, agosto 07, 2006
O fim do mundo clássico.
Peter Brown escreveu um livro que é fundamental para quem aprecia o baixo-império/alta idade média. Contrariando as teses de um império decadente à espera de ser conquistado, estudou as alterações que se deram nesse período.
Começando com o reinado de Marco Aurélio, vemos todas as dificuldades políticas que se dão (invasões bárbaras, guerras civis) na chamada crise do séc. III as reacções que provocaram, a busca de soluções materiais e espirituais (florescimento do neo-platonismo, de numerosas religiões, reformas económicas que levam ao abandono de um certo liberalismo do principado). Constantino apodera-se do poder, completa as reformas de Diocleciano terminando as transformações do principado para o que será em tudo o império bizantino. Enquanto a cultura laica vai estiolando (limitando-se a copiar as fórmulas do passado), a cultura religiosa desenvolve-se. A cultura helénica que sempre fora preponderante, eclipsa completamente a latina quanto ao prestígio.
O ocidente latino vai tornar-se mais inculto (perdendo o conhecimento do grego), enquanto o latim vai evoluindo lentamente nas línguas neo-latinas. O ocidente mantém-se maioritariamente pagão ou indiferente ao cristianismo; os éditos, encerramento dos templos pagãos e perseguições mudam a situação parcialmente, embora os exércitos e o senado se mantenham maioritariamente pagãos até princípios do séc. V
A separação política consuma a separação cultural. O império do ocidente desaparece e a elite romana servindo os reis bárbaros vai rapidamente ser absorvida e barbarizar-se. Só a Igreja mantém ainda restos da cultura latina. As disputas teológicas estão muito abaixo do que se passa no oriente: os problemas eram mais práticos. O empobrecimento do ocidente (que sempre estivera em desvantagem em relação ao oriente) e diminuição das cidades é gradual, acelerado pelas conquistas muçulmanas. Quando Carlos Magno é coroado imperador, o seu império de romano tem muito pouco.
No oriente o império romano sobrevive à pressão bárbara (que empurra para ocidente) e expande-se um pouco, mantendo uma forte cultura urbana, mas a sua pouca latinidade vai rapidamente desaparecer, tornando-se um império helénico cristão (mesmo que sempre se tivessem considerado romanos). O embate terrível é com os árabes que cortam ao império algumas das províncias mais importantes: norte de africa, Egipto, síria, vingando assim os persas (que conquistados pelos árabes, não tardaram a impor-lhes a sua cultura). Mas Bizâncio sobrevive, e terá mais tarde uma nova idade de ouro.
Q.F.M.
quinta-feira, agosto 03, 2006
Regresso
Voltei de férias. Fui à praia, li, vi filmes, e descansei.
Sobre Roma só li uma coisa: uma revista que continha toda a ordem de batalha do exército romano em 69/70, no período da guerra civil. A maior parte é uma mera enumeração de legiões, auxiliares e procuradores por províncias e descreve algumas batalhas. O mais fascinante para mim é a descrição do cerco de Jerusalém por Tito. Este experimentou todos os estratagemas possíveis e imaginários contra uma defesa a princípio caótica mas que aprendia rapidamente com os seus erros e sobretudo que sabia que nada tinha a perder. Foi uma campanha cruel, longa, em que ninguém dava nem recebia tréguas. O clímax dá-se na conquista do templo em que é efectuado (mais um) um terrível massacre. E fica-se a saber que a tradição ordenava que se a cidade se rendesse pacificamente, o saque era dos oficiais (era mais uma operação de cobrança extraordinária de impostos), se fosse conquistada pela espada, os soldados obtinham o saque (e mais os extras de uma conquista) e total liberdade de acção. Ora vemos que grupos de centuriões e legionários tentam no cerco por sua conta e risco várias operações de “comando” de assalto súbito, tentando escalar as muralhas de noite, ou outros truques assim (foi deste modo que conquistaram a cidade). Fiquei com curiosidade e vou começar a ler “A guerra dos Judeus”.
Q.F.M.