Roman Armies da Osprey
Vou falar por “atacado” de 5 livros sobre o exército romano da editora Osprey (coleção, Men-At-Arms).
O primeiro chama-se Early Roman Army. Trata como o título indica dos primeiros séculos do exército romanos, até às guerras pírricas. O autor utiliza 2 tipos de fontes, as escritas e as arqueológicas. O problema é que elas são todas muito problemáticas. Como não existem fontes romanas arqueológicas desse período, o autor socorre-se de achados dos vizinhos dos romanos (etruscos, samnitas, etc) para tentar mostrar como seria o equipamento romano. Pode funcionar, ou não. Para as escritas, a questão é ainda mais problemática: os historiadores romanos que se debruçaram sobre o assunto (Tito Lívio por exemplo), são muito posteriores, copiaram outras fontes mais antigas (que não sobreviveram) seleccionando o que lhes parecia mais conveniente. Tentaram criar uma história coerente a partir de numerosas lendas e histórias desconexas dando-lhes uma aparência de lógica e condensando tudo. Ora se o autor do livro tenta ser o mais honesto possível, a realidade é que ele próprio reconhece que tudo não passa de suposições. É um livro quase inútil por isso (e que não vale o seu alto preço)
O segundo volume chama-se “The Carthaginians Wars”. Deveria antes chamar-se a segunda guerra púnica, dado que mais de metade do livro dedica-se aos exércitos de ambos os beligerantes nesse conflito (podemos ver o exército de Aníbal em toda a sua diversidade com os seus líbios, iberos, celtas, númidas, etc e os romanos com a sua homogeneidade de equipamentos e treino apesar de mais de metade dos seus efectivos serem de aliados). Ainda temos direito a um breve resumo das campanhas, é portanto uma boa introdução ao tema (se bem que ler Políbio é melhor).
O 3º livro chama-se “The republican Roman armies 200-104 AC” (supostamente sucede ao primeiro volume sendo as guerras púnicas um interlúdio). Vemos aqui o exército republicano romano que venceu as monarquias helenísticas, com a explicação do que eram os hastati, princeps, triari, velites, a disciplina treino, etc. Mas o que é melhor no livro, é mesmo a explicação final das razões que levaram às vitórias de Roma: a sua vontade de vencer e o recrutamento ininterrupto de novos exércitos. Não importava que os cônsules fossem incompetentes e perdessem batalhas atrás de batalhas, que o senado podia sempre recrutar um novo exército e lançá-lo para a frente, dado a legitimidade que dispunha por ser uma república e ter verdadeiros acordos e alianças com os seus aliados que beneficiavam ambas as partes: um soberano helenístico que perdesse duas batalhas veria imediatamente o seu reino revoltar-se ou pelo menos os seus irmãos, irmãs, primos e eunucos a tentar assassiná-lo. Também o legionário tinha uma boa motivação: combatia por patriotismo, para enriquecer e fazer legalmente todas as coisas que não podia fazer em casa (matar, violar, ficar com os bens de outros). Com belas imagens, vemos o equipamento romano dos vários tipos de tropas.
O 4º volume chama-se “The roman army from Caesar to Trajan”. Ou seja, saltam-se as reformas de Mário. É o exército das guerras civis e do princípio do império. Mostra-se a sua organização, as legiões, as forças auxiliares, algumas campanhas. Podemos ver as famosas “lorica segmentata” (as armaduras que os soldados romanos usam nos livros de Astérix e que é incorrecto, dado que só apareceram 1 século depois), que são um dos tipos de armaduras usados pelos romanos (nunca houve completa uniformização de equipamentos nas diferentes legiões, ao contrário do que habitualmente se julga). Acabam os vários tipos de tropas que antes existiam (princep, hastati, etc), que tinham origem na idade/fortuna, para se criar um regime de coortes com equipamento similar dentro de uma legião. O período de Adriano de relativa paz, implicou alterações de organização e de equipamento que ficariam para o volume seguinte (uma boa opção na minha opinião).
O 5º volume é uma fraude. Este livro chama-se “The roman army from Trajan to Constantine”. O volume faria sentido, dado que se deram alterações de organização e de equipamentos, para responder aos novos desafios (partos/sassanidas a oriente, guerras de escaramuças com os bárbaros a ocidente), só ficando à superfície na mesma. Só que o autor considera que neste período não houve alterações de monta, que tudo já foi descrito no volume anterior, e decide apresentar o sistema de fortificações romanas e as tropas de fronteira (o limes). Ao acaso, decide apresentar a muralha de Adriano (que por acaso, é o que o autor estuda). Ou seja temos um volume dedicado a um tema completamente diferente do que é apresentado na capa. Vemos os tipos de tropas, e sobretudo os restos de equipamentos descobertos em campanhas arqueológicas que estavam na muralha.
O volume seguinte (o 6ª) “The Romano-Byzantines armies from the IV to IX century”, nem sequer me dei ao trabalho de o ver: um volume sobre 500 anos de evolução de 2 estados diferentes (mesmo que o exército de um tivesse a origem noutro)?
Concluindo, sabendo que os livros da Osprey são caros, metades destes livros são bastante maus. Se o 3º, 4º e 5º dão uma boa panorâmica e introdução ao tema (sobretudo para não tem tempo para ler livros muito mais grossos sobre o tema de historiadores mais sérios, dado que pelo dinheiro o gasto é quase o mesmo), os outros são para esquecer.
Uma última nota: esta editora tem outros livros (mesmo dedicados aos exércitos romanos) bastante bons (irei apresentá-los mais tarde). Obviamente, todos os livros são em inglês
Q.F.M.
Roma Antiga
Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.
segunda-feira, março 27, 2006
quinta-feira, março 16, 2006
Línguas
Quando estava na faculdade, um professor disse-me algo que foi na altura uma surpresa: a maioria das populações da Europa ocidental não se tinham latinizado (do ponto de vista linguístico) durante o domínio do império romano, só o fazendo na Alta Idade Média. Parece-me um bom assunto para tratar.
O primeiro território que foi romanizado foi a Itália. O latim (em diferentes variantes) era falado no Lácio, existindo numerosas línguas e dialectos no resto da península itálica (alguns vagamente aparentados como os dialectos oscos, outras completamente distintas como o etrusco); com a incorporação de soldados de outras zonas de Itália nos exércitos romanos, a fundação de colónias romanas, e a expulsão de habitantes devido às guerras e a imposição de uma administração comum, o latim foi-se lentamente impondo como língua única. Quando Augusto criou o império as diferentes línguas em Itália estavam mortas ou faladas por comunidades que não tardariam a desaparecer (com uma única excepção, o grego, que se manteve até agora). Ora curiosamente no período em que os últimos falantes de outras línguas italianas estavam a morrer, o próprio latim nas zonas recém-conquistadas estava a evoluir. Alguns imperadores do séc. II já tinham sotaques regionais (Septimo Severo, Trajano). Os soldados quer das legiões, quer das unidades auxiliares (compostos por não cidadãos que faziam o serviço militar e depois recebiam a cidadania) eram depois recompensados sendo colocados em determinadas zonas recebendo muitas vezes terras, tornando-se focos de romanização. As populações das cidades tornavam-se facilmente bilingues, no seu contacto com mercadores e funcionários, de modo que o sue processo de romanização deu-se de forma rápida (mesmo que ainda continuassem a saber falar a língua indígena, ou pelo menos alguns rudimentos). Mas os noventa e tal por cento que viviam no campo, no seu dia-dia não precisavam de saber a língua latina: bastava que alguém na aldeia o soubesse para lidar com os cobradores de impostos e proprietários. Para a Gália, existem várias referências do séc. IV de funcionários e eclesiásticos que se queixam das populações falarem muito mal o latim, dado que ainda falam gaulês. Ora lentamente nos séculos seguintes, a igreja além de evangelizar as populações ainda pagãs, iria ensinando o latim vulgar que já era falado nas cidades (e que estava a transformar-se nas várias línguas latinas que hoje se falam), substituir as línguas indígenas.
Na Africa do séc. VI, os textos mostram a lenta transformação do latim (interrompido pela conquista árabe). Na península ibérica ignoro o processo, mas imagino que tenha sucedido algo semelhante à Gália, de modo que quando as populações germânicas se instalaram, aprenderam o latim vulgar.
Na Dácia (o equivalente de algum modo à Roménia), o processo foi curioso: a província foi abandonada pelas autoridades romanos em finais do séc. III, saindo os soldados e administradores. A população que ficou teve de se governar sozinha, e os dácios latinizados acabaram por contagiar os dácios do norte que aprenderam o latim.
Na Inglaterra ignora-se em grande parte o que sucedeu: deu-se o abandono do território pelos romanos em 410 e respectiva estrutura administrativa, mas manteve-se a estrutura eclesiástica, e os clérigos mantinham o latim (ignora-se o que sucedeu à população romanizada, se ela foi-se progressivamente celticizando). Pelo menos até meados do séc. VI os nomes mantêm-se em grande parte romanos. Com a destruição dos reinos bretões pelos anglos e saxões, estes ocupam o território substituindo seja o que for que se falasse, pelos dialectos germânicos; os sobreviventes bretões fugiriam para a actual Gales e Bretanha ficando o latim apenas como língua eclesiástica (e alterando a onomástica).
Um pormenor: as minhas leituras são de livros que já tem alguns anos, por isso não ficaria surpreendido se entretanto se tivessem efectuado descobertas que alterassem substancialmente o que escrevi.
Q.F.M.
terça-feira, março 14, 2006
Gibbon
Depois de ver um post do Filipe sobre o Gibbon, pareceu-me boa ideia começar a escrever sobre livros referentes a Roma. E para começar, “A história do declínio e queda do império romano”, parece-me uma boa ideia.
A obra já tem mais de 200 anos (foi escrita em meados do séc. XVIII), mas continua a ser imprescindível para quem gostar de Roma. Está dividida em 2 partes: uma primeira, sobre os últimos séculos do império romano unificado e depois sobre o Ocidente até 476, e uma segunda sobre o império do Oriente até 1453. Escrevendo de forma viva e agradável, ficamos a conhecer a história factual, para além de ser feita uma análise do que se passou. Ganha-se familiaridade com a terminologia dessa nova realidade (acabam-se os cônsules e pretorianos para dar lugar aos magister militum e scolae) e toda uma nomenclatura barroca (o meu cargo favorito é de conde das sagradas liberalidades ou comes sacrarum largitionum, o equivalente a um ministro das finanças). São apresentados episódios caricatos como anedotas, embora normalmente tenham um objectivo, e não pelo amor da frivolidade. O autor tem as suas preferências e os seus ódios de estimação (basicamente qualquer personagem que levasse uma vida que ele considerasse imoral), embora admirando os governantes que cumpriam o seu dever e lutavam contra a adversidade, tentando retardar o (para ele) inevitável. Gibbon é também muito critico em relação ao cristianismo oficial que se formara em Constantinopla e Ravena, com bispos cortesãos vivendo de prebendas e sem nunca por os pés nas suas dioceses.
Quem lê a obra de Gibbon fica com um excelente estudo sobre o baixo-império (bastam mais algumas leituras suplementares de obras contemporâneas que completarão essa visão, graças aos necessários avanços que se deram na historiografia graças à critica e à arqueologia).
Q.F.M
quinta-feira, março 09, 2006
Roma
Finalmente consegui ver a série Roma. Arranjaram-me os episódios, e vi os 2 primeiros. Gostei bastante. Além de haver uma preocupação com os aspectos materiais (os equipamentos militares parecem retirados de uma imagem da editora Osprey) podemos ver o mundo dos grandes e dos pequenos. A sociedade romana está bem descrita: as pessoas casam-se e divorciam-se de acordo com os interesses da família e da gens não interessando os sentimentos individuais (embora a maneira como elas gozam o tempo livre, dependa da sua astúcia e discrição).
Existe a preocupação não só de descrever acontecimentos, mas também de apresentar a vida material (roupas, alimentação), os costumes e passatempos.
É interessante a forma como são caracterizadas algumas personagens. Brutus já não é o Hamlet dividido entre a amizade e a república. Octávio é frio e ainda é cruel, embora a sua argúcia o vá lentamente obrigar a controlar-se. A existência de uma mãe daquelas explicaria o domínio que a sua futura esposa teria sobre ele. Marco António, bem é Marco António (não admira que tivesse perdido em Actium e já antes contra os Partos de forma tão miserável): soldado corajoso mas brutal, impulsivo, faltando-lhe o mínimo auto-controle. As personagens são orgulhosas, e tem um sentimento de superioridade por pertencerem à raça conquistadora: pouco importa que outros sejam mais cultos (os gregos), ou mais fortes (os germanos): eles tem a mistura certa que os tornou os senhores do mundo.
A série é de facto violenta: as pessoas crucificadas no primeiro episódio não tem a serena resignação que vemos habitualmente limitando-se a gemer, mas aqui gritam de dores; aparece nudez integral, o que não é muito vulgar em séries para o grande público. A trepanação mostra o que de melhor se podia fazer de acordo com a ciência médica na altura, sem nunca esquecer os deuses que são um complemento fulcral (e a religião romana era bem utilitarista: Pullo pede para ser libertado, estipulando o que pagará de promessa e alternativas caso não tenha possibilidades financeiras de pagar o elevado encargo).
O exército romano é apresentado como uma máquina eficaz, mas vemos que para isso era preciso disciplina, e a disciplina era severa, mesmo (ou principalmente) num exército de um general tão popular como César.
QFM
sexta-feira, março 03, 2006
Estilicão
Depois de várias mensagens, decidi escrever um post sobre… Estilicão
Era (segundo uma expressão curiosa que li uma vez) um semi-vândalo, filho de um vândalo e de uma romana, nascido em meados do séc. IV. Entrou para o exército como muitos outros bárbaros e subiu rapidamente. Combateu e teve missões diplomáticas; o imperador Teodósio acabou por casar uma filha adoptiva sua com ele. Quando o imperador morreu (395), deixou-lhe a guarda do seu filho Honório (ainda e sempre criança), o cargo de Magister Militum e na prática o controle de metade do império (do ocidente). Passou os anos seguintes a combater as várias tribos bárbaras na fronteira do Reno, para tentar aguentar a integridade do império que lhe fora confiado, vencendo várias batalhas, embora os visigodos acabassem por passar a fronteira. As suas relações com o seu colega do oriente (aí era Rufino, o prefeito do pretório que controlava o imperador) eram no mínimo más, dado que cada tentava governar a sua parte, tentando reunificar pela intriga o império.
Apesar de tudo o que fez, vários factores levaram à sua queda: as suas origens bárbaras e a sua religião ariana, somado às intrigas constantes que se dão numa corte, levaram a que o imperador ordenasse o seu assassínio (ou pelo menos fosse conivente). O motivo apresentado foi a sua ambição de obter a púrpura; o seu filho também foi assassinado.
Q.F.M.