imagens a condizer, pouco inocentes
Acordei em plena campanha, esta como a outra, esta como as outras, tanto faz. Os protagonistas deliram nas arruadas, entre arruceiros, atacam figuras próximas, armadilham o terreno e negam já o próprio futuro. Qualquer dia recupera-se um presidente ou muda-se de presidente. Esta política (nacional) tem ainda a sua raiz na última Assembleia Constituinte, tempo depois, difícieis, as vozes dos capitães de Abril, na madrugada de 25, em 74, teslizando pela madrugada ao sinal do canto Vila Morena. Essa gesta, à medida que se institucionalizava, foi perdendo o tremendismo revolucionário do MFA, do COPCON, do Otelo-herói-da-democracia-directa, do PCP-com-Álvaro Cunhal, do PPD-Sá Carneiro, do CDS-Amaral-e-Freitas, do PS-de-Mário Soares, esses e muitos outros, quarenta partidos pelo menos, sem febras nem tinto, só com os cravos na mão durante a grande festa, nesse ano, do 1º de Maio.
Do fundo do velho baú, vieram outros símbolos, cito apenas Eufémia, Eufémia patrona dos clandestinos e dos desvalidos nas searas, alentejana longe, morta com um tiro e uma foice de veneração, esquerdas entre esquerdas, a Fonte Luminosa no golpe de virar páginas, intentonas e golpes reaccionários, os pequenos partidos tresmalhados nas colinas da glória vã, E o 25 de Novembro pela noite, em nome de uma qualquer reacção, crispações provisórias, crenças e novos amanhãs, tudo isso e muito mais que não passa de sumário, sem falar sequer no retorno das guerras de África ou no retorno e populações de Angola e Moçambique, um terror súbito na desnecessidade daquele fazer de conta que Portugal, após catorze anos de atraso, alinhava pelas vanguardas. Franz Fanon, amigo das descolonizações, pressentiu que o vão entre a pré-história e a contemporaneidade era vasto demais para súbitos actos de fé. Pela nossa parte, hoje, sabemos como foi pior a emenda do que o soneto.
já D.Carlos gravava assim
Mas a herança apolítica dessa parte da nossa história começa a parecer uma maratona semeada de obstáculos ilegítimos, bandeiras voando sobre os atletas, armadilhas angulares com os piores condimentos, pastas abertas com coligações e tratados soltos em lágrimas, alertas, palavras soezes, e uma perda lenta mas grave e alarmante e global dos valores, direitos, conquistas, culturas, representações da democracia, governos atrapalhados em contra-mão, Assembleia dos ritos e dos gritos, novos mitos, lugar da República que se perfila na pedra das melhores iniciações.
A derrocada do Capital minou o mundo inteiro, abriu as entranhas das maiores patifarias, e já todos se acomodam para arranjar a casa da mesma maneira, depois de limpar a água suja da cheia. Ninguém aprende a urgência de se começar a terraplanagem do planeta das cidades mamutianas, tumores em Metrópoles babélicas, contra os crescimentos a todo o custo e em nome de um Outro Projecto. Tal operação levará mais de um século, mas o minimalismo resultante não significa a súbita passagem à dieta mais rdaical e a mera dedicação a plantar flores, vivendo o grande povo só assim. Mas também não tem jeito, perante a fome no mundo, que se derramem niagaras de leite no asfalto e se congelem milhões de toneladas de manteiga só para protecção de certas fortunas. O mundo da chantagem e do insulto, na obscuridade das corrupções a fingir e a sério, arrebatou a nossa gente, deputados da Assembleia também, comentadores súbitos, como congumelos, intelectuais cheios de empáfia, à esquerda e à direita, televisões arreliadas cuja liberdade não reconhece aos outros o menor comentário público de desagravo, e assim por diante, ministros sob metralha, todos maus, todos erráticos, estes, os anteriores e os futuros, como nas autarquias e nos arranjos que atravessam, num fervilhar de plena impunidade a par de grandes exemplos de trabalho sensato e colectivo. Há quem agtrevesse as malhas da lei, só da lei, porque a douta justiça, apesar de algumas pitadas de modernidade, quase deixou de funcionar, presa sob os escombros da sua independência olímpica, da sua liturgia, através de processos com mais de cinquenat mil palavras atrasando alguma ideia informática para desencarcerar juizes e ajudantes, paquetes e ouvidores a fingir.
cada vez há mais árvores que não morrem de pé
Entretanto, o tempo das eleições é assim como a época das feiras e das vendas a retalho por baixo das mesas de pano. Os novos salvadores são os do BE, paradoxais, que não querem governar e lhes basta fazer diagnósticos devastadores, contra fortunas e humores. Há limites para tudo: se não quer governar, ou pelo penos ajudar, resigna, fala pelas ruas, na Polis. Assim se fazem as misturas explosivas, de antigos partidos, ou algum maçador coktail Molotov. Um dos adversários deste partido que retalha a política nacional em quadradinhos do exame por tomografia axial contputorizada, é naturalmente o PS, ali do centrão e pontas à esquerda, e agora há um verdadeiro inimigo de 21 deputados, terceira força do hemiciclo, gente de direita a espreitar numa esquina mais ampla, CDS-liderado-pelo-Portas (o Paulo do Indendente), agora andarilho de mercados e feiras e peixarias, pedalada apreciável, esforçadamente, mostrando ao povo o paladar das palavras e do seu artifício. Lá se vai o «rendimento de inserção», se o homem se alncandora no beiral da República, em troca de qualquer salmãozito cedido pelo governo minoritário do Sócrates, o Primeiro Ministro do novo paradigma «quanto mais porrada receber melhor». E deram-lhe com tudo o que tiveram à mão e até com o próprio Presidente da Repúblico. Antes de «negociar» com os partidos, que parecem cães devoradores de carne humana, alinhados, a ladrar, ao portão do novo orçamento, Sócrates deveria entrevistar o duce Berlusconi, um mestre na arte de transgredir e de bronzear toda a gente, ele mesmo, mas sem praia.
Entretanto, ouve-se um zum-zum sobre corporações ofendidas com a avançada do governo logo nas primeiras investidas. Mas quem é que sabe aturar as corporações? E a estratificação dos sindicatos com as suas casstes piratas? O Salazar, primeiro português por concurso público nacional, é que era corporativista, uma mentira como qualquer outra, que o digam os Tenreiros e os Mellos, para usar a pitoresca linguagem do PCP, agora herdado pelo Jerónimo sem caceteiros, última mas desciplinada força política da Assembleia, acantonada nas sedes, nos seus motes, nos seus montes, no Avante. Habituaram-se a esperar, mordendo numa dialéctica incapaz de competir com as cada vez mais escancaradas zarzuelas do Louçã. A moda não é o seu forte, no PCP, e lá na sua ideia de ordem ordeira, com palavras gravadas há cerca de cinquenta anos, nem sabem que a moda passa.
O PS, que se espalhara nas europeias, lá ganhou as legislativas, passando a capa ao PSD que já se aprestava para outro triunfo, sob o manto respeitoso da Senhora Ferreira Leite, poupada, pouco arruada, sabendo muito bem gerir os espaços em branco do seu esplendoroso programa. Nada disto tem sentido, porque esta gente já devia ter sido substituída e as regras apertadas, sem arruadores nem arruadas. Como é que se governa assim, aos pingos de uma palavra consensual por cada tarde? Mas eles estão todos nessa. O país passa-lhes ao lado. O PS, traumatizado de há pouco, inclusive pela própria maioria absoluta, já anunciou (ninguém ouviu nem acredita) que falará com todos os partidos a fim de preparar os métodos da governação. Há fadistas dos antigos e dos modernos por ali, o costume, e de resto o Partido, em vez de aceitar a onda do Fado Património Universal, ainda escolhe sobretudo melodias de filmes e de nada lhe serve ter bons faladores, porque os do outro lado da mesa há décadas que são os soberanos interruptores. O Pacheco repete palavras para interromper e acaba com os outros, num instante, abrupto, quadrado, circular e fiel indefectível ao PSD. Ajudou a nova (?) líder do Partido (dizem que social democrata), Dra Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das Finanças e da Educação, de obra pouco apreciada e mostrando-se agora inimiga de muita gente, Sócrates como o pior de todos. Se tivesse ganho as eleições, mesmo em minoria, era certo e sabido que, sem ligar a ninguém, acamparia junto das micro, pequenas e médias empresas, o Portugal profundo que diz conhecer. A senhora é sintética e não parece ter pendor para as «arruadas». Aborrecera o Santana Lopes mas corrobora a sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa. De resto, pelo menos até Maio, tratará da sua sucessão com a voz de Rangel, penso eu de que, mas o rapaz é muito novo, embora avantajado e aguerrido, pessoa de oratórias e retóricas maldosamente falhando os alvos ou fazendo vítimas inocentes. Não é de tal palavreado que precisamos, pois o PREC não se repete, nem à esquerda nem à direita - pode é ser pior.
a política não é para competir em arruaça,
é para implentar em harmonia a Polis
Que é que esta gente toda, tanta que não pode ser tanta, de resto cada vez mais incapaz de esboçar, para além do perde-ganha, começa a esboçar um gesto de bom senso, de partilha, sem tapar os olhos, sem disputa inútil, um gesto, enfim, de interesse por algum projecto (tão perto do apocalipse) susceptível de abrir caminhos modestos mas seguros em direcção aos lugares passíveis de sobrevivência?
E há quem diga que a «festa» está para durar, mais para o lado da Free-Port e dos Submarinos do que relativamente a pactos sérios para ordenar o país e as suas harmonias latentes. A seguir às autárquicas (onde ninguém ganhará, mais uma vez, porque não é disso que se trata) começará logo a ronda das presidenciais. Há muitas figuras reflectindo. E dizem que já está como certa a referencia histórica cujo nome de poeta é Manuel Alegre.
Depois disto, agora que já tenho setenta anos, vou empreender uma micro empresa com papel e lápis. O país requer esse esforço. Muito obrigado, senhor Primeiro Ministro, não preciso de nenhum crédito, mas espero continuar esquecido e pagar apenas o IRS.