obra de Cabrita Reis
Usemos um novo Título
ENTRE A PERIFERIA DA LUZ E O MONSTRO INSTÁVEL
Razoavelmente antes do TGV, comboios a vapor gastavam seis horas para cobrir a distância entre o Algarve e o Barreiro. E mesmo assim houve desastres monstruosos, arrasando muita ou pouca gente. Toda a Europa, que guerreara desde a antiguidade, embora muio desenvolvida com as tecnologias do século XX, gerou nesse século, a partir da Alemanha, sobretudo duas hediondas guerras mundiais, umas das maiores tragédias da humanidade, feita pelas mãos humanas e cabeças superiores, da engenharia às artes. A II Guerra Mundial foi servida com as mais devastadoras armas inventadas pelos homens. A Europa ficou pulverizada em ruínas, sobretudo na Alemanha, onde o belicismo alcançou grandezas e poderes de destruição aparentemente imparáveis. A vida é má para os pobres, mas as gerações recentes não podem imaginar os efeitos da II Guerra Mundial, fronteira do horror. Já na I Guerra se haviam usado gases dizimantes, a morte em combate por gases, enquanto os sobreviventes dessa loucura ficaram para sempre presos às sequelas de tais armas. E mais tarde, pior ainda, a todos os níveis dos efeitos produzidos, a bomba atómica, lançada pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki, continua activa nos resultados sobre a contaminação da terra, o que não impediu os mais poderosos de engendrarem energia eléctrica por centrais nucleares, cujos percalços cravaram em certas regiões a marca indizível do Mal, desde Chernobyl ao Japão, recentemente.
Todas estas coisas, e todas as posteriores bombas que são potencialmente as grandes empresas transnacionais, a invenção fútil e por vezes mortal de matérias utilizadas em vários géneros de construção, tudo isso arrasta o mundo para uma voracidade consumista acima dos recursos aqui e além disponíveis, pelo que os Bancos inventaram Donas Brancas universais para que o dinheiro corresse, fosse donde fosse, enchendo os impérios adicionados às Mega Empresas, acicatando consumos aberrantes, trocas virtuais de dinheiro, nas Bancas de todo o Mundo, onde se ganham e perdem por dia, sem trabalho nem qualquer virtude para além do risco, biliões e biliões de unidades monetárias. Prontas a explodir na cara ingénua dos americanos, europeus, asiáticos e outros, de súbito percebeu-se que, nas caves da corrupção e de todas as armadilhas, se inventavam operações financeiras perigosíssimas, produtos ditos «tóxicos», que foram levados para os balcões onde as frenéticas populações arriscavam ganhar depressa o mais possível, para encherem de automóveis as estradas e auto-estradas, veleiros inacreditavelmente inúteis, usados em nome do prazer, que enchem hoje milhões de marinas em todos os continentes, a par de uma das maiores crises financeiras de sempre, da qual ainda não se reabilitou a América e a partir da qual a sofisticada Europa, na qual se tentaram edificar uma união de Estados sob o a força do euro, moeda única e a esperança da partilha de trabalhos, de desenvolvimentos, num espaço alargado de meios e interacções, a solidariedade gerida entre tratados de invulgar complexidade e futuros anunciados acima das utopias do século passado.
A crise geral infectou quase o mundo inteiro, fez os seus prisioneiros nos EUA, deixou o continente Europeu a tremer de operações icontáveis, barcos nas marinas, gente igualmente a turisticar como se tudo fosse breve e controlável, enquanto umas brughelianas entidades de rating, situadas no continente Americano mas abarcando o mundo inteiro, se encarregam de espreitar a movimentação financeira e económica um pouco por toda a parte — e, como num mero jogo de cartas, esses limites do imaginário, gente que trabalha para inomináveis forças do poder, pelo dinheiro, decretam diariamente, em joguinhos de letras e de + ou -, aquilo que apregoam ser a situação dos países em termos de moeda e de credibilidade financeira. Isto permite fazer guerras muito perigosas e injustiças ainda maiores: centenas de comunidades são atacadas por classificações que flutuam entre o «excelente» e o «lixo», ficando prisioneiras de dívidas colossais e juros que nem Pilatos cobrou. O que se vê através das televisões leva à indignação muita gente: porque os operadores de rating não foram formados especificamente nem recrutados com transparência, de forma democrática, enquanto os monstros do lucro se escondem atrás de empresas colossais, brilhantes e com clientes de inocente zelo. É só roubar. E depois sujeitar os países, de forma o mais aviltante possível, a entrar em recessão com a obrigação de pagamentos de megatoneladas. O FMI, eficaz e de receitas sempre iguais, ajuda os países em dificuldades a mergulhar até ao fundo das suas fezes, na esperança de que, em breve, a superfície ficará limpa, lisa e com os seus Bancos floridos.
Portugal tem andado numa roda viva e já entrou em recessão. Corta-se em tudo e privatiza-se o que quiserem. Os ministros vão a Bruxelas por tudo e por nada, voltam com uns tostões sob a marca de juros a 15%. E continuam a ter esperança.
Mas há pior: a Europa de tom federativo, de partilhas e solidariedades, capaz de irmanar os povos demografica e geograficamente menores aos maiores, tendo em contra proporcionalidades e grandes cerimónias de tráfego de divisas, tem estado a colar-se à Alemanha, a França pelos ajustes, nada de irradiante, moral e criador. A Grécia praticamente rebentou e a Comissão Europeia, além de outros patamares, atrasaram o auxílio, enquanto a Irlanda tinha de manobrar juros a 30%, sendo tais países alcunhados pela esferas nórdicas de periféricos. Os periféricos ou se governam ou vão à vida e sucumbem. E ninguém vai preso. Merkel, que às vezes acaricia os nossos ministros, acusou-nos de termos de trabalhar mais. «Ui, aquela gente periférica é uma peste que nos está a estragar o negócio». A falta de decoro, como aconteceu com o Presidente da República Checa e Cavaco. Estes mimos animam-se. Não fazem nada para refrescar as relações de países que aceitaram tratados ilegíveis. E agora? Já dizem, alguns meliantes, que a Grécia deve estudar o seu abandono do euro. Querem limpar as periferias. Nós ainda sabemos navegar em caravelas e fazer um manguito à III Guerra Mundial. A periferia é donde vem quase tudo, senhora Merkel: representa os rostos da Europa; sem periferia restariam uns países bem pen- santes que o mar virá submergir em breve. E de resto, porque é que a Alemanha não se considera a periferia do Norte? Já passei por aí e descortinei uns portos negros, poluídos, importadoramente grandiosos. Cuidado com as raças, a geografia e a xenofobia.