Yasushi Inque.
Chegou até minhas mãos um filme baseado no livro “O
fuzil de caça” de Yasushi Inque.
Como sou apaixonado pelo cinema japonês descobri este
filme instigante de
Heinosuke Gosho e ele me levou a conhecer o relato inspirador do roteiro. O filme
se chama Ryoju (Hunting Rifle) é de 1961,-aqui o link - https://youtu.be/WhOwGY8xVmg-.
A obra literária foi escrita em 1949 , na suas páginas
encontramos toda a discrição e a sutileza oriental; o conto surpreende pela
elegância e pela forma do relato: um preâmbulo, três cartas e um epílogo.
O enredo.
Um poeta é
convidado para publicar numa revista de caça, ele escreve um poema, mas como
não tinha nenhuma adesão com a caça acaba descrevendo no texto a figura de um
homem desconhecido que viu um dia numa paisagem de inverno com um fuzil nas
costas. Ele dá ao poema o nome: O fuzil de caça. O poema termina
dizendo: ”a solidão de um homem irradiando uma beleza sanguinária, que nunca
mostraria ao mirar uma criatura viva”.
Com o tempo
o poeta recebe uma carta de um leitor se identificando como o personagem
daquele poema. A carta e sucinta e direta não deixando muita informação
sobre seu autor. No entanto, ele recomenda ao poeta que leia as cartas
num pacote que mandará em futuro próximo. Para que entenda o que passava pela
mente daquele homem que o inspirou. Dias depois o poeta recebe um pacote com
cartas de três mulheres diferentes que endereçadas ao caçador descrevem-no de
acordo com cada uma de suas visões, elas são: a sua sobrinha, sua esposa e sua amante.
As perspectivas.
Primeiro temos a visão do poeta sobre
um homem desconhecido. Depois alguém se reconhece naquele poema, por
último o que se descobre nas cartas. O jogo epistolar é fascinante e
Josuke Misugi, personagem principal, acaba revelando uma relação extraconjugal
que emerge nas confecções dos envolvidos.
As cartas.
O autor parece nos querer dizer que a
realidade, os fatos, não são necessariamente o que são, o que acontece depende
também de quem narra esses acontecimentos. Ao contrario do que seria a
afirmação do real como algo único e objetivo; no relato são os olhares dessa
realidade o que constroem a historia. O autor, como se fosse um sortilégio,
abre três
dimensões na nossa frente a partir de um fato único.
Na primeira carta a jovem Shoko, sua
sobrinha, ao mesmo tempo filha da amante do protagonista, escreve para ele (seu tio
Josuke) após a morte da sua mãe.
Conta que descobriu a relação
paralela que sua mãe (Saiko) tinha com ele, descreve a ruptura da relação da
sua mãe com seu pai por conta de uma infidelidade e decide se afastar deste
triângulo e recomeçar uma nova vida longe dali.
Na segunda carta Midori,a mulher
de Josuke, conta como soube durante todo o tempo sobre a relação paralela entre
ele e sua prima Saiko.
Com um clima tenso de rancores
pede a separação e tenta rebaixar a figura de Josuke recriminando sua falta de
virilidade e sua imagem desinteressante.
Na terceira carta Saiko conta
como viveu com remorso toda a relação oculta, mas se despede de Josuke com um
olhar generoso.
Final.
A solidão permeia a ação, a
sobrinha se afasta, a mulher se separa e a amante morre; num clima de
insinuações e de sombras o silencio parece ser a única voz.
Cenas sutis, nuances, antiguidades
e detalhes como o da teoria de Josuke quando diz para Saiko que cada um de nos
carrega uma pequena serpente dentro, tingem as imagens discretas do amor aparentemente
oculto. O não dito parece explodir no peito dos personagens.
O autor, Yasushi Inoue (1907-1991), graduado em estética e
filosofia, estreou em 1949, com este livro sua longa trajetória literária.