19 dezembro 2017
A crista de festa
Nas minhas caminhadas
candangas encontrei objetos e pessoas improváveis: lâmpada mágica, pegada de
onça, tênis tarado, girafa barulhenta, cartomante, vendedor de mapas, velha
incendiária.
Hoje, dia chuvoso, quase
chutei uma crista de festa. Causou-me curiosidade. Parei, retornei e me
abaixei. Tomei-a em minhas mãos. Li uma palavra francesa antes de levá-la ao
nariz. O cheiro espumava festa.
Envolvo a rolha do
champanhe com as duas mãos para que saiba que percebo o seu poder secular.
Revela que propiciou
brindes de marechais de campo após vitórias nas batalhas de baionetas.
Incentivou condes a dançar valsas com plebeias. Coroou príncipes
transformando-os em reis.
Aliso-a com suavidade.
Trago-a mais perto do peito.
— O que dizes?
Com voz de uva espremida responde ser de safra
recente. Não frequentou castelos nem palacetes. Não preciso empolar a
linguagem. Vaidosa, confessa que ama ser o êxtase das comemorações.
Celebra casamento, sobe
ao alto do pódio, junto com uma vela vê casal se beijar e os une ao prazer. Abre
caminho para as bolhas explodirem sorrisos. Também inaugura fábricas, batiza
navios e crianças. Diploma advogados e médicos. Consagra conquistas, mas embriaga
quem abusa dela.
Olhei em volta. Não há
nenhuma casa ou prédio próximo. Meus conhecimentos de balística deduzem que ela
não saltou de nenhuma janela libertando alegria.
Continuo a caminhar. Ela
sussurra dizendo-se talismã que escapou de bolso desleixado.
Convicta diz que odeia
clausura. Até consegui fugir de gaiola de aço no topo da garrafa. Gosta de
festa. Jamais serão capazes recolocá-la na garrafa.
12 dezembro 2017
Babaca do Eixão
Quando se vai
criar uma história, o mais difícil é encontrar o tema, o mote ou a inspiração para
desenvolver a escrita. Depois do mote definido, a criatividade se faz presente.
Imagine você
declarar que sabe falar grego. Logo surge o pedido.
—
Que legal! Fale uma frase!
Aí, você empaca
sem saber o que dizer. Seria mais fácil se pedissem: traduza para mim.
No meio do meu
blablablá solitário fui alcançado por um sujeito barbudo que me encarou de supetão:
— Estou
seguindo o senhor há mais de cinco minutos. Ouvi o senhor didático, depois
tenro e doce. Subitamente alterou a voz para bravo. Gesticulando como se
espantasse mosquitos. Agora que se acalmou novamente, tomei a liberdade de
abordá-lo. O senhor é peripatético?
Fiquei sem
saber se também o ofendia, se saía logo no tapa ou ficava na minha para saber
qual era a do cara.
Caprichei um
olhar enfastiado.
— Você me
desconcentrou! Perdi a minha linha de raciocínio!
O cara pediu desculpas
e apressou o passo.
Irritado, o
pensamento mudou de rumo. Desliguei o gravador.
O sujeitinho nem
me conhece e me chama de pateta da periferia! De idiota da região! De palerma do
pedaço! De bobo do trecho! Falta de respeito! Ele deve ser parlamentar. Usa um
pronome de tratamento respeitoso e em seguida xinga com palavras de dicionário
sem saber o significado.
Consigo imaginá-lo
na tribuna da Câmara dos Deputados, apontando o indicador para um colega.
— Vossa
Excelência é um bordalenga apandilhado.
Fiquei indignado.
Possesso! Perdi o prazer da caminhada. Precisei de um calmante e um dicionário.
Em casa, enquanto
engolia o Lexotan, consultava o Aurélio:
“Peripatético:
discípulos de Aristóteles. Em razão do hábito do filósofo de ensinar ao ar
livre, caminhando enquanto lia e dava preleções.”
De imediato, a
tentativa de diálogo e a imagem do barbudo intrometido modificaram-se na minha
mente.
— O senhor é
peripatético?
— Peripatético
é sua mãe.
— Não.
Peripatético é o mote que o senhor precisava para escrever sua crônica.
05 dezembro 2017
Monotonia
Durante um bate-papo
com um amigo, piloto de asa-delta, em determinada hora afirmou.
— Caminhar é
monótono.
Advogando em
causa em causa própria respondi que monótono é estar a um quilômetro de altura
sem estar inserido no cenário. Vê-se tudo pequenininho. Nem com binóculos
percebe-se os detalhes que tornam a vida exuberante.
Foi com esse
pensamento que iniciei a minha caminhada dominical no Eixão – uma enorme pista
de alta velocidade que uma vez por semana ao se transformar em Eixão do Lazer recebe
caminhantes, corredores, skatistas, ciclistas e todos que se propõem a acelerar
o coração.
— Será que é
monótono observar as pessoas?
Não creio.
Tanto que, naquela manhã sem sombras, notei que muitos usavam bonés, chapéus e
viseiras. Alguns poucos com óculos escuros como se fossem estrelas hollywoodianas
fingindo se esconder.
Comecei a me
divertir ao questionar as roupas dos atletas de fim de semana. Um senhorzinho
de um metro e sessenta passou correndo por mim com camiseta e calção cor de laranja
fosforescentes como os tênis. As meias brancas iam até o joelho e nas costas saltitava
uma mochila azul celeste.
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Observei e
analisei uma revoada de pessoas. Quando me perguntava qual seria o coletivo
correto para esportistas, alcancei uma senhora de porte elegante com um
acompanhante nu em pelo. As minhas luzes de alerta piscaram vermelho. Fixei bem
o olhar e não era roupa cor da pele tampouco usava tênis para se proteger do
asfalto. Estava pelado. Total e indubitavelmente nu.
Eu não estava
alucinando por excesso de sol. Nem havia sol. Em vez dos óculos escuros sem
grau, meus óculos eram os de sempre, com grau: eu via a nudez nitidamente.
Além do
estranhamento e perplexidade da ousadia, causou-me estranheza a falta de choque
ou mesmo curiosidade e comentários dos passantes. Tudo parecia normal como se o
Eixão fosse um tradicional campo de nudismo.
Ouvi o barulho
de uma moto. Era um policial montado numa Harley-Davidson. Na mesma hora
imaginei que iria prender o maluco por atentado ao pudor. Mas não, nem
advertência nem olhar. Para novo espanto, passou reto como se nada houvera.
Pensei que Brasília,
afinal, tornara-se uma cidade cosmopolita como Londres ou Nova Iorque onde
cidadãos de cabelos lilás com corte moicano passam despercebidos na multidão.
— Como sou
tolo! Não é nada disso. Certamente é o inverso da história da “Roupa nova do
rei” de Andersen. Lá todos elogiavam a magnífica roupa real de sedas e veludos.
Apenas um meninote se atreveu a gritar “o rei está nu”. Aqui é o oposto. Todos
estamos pelados e apenas eu que enxergo roupas nas pessoas.
Olho novamente
para a dupla.
Mesmo de
costas para mim, eu enxergava o porte elegante e vestido da moça enquanto o
companheiro balançava a genitália desavergonhada entre as pernas. Um horror!
Apressei o
passo para encarar e desaprovar a figura atrevida.
Ele respondeu com um latido nada monótono.
21 novembro 2017
O QUE ELES NÃO DISSERAM
Quando eu finalizava meu livro Pepino e farofa – aventuras
culinárias resultantes de 50 anos de inexperiência culinária – pesquisei inúmeros
versos de livros e observei que continham frases elogiosas publicadas por
grandes jornais ou ditas por pessoas famosas ou destacados autores literários.
— O que fazer?
Como anônimo, usei a criatividade e inseri frases de famosos
com o título
O QUE ELES NÃO DISSERAM
Carlos
Drumonnd de Andrade – No meio de
Pepino e farofa havia inteligência .
Havia Inteligência no meio
de Pepino e farofa.
Napoleão
Bonaparte – Do alto de Pepino e farofa 50 anos
de inexperiência culinária vos contemplam.
Ernesto Che Guevara – Hay que ler Pepino e farofa, pero sin perder
la ternura jamás.
Dorival Caymmi – Quem
não gosta
de Pepino e farofa, bom sujeito não é. É ruim
da cabeça ou
totalmente lelé.
Antoine de Saint-Exupéry – Pepino e farofa é eternamente
responsável por aquilo
que cativa.
William
Shakespeare – Há muito mais coisas em Pepino e
farofa do que pode sonhar
tua vã filosofia .
Cristóvão
Colombo e Pedro Álvares Cabral – Humor à vista .
Neil Armstrong – Um pequeno livro para o homem , um grande livro para a humanidade .
Charles
de Gaulle – Pepino e farofa não é um livro sério .
Jânio Quadros – Li-lo porque
qui-lo.
Esfinge – Leia Pepino
e farofa ou te
devoro.
Bônus:
Frases
que não couberam no verso do livro que inicialmente se chamaria Aventuras Culinárias:
Frederick
Taylor - O livro certo , no lugar
certo e na hora
certa .
Vinícius
de Morais
– Olha que
coisa mais linda , mais cheia de graça é
Aventuras que
vem e estilhaça no doce
balanço caminho
do lar .
Chico
Buarque de Holanda- Estava
à toa na vida ,
o meu amor
me chamou pra ler
Aventuras contando coisas
de humor .
Pepino e farofa — R$ 30,00 , inclui
dedicatória e postagem nacional.
Contato por e-mail r-klotz@uol.com.br
ou inbox no Facebook
14 novembro 2017
Guarujá revisitada
Voltei
à Enseada depois de 44 anos. Mudou tudo. Não pertenço mais àquele lugar.
Continua linda, mas é outra.
Antes
de ir, visitei pelo Google maps todos os cantos da minha memória praiana de
1954 a 1972.
Emotivo
que sou, chorei de montão ao recordar. Futebol na praia. Esqui. Jacaré. Guerra
de areia. Nadar até o Samambaia. Sinuca. Primos, vizinhos, paqueras. Sorvetes. Johnny
Rivers. Dançar coladinho. Liberdade.
As
imagens da Internet e o espelho comprovaram que o tempo passou.
Quando pisei naquela praia, não nos emocionamos, ela não me reconheceu.
Só mais tarde, deitado na areia, de olhos fechados ouvi o mar conversando comigo. Nós nos reconhecemos. Aí sim, nos abraçamos com força.
07 novembro 2017
Pílulas contra o mau humor
Eu estava na sala dos estagiários. Eram nove horas da manhã quando José
Geraldo entrou. Passou direto pela secretária, por seus dois colegas de
trabalho e dirigiu-se à sua mesa.
— A idiota da faxineira esqueceu a garrafa de álcool na minha mesa. Ó,
mulherzinha avoada!
Pedro, vizinho de mesa, suavizou.
— Bom dia! Ainda é bom costume cumprimentar. Em vez de ofender a dona
Antônia, deveria ligar para ela, agradecer por ela ter limpado seu espaço e
informar que guardou o produto de limpeza.
— Tá de caso com ela?
— É impressionante como você começa o dia de forma grosseira,
desrespeitosa, mal-humorada e sem educação.
José Geraldo, ignorando a observação: — Já leu o jornal?
Pedro vira a página. — Não, ainda não terminei de ler.
José Geraldo, sem nenhum constrangimento, enfia a mão no meio da leitura
de Pedro e puxa o caderno de esportes.
— Peraí! Eu ainda não li esse caderno!
— Que egoísmo, você é incapaz de ler tudo ao mesmo tempo. Cadê sua
generosidade?
— Aposto que sua namorada dormiu de calça jeans.
— Seja criativo. Pare com suas piadinhas repetitivas. Todo dia você diz
a mesma coisa!
Evitando conflito, Pedro silenciou.
Na antessala, a secretária, responsável pelo jornal, murmura palavrões
imaginando a bronca do chefe ao descobrir o jornal bagunçado.
Passados dez minutos, Pedro comenta a nota policial.
— Viu só? O ladrão entrou na casa durante a madrugada, separou a
televisão e o micro, depois se encheu de comida da geladeira, esvaziou uma
garrafa de uísque e adormeceu no sofá.
— Como é que eu veria? A notícia está na sua mão. Você não quis me dar
todo o jornal.
— Apenas comentei, tentando um diálogo.
— Diálogo? — Resmungou feito velha — Como posso dialogar com alguém que toda
hora atrapalha a leitura?
Como só acontece em novelas, o figurante com a bandeja surge na hora exata
para amenizar o clima de hostilidades.
— Bom-dia — diz, enquanto distribui os copos descartáveis. — O que vai
ser hoje? Ovos estrelados, sucrilhos ou omelete com bacon?
— Obrigado, seu Zezinho. Tem antiácido para o Jotagê?
José Geraldo, sem tirar os olhos do caderno de esportes:
— Sirva um copo de raticida para meu colega.
Seu Zezinho caminhou em direção ao ventilador.
— Eitcha ambiente carregado... Vou aumentar a velocidade para o vento
levar o mau humor.
José Geraldo olha com reprovação.
— Aumente não. Já basta o barulho insuportável das cigarras gritando nas
árvores.
Como que fugindo de uma nuvem pesada, seu Zezinho empurra o carrinho
para a saída. Fecha a porta, enquanto Pedro faz cara de quem está curtindo
violinos da orquestra sinfônica.
— Isso que você chama de barulho é o canto das cigarras. É a perpetuação
da espécie. É o anúncio das chuvas. É a mudança de estação. Já viu como os flamboyants estão floridos?
— Vai se tratar, Pedrinho! — diz, colocando o queixo sobre o ombro e
piscando rapidamente os olhos. — Isso de gostar de florzinha vermelhinha é pra
flamboiólas. Acho que você escorregou nalguma flor cor-de-rosa e caiu na
bichice.
— É, Jotagê, se você fosse mulher, eu diria que foi mal comida.
— Outra vez você vem com piadinha manjada querendo gargalhadas. Invente!
Só teletube repete a mesma bobagem
vinte mil vezes e, mesmo assim, para bebês que não conseguem mudar o canal.
Pedro, mais uma vez bombardeado por José Geraldo, procura por um aliado
na conversa, olha na minha direção, interrompe minha leitura concentrada.
— E aí von Silva, o que você me diz? Concorda que está faltando mulher
na vida do Jotagê?
— Sei lá! Não sei e não estou preocupado com os problemas dos outros.
Sei apenas que daqui a pouco o chefe vai entrar por aquela porta e perguntar o
que a gente tá fazendo.
— E o que você, von Silva, está fazendo de tão importante?
— Estou cuidando do meu humor. Lendo e apreciando as imagens de um
tratado sobre a saúde, manutenção e desenvolvimento do bom humor. São minhas
pílulas contra o mau humor.
— Tudo o que o carrancudo Jotagê precisa na vida. O que é?
Para o meu azar, levantei a Playboy,
aberta na página central, exatamente na hora em que o chefe pisou na sala.
31 outubro 2017
Exercícios literários
1 – Poderia
dizer janelas, mas a falta de dentes aos 40 anos não era poesia.
2 – A camisa no chão estava suja de infidelidade.
3 – Ia trazer flores quando me lembrei de que seu vaso já
estava enfeitado.
4 – Rotineiramente acendia velas e virava o Santo Antônio, no
entanto chegara o inverno.
5 – Nasceu meu neto. Seria rei de todos, se um cometa
soubesse.
6 – Todos no enterro queriam discursar elogios e valeu o meu
silêncio.
7 – Todos festejavam o casamento. Eu já ia longe e só.
8 – Silêncio sobre a mesa. Um copo com
gotas de cianeto sorria mudo.
9 – Quantas alegrias na fronteira, mas sem passaporte voltava
para a depressão.
10 – A louca gritava na esquina da esperança, mas a luz do
poste avivava a morte.
A - Os ponteiros do relógio do alto da
igreja indicavam sempre as mesmas quatro horas e vinte minutos. Pássaros mudos
desaprenderam a voar. Os cachorros congelados continuam no mesmo lugar apesar
da sombra ter desaparecido. O vento estava amordaçado. Crianças gritam para
dentro. Ninguém quer sobreviver a este fim de tarde.
B - A mulher chegou à cozinha com ímpetos
de assassina. Esbravejou pelo presunto cortado em cubinhos em vez de tirinhas.
Excomungou o uso de ervilhas frescas. Ajeitou o chapéu de chef de cuisine,
provou uma garfada. Foi transportada para a primeira fila do Moulin Rouge, recebeu
um sorriso da Monalisa, ouviu La vie em rose e, para disfarçar, fez caretas ao
dizer que a omelete saiu razoável.
C - Nunca será segunda-feira. Trago
cerveja, faço carinho. Danço zumba três vezes por semana, emagrecei 32 quilos e
o Zé Luiz não dá a mínima. Agora aplaudir com entusiasmo as bundas na Dança das
famosas é demais. Nosso amor termina com a música do Fantástico.
27 outubro 2017
Bullying político
Bullying
é um termo importado do inglês. Bull significa touro. Bully sugere valentia. Em
inglês, bullying designa formas de violência verbal, física ou psicológica
intencional e repetitiva praticada por um indivíduo ou por um conjunto de
indivíduos. A agressão é provocada numa relação desigual de poder. A
intimidação, o deboche, o ataque causam dor, angústia sem possibilidade de
defesa. Destroem a autoestima da vítima.
Os
praticantes do bullying sistematicamente negam que o praticam e minimizam seus
atos de brutalidades.
Se
você pensa que isso só acontece nas escolas e locais de trabalho, enganou-se.
Você,
eu e todos os brasileiros estamos sofrendo o bullying e não nos damos conta.
Chama-se
bullying político.
Diariamente
você é chamado de bobo, idiota, pamonha, tolinho, panaca, babaca. Os políticos
sugerem que você é mais insignificante que filhote de lombriga.
Todos
se dizem inocentes e inventam mentiras e desculpas que nem meu neto
recém-nascido acredita.
"Eu
sou inocente e vou provar minha inocência. Não existe nenhuma prova contra mim.
As acusações são inconsistentes."
"Nunca
tratei de doações eleitorais. Esse depoimento, realizado em processo de delação
premiada, causa profunda estranheza. Ressalto que todas as doações que o
partido recebe são feitas na forma da lei e declaradas à Justiça."
"Pessoalmente,
gostaria de transmitir, a bem da verdade, que os ‘fatos’ apontados jamais
ocorreram. Jamais conheci esse senhor que mente para aliviar sua pena.”
“Meu
nome foi incluído nessa falsa lista por contrariar os interesses.”
“O
Ministério Público, poderia ter evitado equívocos me ouvindo preliminarmente.”
“Nego haver razões objetivas para que eu seja
impedido de atuar nesses casos.”
“Se
tem uma coisa que eu me orgulho, neste País, é que não tem uma viva alma mais
honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério
Público, nem dentro da igreja católica, nem dentro da igreja evangélica. Pode
ter igual, mas eu duvido.”
Quando
dizem: “Farei de tudo para provar minha inocência.” Parece que dizem em coro:
Indicarei nomes para compor CPIs, colocarei verbas nos projetos de deputados e
senadores, atrapalharei investigações, pagarei os melhores advogados, mudarei a
lei, comprarei juízes e trabalharei mais duro ainda para destruir essa
conspiração que deseja sujar meu nome.
Os
políticos com espertos advogados e dinheiro, desmontam peças jurídicas sem
desmentir o conteúdo.
E o
bullying político insiste.
“Sou,
vítima de uma ardilosa armação, uma criminosa armação perpetrada por
empresários inescrupulosos que se enriqueceram às custas do dinheiro público e
não tiveram qualquer constrangimento em acusar pessoas de bem na busca dos
benefícios de uma inaceitável delação.”
“O
pessoal da Lava Jato contaram mentiras a meu respeito, a Polícia Federal da
Lava Jato mentiu, o Ministério Público mentiu e o juiz aceitou as mentiras e tá
me condenando por coisas que ele próprio diz que eu não fiz. Então são eles que
estão com problemas de explicar para a opinião pública, sabe que eu não cometi
o crime que eles gostariam que eu tivesse cometido. Tá, eu já provei a minha
inocência. Agora cabe a eles terem coragem de pedir desculpas pra mim.”
Você
está cansado de ouvir e de ler, mas o bullying persiste.
“O
PSDB reafirma seu compromisso contra a impunidade, defendendo a ampla
investigação de toda e qualquer denúncia devidamente fundamentada contra quem
quer que seja, inclusive membros do partido.”
Não temos
autoridade para dizer: “Vossa Excelência está na mídia destruindo a
credibilidade do Judiciário brasileiro” ou “Por qué no te callas?”.
Enquanto
isso: “Dinheiro continua circulando em malas anos depois do início da
Lava-Jato. Regras são gestadas no Congresso Nacional para beneficiar políticos.
Ministros do Supremo soltam e ressoltam corruptos poderosos.”
O
povo brasileiro sofre bullying político em silêncio.
Até
quando?
Em
1789 os franceses tomaram a Bastilha.
Em
1969 os militares fecharam o Congresso brasileiro.
Em
2013 os black bloc’s brasileiros manifestaram a fúria questionando a ordem
vigente.
Em
2018 ...
24 outubro 2017
A foto que não tirei
Assim que começou o novo governo do Distrito
Federal foram tomadas várias atitudes: exoneração de 17 mil funcionários em cargos
comissionados e de confiança, devolução de 144 imóveis alugados, devolução de
700 automóveis, redução de 30% nos contratos de prestação de serviços, retomada
de diversas áreas invadidas, remoção de placas de propaganda e implosão de três
prédios inacabados.
Nada me afetou diretamente a não ser a
curiosidade em ver ao vivo uma implosão.
A primeira implosão foi num hotel de uns
vinte andares às margens do lago. Eu estava com febre alta e fui proibido pelo
médico de sair de casa. Vi a destruição pela televisão no exato momento em que
o fato ocorria.
A segunda implosão foi em um shopping center
abandonado no centro da cidade. Para evitar prejuízos na área comercial a
implosão foi programada para um domingo. Naquele domingo, sim justamente
naquele domingo, naquela hora, eu tive que buscar minha filha que estava
chegando de viagem. Vi a destruição pela televisão. Em replay.
A terceira implosão estava com dia e hora
marcada. Nada impediria que eu fosse ao local para ver a implosão de outro
shopping abandonado. Esperto, fui ao local com bastante antecedência.
Estacionei longe para não ter problemas com congestionamento na hora de ir
embora. Posicionei-me junto da fita de isolamento, sol pelas costas e montei o
tripé para a máquina fotográfica. Bati meia dúzia de fotos. Com objetiva, sem
objetiva. Maravilha. Quem sabe ainda ganho uns cobres com minhas fotos?
O sol estava forte. Faltavam só uns noventa
minutos. Uma hora antes da explosão, conforme anunciado, tocou uma sirene
alertando a população. Outra sirene tocou quando faltava meia hora. A explosão
seria às dez. Agüentei firme no calor. As pessoas empurrando para se aproximar
do limite imposto pela segurança. E eu ali firme com meu tripé. Comentei com um
fotógrafo profissional, que estava do meu lado, que o vento estava forte e que
a poeira da explosão viria rapidamente em nossa direção.
Virei-me para trás para perguntar as horas
quando ouvi o barulho de uma dezena de explosões. Liguei rapidamente a máquina,
a objetiva se moveu lentamente para frente. Dez segundos depois apertei o
obturador. Fotografei a poeira. Poeira que me cobriu antes da segunda foto.
Odioso novo governador. Bem que poderia ter
me telefonado avisando dez segundos antes da implosão. Minha foto virou pó.
17 outubro 2017
MEGASSENA
Com este conto conquistei o meu primeiro troféu literário.
Hoje é quinta-feira. Começo o dia cedo, como todos os outros. Levanto, faço a barba, tomo banho, me visto e escolho uma gravata para combinar com o dia.
Enquanto o café esquenta na velha chaleira, divido uma laranja com Bruna. Do pão francês fico com a parte de baixo. Ela escolheu a parte de cima há vinte e dois anos. Na metade superior, uma fatia de queijo, na inferior manteiga e geléia de uva. Cada um com sua xícara azul.
Escovo os dentes. Laceio a gravata em movimentos rápidos e automáticos.
Trocamos um beijo de hortelã.
– Vai com Deus!
– Fica com Deus!
Desço elevador. Ligo carro. Saio da garagem. Ouço noticiário. Estaciono no trabalho. Subo elevador.
– Bom-dia, Neuza! Bom-dia, José!
– Bom-dia, doutor Eduardo! – respondem os dois juntos com o office-boy.
Leio manchetes. Política, nacional, internacional, será que o Fluminense ganhou? Loterias, megassena: 06, 07, 09, 20, 27, 53. De novo: 06, 07, 09, 20, 27, 53. Será? Seis, sete, nove, vinte, vinte e sete, cinqüenta e três! Calma! Autocontrole! Fique na sua!
– Neuza, já tem café?
Meu Deus! Acumulada!
Abro a carteira e checo os números cuidadosamente mais uma vez. O número do concurso também é o mesmo. Dez, quinze anos, os mesmos números. Acaricio o papelzinho sentindo a euforia na ponta dos dedos. Parece que todos estão olhando para mim. Meu coração entra em ritmo de Marquês de Sapucaí, o sangue corre mais do que o Ayrton Senna. Descubro o que significa delirium tremens. Não é falta de álcool. Sinto falta de ar, de chão. Tudo internamente. Mantenho a fisionomia impassível, tal monge tibetano.
– Duas colheres, por favor. Pode levar o jornal.
Enquanto o café esquenta na velha chaleira, divido uma laranja com Bruna. Do pão francês fico com a parte de baixo. Ela escolheu a parte de cima há vinte e dois anos. Na metade superior, uma fatia de queijo, na inferior manteiga e geléia de uva. Cada um com sua xícara azul.
Escovo os dentes. Laceio a gravata em movimentos rápidos e automáticos.
Trocamos um beijo de hortelã.
– Vai com Deus!
– Fica com Deus!
Desço elevador. Ligo carro. Saio da garagem. Ouço noticiário. Estaciono no trabalho. Subo elevador.
– Bom-dia, Neuza! Bom-dia, José!
– Bom-dia, doutor Eduardo! – respondem os dois juntos com o office-boy.
Leio manchetes. Política, nacional, internacional, será que o Fluminense ganhou? Loterias, megassena: 06, 07, 09, 20, 27, 53. De novo: 06, 07, 09, 20, 27, 53. Será? Seis, sete, nove, vinte, vinte e sete, cinqüenta e três! Calma! Autocontrole! Fique na sua!
– Neuza, já tem café?
Meu Deus! Acumulada!
Abro a carteira e checo os números cuidadosamente mais uma vez. O número do concurso também é o mesmo. Dez, quinze anos, os mesmos números. Acaricio o papelzinho sentindo a euforia na ponta dos dedos. Parece que todos estão olhando para mim. Meu coração entra em ritmo de Marquês de Sapucaí, o sangue corre mais do que o Ayrton Senna. Descubro o que significa delirium tremens. Não é falta de álcool. Sinto falta de ar, de chão. Tudo internamente. Mantenho a fisionomia impassível, tal monge tibetano.
– Duas colheres, por favor. Pode levar o jornal.
No catálogo telefônico busco a Caixa Econômica Federal. Anoto meia dúzia de telefones e guardo no bolso da camisa. A manhã está improdutiva. Junto todas as forças para não declarar minha explosão interna e, ao mesmo tempo, me conter, aguardando o número de ganhadores com os quais terei que dividir dezessete, dezessete, dezessete maravilhosos, gostosos, vistosos, cheirosos milhões de reais. Oito milhões de dólares. Isso é dinheiro que só o cão! Isso é dinheiro em qualquer lugar do mundo!
Na hora do almoço, nem saio do estacionamento. Alucinadamente procuro nas estações do rádio a notícia com o número de vencedores. Nada! Angustiado parto em busca de uma lotérica.
– Me dá um volante da esportiva? É verdade que teve vencedor da Mega Sena daqui de Brasília?
– Sozinho! Cara rabudo! Se fosse eu largava emprego e mulher ao mesmo tempo. Ainda falava umas boas para cada um!
– Me dá um volante da esportiva? É verdade que teve vencedor da Mega Sena daqui de Brasília?
– Sozinho! Cara rabudo! Se fosse eu largava emprego e mulher ao mesmo tempo. Ainda falava umas boas para cada um!
Dirijo até a Caixa Econômica e do estacionamento, com o celular, ligo para o primeiro número guardado no bolso da camisa.
– Por favor, uma informação: acertei algumas quinas da megassena e gostaria de saber com quem devo conversar para retirar o dinheiro?
– Senhor, estamos na hora do almoço. Telefone mais tarde.
– Obrigado.
Ligo para o segundo número.
Para a mesma pergunta recebo a informação que devo conversar com o gerente Robson a partir das quatorze e trinta. Quinto andar.
– Por favor, uma informação: acertei algumas quinas da megassena e gostaria de saber com quem devo conversar para retirar o dinheiro?
– Senhor, estamos na hora do almoço. Telefone mais tarde.
– Obrigado.
Ligo para o segundo número.
Para a mesma pergunta recebo a informação que devo conversar com o gerente Robson a partir das quatorze e trinta. Quinto andar.
A pé, busco nas proximidades algum restaurante simples. Comida a peso. Vai manso, por enquanto você só tem um papelzinho amassado no bolso da calça. A consciência sempre mantém o diálogo aberto. Muita salada, frango grelhado e algumas verduras. A fome está presente, entretanto é difícil de engolir nesta tensão. Suco de maracujá para acalmar os nervos. Sento-me à mesa. Tenho a impressão de que todos estão olhando para mim. Será que está tão claro que sou o mais novo felizardo do planeta? Pago oito reais e setenta centavos. Exijo troco. Como sempre fiz.
Quatorze e trinta e cinco.
– O seu Robson se encontra?
– Pois não, em que posso ajudá-lo?
Meu coração lateja, sacode, pula.
– Acertei umas quinas da megassena e quero saber como sacar o dinheiro?
– Parabéns! Vamos abrir uma conta, senhor... como é mesmo seu nome?
– O seu Robson se encontra?
– Pois não, em que posso ajudá-lo?
Meu coração lateja, sacode, pula.
– Acertei umas quinas da megassena e quero saber como sacar o dinheiro?
– Parabéns! Vamos abrir uma conta, senhor... como é mesmo seu nome?
Debêntures, open market, IPC, IGP-M, impostos sobre aplicações financeiras, factoring, commercial papers, fundos de investimentos, mercados futuros, carteira de ativos... e três horas de aula foram suficientes para acreditar no profissionalismo do seu Robson.
Exatos dez por cento em aplicação de seis meses. Novecentos mil em outra aplicação de médio prazo. Cinqüenta mil em curto prazo. Disponibilizo aproximadamente trinta mil reais e o restante – já estou pirado – chamando quatorze milhões e oitocentos mil de restante, investidos em várias opções.
Exatos dez por cento em aplicação de seis meses. Novecentos mil em outra aplicação de médio prazo. Cinqüenta mil em curto prazo. Disponibilizo aproximadamente trinta mil reais e o restante – já estou pirado – chamando quatorze milhões e oitocentos mil de restante, investidos em várias opções.
Retorno tarde ao trabalho. Ninguém pergunta o porquê do meu atraso. É comum ter que visitar clientes após o almoço. Acho ótimo. Parece que o resto da tarde será absolutamente tranqüilo. Eu preciso acender uma vela e agradecer a Santo Expedito. Mentalmente começo a procurar a melhor forma de ajudar garotos carentes a se profissionalizarem. Não darei nada a eles, ensinarei. O quê, quem, aonde, como, são perguntas cujas respostas têm 10% e prazo de seis meses de aplicação.
À noite, o hábito. Jantamos e vimos mais um capítulo da novela. Após o noticiário, Bruna conversou longamente ao telefone enquanto o forno entrava em ação mais uma vez. Deliciosos pãezinhos de queijo para o futebol e a cerveja gelada. Bruna não desconfia de nada. Nem olha para mim.
Na sexta-feira não altero a rotina.
Barba, banho, gravata para combinar com o dia. Café, chaleira, laranja, Bruna, queijo, geléia de uva, xícara azul.
Elevador, garagem, noticiário, estacionamento, elevador.
– Bom-dia, Neuza! Bom-dia, José!
– Bom-dia, doutor Eduardo! – Responde o trio, incluído o office-boy.
Leio as manchetes. Política, nacional, internacional, esportes.
– Neuza, já tem café?
Duas diferenças imperceptíveis estavam presentes. Um talão de cheques recheado e a cabeça em convulsão. Ninguém estava mais olhando para mim. Estou disfarçando bem! Estou orgulhoso da minha estratégia.
Minha mesa tem poucos papéis. Telefono para a matriz em São Paulo e resolvo uma das três pendências. Com José troco algumas idéias e passo todas as informações a respeito da grande licitação da qual a empresa participará em quinze dias. Numa folha de papel rascunho o roteiro e listo as pessoas envolvidas no processo do projeto de lei que interessa à empresa. O resto é apenas o resto. Vou cuidar da minha vida.
Eu havia observado uma construção nova na Asa Norte, bairro nobre do Plano Piloto. Construtora séria, cumpridora de prazos, bons acabamentos. Alguns telefonemas depois descubro que o lançamento das unidades, apartamentos de três quartos, só deverá acontecer em duas ou três semanas. Agendo uma visita ao canteiro de obras com a finalidade de conhecer o projeto e os acabamentos. O engenheiro é obrigado a disponibilizar o memorial descritivo. Do corretor quero apenas conhecer as condições de compra e financiamento.
Após o expediente procuro Aninha. Minha doce e querida Aninha. Ela mora numa pequena quitinete. Eram conhecidos por apartamentos JK. Janela e Kuarto. Na cabeceira, um porta-retratos com uma foto onde aparecemos abraçados. Ao fundo o Pão de Açúcar. Quando completou vinte anos a levei para conhecer o Rio de Janeiro. Lá se vão outros dois anos. Debaixo do porta-retratos está o boleto para o aluguel da kit. Aninha fica muito constrangida e eu também não gosto do assunto. Deixo o dinheiro junto do porta-retratos e ninguém fala disso. Aninha é esforçada, durante o dia trabalha em escritório e à noite estuda. Forma-se no fim do ano em administração de empresas. O dinheiro está muito curto. Apesar da insistência de Aninha, saio para não aborrecer Bruna.
O jantar e a novela me aguardam.
Barba, banho, gravata para combinar com o dia. Café, chaleira, laranja, Bruna, queijo, geléia de uva, xícara azul.
Elevador, garagem, noticiário, estacionamento, elevador.
– Bom-dia, Neuza! Bom-dia, José!
– Bom-dia, doutor Eduardo! – Responde o trio, incluído o office-boy.
Leio as manchetes. Política, nacional, internacional, esportes.
– Neuza, já tem café?
Duas diferenças imperceptíveis estavam presentes. Um talão de cheques recheado e a cabeça em convulsão. Ninguém estava mais olhando para mim. Estou disfarçando bem! Estou orgulhoso da minha estratégia.
Minha mesa tem poucos papéis. Telefono para a matriz em São Paulo e resolvo uma das três pendências. Com José troco algumas idéias e passo todas as informações a respeito da grande licitação da qual a empresa participará em quinze dias. Numa folha de papel rascunho o roteiro e listo as pessoas envolvidas no processo do projeto de lei que interessa à empresa. O resto é apenas o resto. Vou cuidar da minha vida.
Eu havia observado uma construção nova na Asa Norte, bairro nobre do Plano Piloto. Construtora séria, cumpridora de prazos, bons acabamentos. Alguns telefonemas depois descubro que o lançamento das unidades, apartamentos de três quartos, só deverá acontecer em duas ou três semanas. Agendo uma visita ao canteiro de obras com a finalidade de conhecer o projeto e os acabamentos. O engenheiro é obrigado a disponibilizar o memorial descritivo. Do corretor quero apenas conhecer as condições de compra e financiamento.
Após o expediente procuro Aninha. Minha doce e querida Aninha. Ela mora numa pequena quitinete. Eram conhecidos por apartamentos JK. Janela e Kuarto. Na cabeceira, um porta-retratos com uma foto onde aparecemos abraçados. Ao fundo o Pão de Açúcar. Quando completou vinte anos a levei para conhecer o Rio de Janeiro. Lá se vão outros dois anos. Debaixo do porta-retratos está o boleto para o aluguel da kit. Aninha fica muito constrangida e eu também não gosto do assunto. Deixo o dinheiro junto do porta-retratos e ninguém fala disso. Aninha é esforçada, durante o dia trabalha em escritório e à noite estuda. Forma-se no fim do ano em administração de empresas. O dinheiro está muito curto. Apesar da insistência de Aninha, saio para não aborrecer Bruna.
O jantar e a novela me aguardam.
Sábado é dia de levar a roupa à lavanderia, fazer compras no supermercado, lavar o carro, mandar consertar novamente o liqüidificador... Faço tudo com enorme rapidez. Sobrou um pouco de tempo para passar em uma agência de turismo e pegar alguns folders de turismo. Roteiros na terra de Monet, Cézanne e Toulouse-Lautrec. Escondo tudo num envelope pardo. No porta-malas.
O encontro para a sagrada feijoada dos sábados tem hora certa para começar. Terminar, só quando o dia virar noite. Entupidos de alegria, feijoada e cerveja.
Domingo é dia de preguiçar. Sempre foi. Sempre será. Preguiça de levantar, preguiça de fazer a barba, preguiça de ler o jornal, preguiça de tirar o pijama, preguiça de mudar de canal... Não pode ter preguiça de fazer o almoço nem de dormir depois do almoço. O dia acabou depois do futebol e o dos fantásticos gols. E o segredo não foi revelado, nem descoberto.
Barba, banho, gravata para combinar com o dia. Café, chaleira, laranja, Bruna, queijo, geléia de uva, xícara azul.
Elevador, garagem, noticiário, estacionamento, elevador.
– Bom-dia, Neuza! Bom-dia, José!
– Bom-dia, doutor Eduardo! – Respondeu o grupo, incluindo o office-boy.
Leio as manchetes. Política, nacional, internacional, loterias, megassena. Prêmio do vencedor: novecentos e sessenta mil reais.
Seu Robson acertou em cheio: o valor do prêmio do vencedor seria em torno de novecentos e cinqüenta mil reais.
– Neuza, por favor, providencie uma passagem para São Paulo, amanhã no primeiro horário, com volta prevista ao fim do dia.
Tenho sorte mais uma vez. Somente um ganhador. Meu álibi está pronto. Escrevo a carta de demissão em caráter irrevogável, por razões pessoais. Preparo um breve relatório das minhas atividades e esboço um mapa para futuras intervenções da empresa em terras e gabinetes candangos. Elogios para José que já está em condições de pegar no timão e comandar a nau brasiliense.
À tarde visito o canteiro da obra. Certifico-me da posição solar. Sala em forma de ele, suíte e banheiro social, pisos em granito. Vista para o lago. Varanda na sala. Aninha terá uma varanda para colocar suas plantas e eu terei espaço para dormir na rede após um delicioso almoço. Aninha tem muitos predicados. A cozinha é um deles. Eu ainda terei que comprar os móveis. Aninha é exigente e tem muito bom gosto.
Com o corretor a conversa é fácil. Quinto andar, de canto. Ele quer vender e eu comprar. Consigo um contrato diferenciado. Cinqüenta por cento de entrada, trinta por cento na entrega das chaves e o restante assim que não houver nenhuma pendência construtiva no imóvel. Ainda escolho a melhor vaga da garagem. Guardo num envelope com timbre da Construtora.
Chego cedo em casa. Bruna me recebe alegre dizendo que fez uma canja de galinha especial, do jeitinho que eu gostava. Se fosse por ela, teríamos faisão. Eu só estava pensando naquela dinheirama toda. No meu segredo e no apartamento que comprei à tarde.
– Deliciosa canja! – Murmurei, ao servir-me pela segunda vez. – Terei que viajar para São Paulo amanhã. Retorno à noite.
– O que você tem, Edu? Está tão quieto! Alguma coisa no trabalho?
– Apenas cansado. Tem café?
Eu não quero conversar. Poderei externar meus sentimentos e o meu segredo. Bruna vai saber na hora certa. Da forma que merece! Não agora.
Durante a novela Bruna ainda pergunta, mais uma vez, se está tudo bem. E mais uma vez respondo que estou um pouco cansado. Levanto e vou dormir.
O encontro para a sagrada feijoada dos sábados tem hora certa para começar. Terminar, só quando o dia virar noite. Entupidos de alegria, feijoada e cerveja.
Domingo é dia de preguiçar. Sempre foi. Sempre será. Preguiça de levantar, preguiça de fazer a barba, preguiça de ler o jornal, preguiça de tirar o pijama, preguiça de mudar de canal... Não pode ter preguiça de fazer o almoço nem de dormir depois do almoço. O dia acabou depois do futebol e o dos fantásticos gols. E o segredo não foi revelado, nem descoberto.
Barba, banho, gravata para combinar com o dia. Café, chaleira, laranja, Bruna, queijo, geléia de uva, xícara azul.
Elevador, garagem, noticiário, estacionamento, elevador.
– Bom-dia, Neuza! Bom-dia, José!
– Bom-dia, doutor Eduardo! – Respondeu o grupo, incluindo o office-boy.
Leio as manchetes. Política, nacional, internacional, loterias, megassena. Prêmio do vencedor: novecentos e sessenta mil reais.
Seu Robson acertou em cheio: o valor do prêmio do vencedor seria em torno de novecentos e cinqüenta mil reais.
– Neuza, por favor, providencie uma passagem para São Paulo, amanhã no primeiro horário, com volta prevista ao fim do dia.
Tenho sorte mais uma vez. Somente um ganhador. Meu álibi está pronto. Escrevo a carta de demissão em caráter irrevogável, por razões pessoais. Preparo um breve relatório das minhas atividades e esboço um mapa para futuras intervenções da empresa em terras e gabinetes candangos. Elogios para José que já está em condições de pegar no timão e comandar a nau brasiliense.
À tarde visito o canteiro da obra. Certifico-me da posição solar. Sala em forma de ele, suíte e banheiro social, pisos em granito. Vista para o lago. Varanda na sala. Aninha terá uma varanda para colocar suas plantas e eu terei espaço para dormir na rede após um delicioso almoço. Aninha tem muitos predicados. A cozinha é um deles. Eu ainda terei que comprar os móveis. Aninha é exigente e tem muito bom gosto.
Com o corretor a conversa é fácil. Quinto andar, de canto. Ele quer vender e eu comprar. Consigo um contrato diferenciado. Cinqüenta por cento de entrada, trinta por cento na entrega das chaves e o restante assim que não houver nenhuma pendência construtiva no imóvel. Ainda escolho a melhor vaga da garagem. Guardo num envelope com timbre da Construtora.
Chego cedo em casa. Bruna me recebe alegre dizendo que fez uma canja de galinha especial, do jeitinho que eu gostava. Se fosse por ela, teríamos faisão. Eu só estava pensando naquela dinheirama toda. No meu segredo e no apartamento que comprei à tarde.
– Deliciosa canja! – Murmurei, ao servir-me pela segunda vez. – Terei que viajar para São Paulo amanhã. Retorno à noite.
– O que você tem, Edu? Está tão quieto! Alguma coisa no trabalho?
– Apenas cansado. Tem café?
Eu não quero conversar. Poderei externar meus sentimentos e o meu segredo. Bruna vai saber na hora certa. Da forma que merece! Não agora.
Durante a novela Bruna ainda pergunta, mais uma vez, se está tudo bem. E mais uma vez respondo que estou um pouco cansado. Levanto e vou dormir.
No avião abro o envelope pardo e estudo as possibilidades francesas.
Às nove horas em ponto estou na matriz. Sou logo recebido pelo Dr. Rubens. Com o café ainda na xícara entrego a minha demissão e o planejamento para as futuras ações da empresa em Brasília.
Dr. Rubens sempre que tem um problema fica silencioso por um longo minuto esfregando o lóbulo da orelha esquerda entre o polegar e o indicador.
– Ok, Eduardo. Entendi e respeito sua posição. Agora, cá entre nós, qual é o verdadeiro motivo?
Pergunto se ele ainda se lembrava da história daquela tia querida que morava seis meses em Paris e seis meses no Rio de Janeiro. Logo após a afirmativa explico que ela faleceu algum tempo atrás e que no espólio fiquei como herdeiro único. Terei que viajar em breve para a França para resolver algumas questões burocráticas.
Dr. Rubens sempre foi muito prático. Aproveitou minha presença e questionou sobre a capacidade do José, o quanto estava a par dos interesses da empresa, se conhecia nossos clientes, se eu poderia indicar alguém para a atual função de José e todas aquelas coisas que se perguntam num momento destes. Declinei do convite para almoçarmos juntos. Ainda queria aproveitar a tarde para resolver mais uma coisinha.
Saio a pé. Necessito caminhar um pouco para aliviar minha tensão de blefador. No centro da cidade não sinto segurança. Entro no metrô, troco de linha na estação Paraíso e desembarco em frente ao MASP. Caminho uma quadra e faço um lanche rápido. Encontro uma agência de turismo de gente graúda.
Eu sei o que quero. Um mês na França, ou mais. Dez dias em Paris. Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Louvre, Sena, Notre Dame, Moullin Rouge, Sorbonne, Maxim´s, Place Vendôme, Museu Baccarat, Ópera de Paris, Basílica Sacré-Coeur, Folies Pigalle. Meu Deus, quantas opções! Bordeaux, Montpellier, Marseille, St.Tropez, Toulon, Nice, Cannes, Lyon. Quantos roteiros! Quantas possibilidades! Vualá!
A experiência da agente foi fundamental. Preparou um pacote para turistas de primeira viagem. Pacote embrulhado com laço de fitas, para presente!
Antes do terceiro cafezinho estava com as duas passagens na mão. Guardo as passagens e os roteiros em envelope branco.
Em dez dias embarcaremos e ela conhecerá um pouco mais do que o Rio de Janeiro.
Ainda na agência de turismo ligo para Aninha.
– Aninha, vou falar rápido porque estou quase sem bateria! Sei que você tem aula, entretanto me espere às oito, lá no Beirute. Tenho que conversar com você! Chame também sua mãe. Vou desligar. Estou falando de São Paulo. Beijos, até daqui a pouco.
Às nove horas em ponto estou na matriz. Sou logo recebido pelo Dr. Rubens. Com o café ainda na xícara entrego a minha demissão e o planejamento para as futuras ações da empresa em Brasília.
Dr. Rubens sempre que tem um problema fica silencioso por um longo minuto esfregando o lóbulo da orelha esquerda entre o polegar e o indicador.
– Ok, Eduardo. Entendi e respeito sua posição. Agora, cá entre nós, qual é o verdadeiro motivo?
Pergunto se ele ainda se lembrava da história daquela tia querida que morava seis meses em Paris e seis meses no Rio de Janeiro. Logo após a afirmativa explico que ela faleceu algum tempo atrás e que no espólio fiquei como herdeiro único. Terei que viajar em breve para a França para resolver algumas questões burocráticas.
Dr. Rubens sempre foi muito prático. Aproveitou minha presença e questionou sobre a capacidade do José, o quanto estava a par dos interesses da empresa, se conhecia nossos clientes, se eu poderia indicar alguém para a atual função de José e todas aquelas coisas que se perguntam num momento destes. Declinei do convite para almoçarmos juntos. Ainda queria aproveitar a tarde para resolver mais uma coisinha.
Saio a pé. Necessito caminhar um pouco para aliviar minha tensão de blefador. No centro da cidade não sinto segurança. Entro no metrô, troco de linha na estação Paraíso e desembarco em frente ao MASP. Caminho uma quadra e faço um lanche rápido. Encontro uma agência de turismo de gente graúda.
Eu sei o que quero. Um mês na França, ou mais. Dez dias em Paris. Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Louvre, Sena, Notre Dame, Moullin Rouge, Sorbonne, Maxim´s, Place Vendôme, Museu Baccarat, Ópera de Paris, Basílica Sacré-Coeur, Folies Pigalle. Meu Deus, quantas opções! Bordeaux, Montpellier, Marseille, St.Tropez, Toulon, Nice, Cannes, Lyon. Quantos roteiros! Quantas possibilidades! Vualá!
A experiência da agente foi fundamental. Preparou um pacote para turistas de primeira viagem. Pacote embrulhado com laço de fitas, para presente!
Antes do terceiro cafezinho estava com as duas passagens na mão. Guardo as passagens e os roteiros em envelope branco.
Em dez dias embarcaremos e ela conhecerá um pouco mais do que o Rio de Janeiro.
Ainda na agência de turismo ligo para Aninha.
– Aninha, vou falar rápido porque estou quase sem bateria! Sei que você tem aula, entretanto me espere às oito, lá no Beirute. Tenho que conversar com você! Chame também sua mãe. Vou desligar. Estou falando de São Paulo. Beijos, até daqui a pouco.
O momento é especial. Chego um pouco antes, solicito um prato de quibes e peço uma cerveja. Minha cabeça está novamente acelerada.
– Garçom, por favor, dê uma olhada na minha mesa. Vou até o carro e já volto.
Retorno rapidamente com o envelope branco.
Aninha chegou esbaforida e quase de forma mal-educada perguntou o que é que havia de tão urgente?
Estou muito ansioso. Guardando segredos e fazendo mistérios, pedindo demissão – tanto dinheiro... Resolvo entrar em erupção.
Estendo o envelope com o timbre da construtora.
– Não estou entendendo direito. Você comprou um enorme apartamento? ... você... eu... está no meu nome...
Aninha pulou da cadeira e me abraçou como criancinha, e como criancinha sentou no meu colo. Não parava de rir e de me abraçar.
Neste exato momento, Bruna aparece.
E grita de longe.
– Que bagunça é essa?
Todos olham para mim.
– Mãe, papai comprou um apartamento para mim!
Bruna sempre foi muito esbanjadora e ciumenta e logo perguntou de onde veio o dinheiro para isso.
– Antes de responder, gostaria que abrisse este envelope. Estendo a mão com envelope branco, o das passagens e o roteiro.
Será que a cadeira aguenta? Somos três figuras abraçadas pulando loucamente de alegria.
– Garçom, por favor, dê uma olhada na minha mesa. Vou até o carro e já volto.
Retorno rapidamente com o envelope branco.
Aninha chegou esbaforida e quase de forma mal-educada perguntou o que é que havia de tão urgente?
Estou muito ansioso. Guardando segredos e fazendo mistérios, pedindo demissão – tanto dinheiro... Resolvo entrar em erupção.
Estendo o envelope com o timbre da construtora.
– Não estou entendendo direito. Você comprou um enorme apartamento? ... você... eu... está no meu nome...
Aninha pulou da cadeira e me abraçou como criancinha, e como criancinha sentou no meu colo. Não parava de rir e de me abraçar.
Neste exato momento, Bruna aparece.
E grita de longe.
– Que bagunça é essa?
Todos olham para mim.
– Mãe, papai comprou um apartamento para mim!
Bruna sempre foi muito esbanjadora e ciumenta e logo perguntou de onde veio o dinheiro para isso.
– Antes de responder, gostaria que abrisse este envelope. Estendo a mão com envelope branco, o das passagens e o roteiro.
Será que a cadeira aguenta? Somos três figuras abraçadas pulando loucamente de alegria.
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