A PRESENÇA DE UM MODERNO ESQUECIDO
Urbano, isolado no limite, a nascente, do tecido urbano da cidade de Rio Maior – em elevação sobranceira à recentemente inaugurada Avenida Dr. Mário Soares, ergue-se, monumental, o derradeiro testemunho de uma época fulgurante da história contemporânea riomaiorense, solidamente eternizado nas arestas de uma volumetria purista.
Materialização última do esforço de uma comunidade, elevada sobre meio século de um rumoroso movimento humano, obscuro – justificação final do empenho de tantas faces anónimas que ainda hoje a contemplam.
Presença expectante, ubíqua, detendo-nos a cada momento pelos percursos da cidade, persiste, afrontando o avanço de um envolvente manto genérico, nivelador.
Não relativizável, mas no entanto vulnerável ao esquecimento. Evidente, mas no entanto invisível ao olhar que não interroga, a Fábrica de Briquetes da Mina de Lignite do Espadanal espera o tempo de ressurgir – ícone da Identidade riomaiorense.
Edifício industrial para processamento de minério, integrado num vasto complexo mineiro composto por três planos fundamentais: - Extracção, Processamento e Transporte.
A Fábrica de Briquetes é um sistema edificado que integra as secções de produção de energia, armazenamento (silos), secagem, prensagem e exportação de lignite para o cais de embarque.
O PERÍODO MINEIRO. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE RIOMAIORENSE
Remonta ao período da Primeira Guerra Mundial o reconhecimento da Mina de Lignite do Espadanal, localizada por Aires Augusto Mesquita de Sá e pelo Padre Hymalaia em 1916, e registada por António Custódio dos Santos, proeminente republicano, director do jornal “O Riomaiorense”, em acção de marcada controvérsia que o levaria mais tarde ao exílio no Brasil, após um curto período de exploração mineira em sociedade com a empresa Leite, Sobrinhos e C.a.
É no dealbar da década de 20, período de paz entre guerras, que se estabelecem os fundamentos do futuro desenvolvimento industrial. Em escritura pública de 15 de Setembro de 1920, constitui-se aquele que virá a ser o principal interveniente até ao encerramento da mina, assumindo os activos da exploração em 1923: a Empresa Industrial Carbonífera e Electrotécnica L.da – com uma sigla que marcará de forma indelével o século XX em Rio Maior.
As décadas que se seguiram – meio século sob o signo da E.I.C.E.L. – prefiguraram a concretização de um longamente acalentado desígnio de progresso industrial. Época estruturante da História riomaiorense, aliando a uma intensa actividade produtiva um impacto económico e cultural decisivo na transição da local ruralidade oitocentista para uma modernidade sonhada e então finalmente possível – fundando o seu sucesso num afluxo migratório sem precedentes, movido por uma nova capacidade de trabalho e novos valores – progressiva infusão de uma urbanidade diversa, reflectida no desenvolvimento de novos conceitos de acção social e cultural que moldariam uma renovada comunidade riomaiorense.
A INTERVENÇÃO DO ESTADO. RIO MAIOR, RESERVA DE COMBUSTÍVEL NACIONAL
A exploração mineira riomaiorense teve importância vital, comprovada, na produção energética nacional durante a 2ª Guerra Mundial, constituindo o seu desenvolvimento um avultado investimento público, continuado no I Plano de Fomento Nacional, o que confere a este conjunto a qualidade de documento da política económica nacional das décadas de 40 e 50, patente na participação dominante do Estado na gestão da empresa concessionária, na criação de diversa legislação impulsionadora da exploração e aceitação no mercado das lignites de Rio Maior e simultaneamente no patrocínio activo e enquadramento legal das infra-estruturas.
Em 19 de Setembro de 1942, através do decreto-lei nº 32270, como resposta às crescentes dificuldades de importação de carvões, as minas de Rio Maior são chamadas a cumprir uma função de reserva de combustível nacional, iniciando um período de actividade intensa, com um aumento exponencial das tonelagens de minério extraídas.
Das premissas do decreto-lei nº 32270 uma, em particular, encontrará eco profundo na população local: a construção de uma via-férrea entre Rio Maior e o Vale de Santarém para transporte de minério. A criação desta nova infra-estrutura, inaugurada em 24 de Abril de 1945, surge como um sinal de irreversível progresso aos olhos de uma comunidade que, em luta acesa desde o início do século, reivindicava a ligação das linhas-férreas do Norte e do Oeste, com passagem por Rio Maior. No entanto, a concretização total desse desígnio, acalentado até ao final do período mineiro, não se verificaria.
O final do conflito europeu e o restabelecimento do normal fornecimento de combustíveis colocam às Minas do Espadanal, no final da década de 40, o desafio da viabilização económica de um vasto sistema produtivo e social criado, no qual a empresa concessionária será decisivamente secundada pelo Estado.
A solução ponderada prevê, pela primeira vez, a construção de uma central termoeléctrica, autorizada em 1950 por despacho do Ministro da Economia mas logo ultrapassada pela política em curso, de fomento da energia hidroeléctrica.
A EDIFICAÇÃO DA FÁBRICA DE BRIQUETES
Inviabilizada a solução pela produção de electricidade, a empresa decide em Janeiro de 1951, a instalação definitiva de uma Fábrica de Briquetes, substituindo instalações provisórias em laboração desde 1949.
Em 25 de Novembro do mesmo ano, o projecto da futura fábrica, da autoria conjunta do Gabinete de Desenho da E.I.C.E.L. e dos engenheiros alemães Helmudth Kuhn e Lipe, é apresentado pelo director técnico da empresa concessionária, Eng.º Luís de Abreu Falcão Mena, ao Ministro da Economia, Dr. Ulisses Cortês, em visita às instalações da mina.
A autorização governamental surge então em despacho de Junho de 1952 com a atribuição de um financiamento de 30.000 contos pelo Fundo de Fomento Nacional e em Outubro desse ano têm início os trabalhos de construção, em empreitada arrematada à firma Sociedade Sanfer L.da, de Lisboa.
Após um processo de edificação acompanhado com grande interesse pela imprensa local e destacado em diferentes diários de tiragem nacional, a monumental Fábrica de Briquetes iniciou a laboração em Junho de 1955.
As décadas de 50 e 60 assistem ao auge da indústria mineira riomaiorense, com o crescimento da acção social e cultural – marcada pela actividade do Clube de Futebol “Os Mineiros”, pela criação de uma escola para adultos em 1956, pela edificação do Bairro mineiro de St.a Bárbara em 1959 e pela ampliação dos serviços médico-sociais em 1962 – mas prenunciam também o declínio, num crescendo de contestação laboral até à suspensão em 1969, com vista a uma reestruturação da produção, assente num método de exploração a céu aberto e instalação de uma central termoeléctrica. Em 1970 os activos da Mina do Espadanal são transmitidos à Companhia Portuguesa de Electricidade (actual EDP) e a E.I.C.E. (S.A.R.L.) é então liquidada.
Durante a década de 70 e parte da década de 80 continuam os estudos para a sucessivamente malograda instalação de uma central termoeléctrica, que redundariam em insucesso e definitiva anulação da concessão mineira em 1988.
No ano de 1999, as diversas parcelas do couto mineiro, num total de 110.380m2 são adquiridas pela Câmara Municipal de Rio Maior, assegurando uma gestão riomaiorense do mais importante documento da memória colectiva local.
Sob a presente responsabilidade temporal do Município, a Fábrica de Briquetes, obstinada remanescência do passado mineiro, constitui um inquestionável legado – pertença, por direito, das gerações de um Rio Maior futuro.
Materialização última do esforço de uma comunidade, elevada sobre meio século de um rumoroso movimento humano, obscuro – justificação final do empenho de tantas faces anónimas que ainda hoje a contemplam.
Presença expectante, ubíqua, detendo-nos a cada momento pelos percursos da cidade, persiste, afrontando o avanço de um envolvente manto genérico, nivelador.
Não relativizável, mas no entanto vulnerável ao esquecimento. Evidente, mas no entanto invisível ao olhar que não interroga, a Fábrica de Briquetes da Mina de Lignite do Espadanal espera o tempo de ressurgir – ícone da Identidade riomaiorense.
Edifício industrial para processamento de minério, integrado num vasto complexo mineiro composto por três planos fundamentais: - Extracção, Processamento e Transporte.
A Fábrica de Briquetes é um sistema edificado que integra as secções de produção de energia, armazenamento (silos), secagem, prensagem e exportação de lignite para o cais de embarque.
O PERÍODO MINEIRO. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE RIOMAIORENSE
Remonta ao período da Primeira Guerra Mundial o reconhecimento da Mina de Lignite do Espadanal, localizada por Aires Augusto Mesquita de Sá e pelo Padre Hymalaia em 1916, e registada por António Custódio dos Santos, proeminente republicano, director do jornal “O Riomaiorense”, em acção de marcada controvérsia que o levaria mais tarde ao exílio no Brasil, após um curto período de exploração mineira em sociedade com a empresa Leite, Sobrinhos e C.a.
É no dealbar da década de 20, período de paz entre guerras, que se estabelecem os fundamentos do futuro desenvolvimento industrial. Em escritura pública de 15 de Setembro de 1920, constitui-se aquele que virá a ser o principal interveniente até ao encerramento da mina, assumindo os activos da exploração em 1923: a Empresa Industrial Carbonífera e Electrotécnica L.da – com uma sigla que marcará de forma indelével o século XX em Rio Maior.
As décadas que se seguiram – meio século sob o signo da E.I.C.E.L. – prefiguraram a concretização de um longamente acalentado desígnio de progresso industrial. Época estruturante da História riomaiorense, aliando a uma intensa actividade produtiva um impacto económico e cultural decisivo na transição da local ruralidade oitocentista para uma modernidade sonhada e então finalmente possível – fundando o seu sucesso num afluxo migratório sem precedentes, movido por uma nova capacidade de trabalho e novos valores – progressiva infusão de uma urbanidade diversa, reflectida no desenvolvimento de novos conceitos de acção social e cultural que moldariam uma renovada comunidade riomaiorense.
A INTERVENÇÃO DO ESTADO. RIO MAIOR, RESERVA DE COMBUSTÍVEL NACIONAL
A exploração mineira riomaiorense teve importância vital, comprovada, na produção energética nacional durante a 2ª Guerra Mundial, constituindo o seu desenvolvimento um avultado investimento público, continuado no I Plano de Fomento Nacional, o que confere a este conjunto a qualidade de documento da política económica nacional das décadas de 40 e 50, patente na participação dominante do Estado na gestão da empresa concessionária, na criação de diversa legislação impulsionadora da exploração e aceitação no mercado das lignites de Rio Maior e simultaneamente no patrocínio activo e enquadramento legal das infra-estruturas.
Em 19 de Setembro de 1942, através do decreto-lei nº 32270, como resposta às crescentes dificuldades de importação de carvões, as minas de Rio Maior são chamadas a cumprir uma função de reserva de combustível nacional, iniciando um período de actividade intensa, com um aumento exponencial das tonelagens de minério extraídas.
Das premissas do decreto-lei nº 32270 uma, em particular, encontrará eco profundo na população local: a construção de uma via-férrea entre Rio Maior e o Vale de Santarém para transporte de minério. A criação desta nova infra-estrutura, inaugurada em 24 de Abril de 1945, surge como um sinal de irreversível progresso aos olhos de uma comunidade que, em luta acesa desde o início do século, reivindicava a ligação das linhas-férreas do Norte e do Oeste, com passagem por Rio Maior. No entanto, a concretização total desse desígnio, acalentado até ao final do período mineiro, não se verificaria.
O final do conflito europeu e o restabelecimento do normal fornecimento de combustíveis colocam às Minas do Espadanal, no final da década de 40, o desafio da viabilização económica de um vasto sistema produtivo e social criado, no qual a empresa concessionária será decisivamente secundada pelo Estado.
A solução ponderada prevê, pela primeira vez, a construção de uma central termoeléctrica, autorizada em 1950 por despacho do Ministro da Economia mas logo ultrapassada pela política em curso, de fomento da energia hidroeléctrica.
A EDIFICAÇÃO DA FÁBRICA DE BRIQUETES
Inviabilizada a solução pela produção de electricidade, a empresa decide em Janeiro de 1951, a instalação definitiva de uma Fábrica de Briquetes, substituindo instalações provisórias em laboração desde 1949.
Em 25 de Novembro do mesmo ano, o projecto da futura fábrica, da autoria conjunta do Gabinete de Desenho da E.I.C.E.L. e dos engenheiros alemães Helmudth Kuhn e Lipe, é apresentado pelo director técnico da empresa concessionária, Eng.º Luís de Abreu Falcão Mena, ao Ministro da Economia, Dr. Ulisses Cortês, em visita às instalações da mina.
A autorização governamental surge então em despacho de Junho de 1952 com a atribuição de um financiamento de 30.000 contos pelo Fundo de Fomento Nacional e em Outubro desse ano têm início os trabalhos de construção, em empreitada arrematada à firma Sociedade Sanfer L.da, de Lisboa.
Após um processo de edificação acompanhado com grande interesse pela imprensa local e destacado em diferentes diários de tiragem nacional, a monumental Fábrica de Briquetes iniciou a laboração em Junho de 1955.
As décadas de 50 e 60 assistem ao auge da indústria mineira riomaiorense, com o crescimento da acção social e cultural – marcada pela actividade do Clube de Futebol “Os Mineiros”, pela criação de uma escola para adultos em 1956, pela edificação do Bairro mineiro de St.a Bárbara em 1959 e pela ampliação dos serviços médico-sociais em 1962 – mas prenunciam também o declínio, num crescendo de contestação laboral até à suspensão em 1969, com vista a uma reestruturação da produção, assente num método de exploração a céu aberto e instalação de uma central termoeléctrica. Em 1970 os activos da Mina do Espadanal são transmitidos à Companhia Portuguesa de Electricidade (actual EDP) e a E.I.C.E. (S.A.R.L.) é então liquidada.
Durante a década de 70 e parte da década de 80 continuam os estudos para a sucessivamente malograda instalação de uma central termoeléctrica, que redundariam em insucesso e definitiva anulação da concessão mineira em 1988.
No ano de 1999, as diversas parcelas do couto mineiro, num total de 110.380m2 são adquiridas pela Câmara Municipal de Rio Maior, assegurando uma gestão riomaiorense do mais importante documento da memória colectiva local.
Sob a presente responsabilidade temporal do Município, a Fábrica de Briquetes, obstinada remanescência do passado mineiro, constitui um inquestionável legado – pertença, por direito, das gerações de um Rio Maior futuro.
Nuno Alexandre Rocha. Arq.