O Uruguai continua a exercer
um fascínio fantástico sobre o caçador por razões facilmente explicáveis
através da magia que um cenário de caça que alia a beleza da natureza, ao
sentimento de liberdade e à existência de espécies cinegéticas bravias no seu
estado mais puro. A cumplicidade do caçador com o seu cão de parar atinge neste
País um patamar que já não se encontra na Europa. Caçar no Uruguai implica, no
meu caso, levar comigo sempre um dos meus cães de parar; seria impensável fazer
este programa de caça à perdiz uruguaia e às grandes lebres que povoam os
campos deste País sem a companhia do meu cão de parar. A opção do cão a levar é
uma tarefa difícil e mesmo penosa. Invariavelmente a escolha tem por base
critérios relacionados com o peso do cão, o seu tamanho, polivalência, e a
resistência. Consequentemente os escolhidos são sempre os Epagneul Bretões, não
porque sejam melhores caçadores do que a minha Setter Inglesa Smart mas porque
cumprem com os requisitos atrás referenciados. Caçar, todos eles caçam, já que
desde pequenos foram treinados na codorniz brava açoriana o que constitui um
Doutoramento para as outras espécies, incluindo a Galinhola, mas o Epagneul
Bretão pesa quase metade da Setter.
A logística da deslocação para
caçar no Uruguai não é nada fácil, a começar pela viagem de avião cada vez mais
exigente em consequência das crescentes regras de segurança, que se compreende
na atual conjuntura internacional. O que já não se compreende são os constantes
atrasos nos voos e o extravio de bagagem com todos os inconvenientes graves que
provocam. Viajar hoje de avião é cada vez mais um sacrifício. Mas para caçar lá
vamos suportando estes constrangimentos e como diz a minha mulher quando me
queixo "quem corre por gosto não cansa".
Caçar no Uruguai requer um
conhecimento e apoio de uma espingardaria no Uruguai para a
importação/legalização da nossa arma de caça, compra das munições e obtenção
das licenças de caça junto dos respetivos Serviços Oficiais. Sem estes documentos
é impossível exercer o ato venatório. Acresce a necessidade de termos o apoio
de amigos locais que conheçam os donos dos terrenos em que pretendemos caçar,
pois no Uruguai a caça pertence aos proprietários das explorações agrícolas. As
autorizações para se caçar nos terrenos são concedidas mediante o pagamento de
uma propina ao dono das terras de cerca de 30 dólares americanos por arma.
No meu caso e dos amigos que
me acompanham nestas caçadas no Uruguai temos optado sempre por exercer o ato
venatório no Departamento de Flores, o mais novo Departamento do Uruguai que
tem como capital Trinidad e que se localiza a cerca de 200 km de Montevideu. O
Departamento de Flores tem uma economia tipicamente agrária com muita pecuária
de bovinos e caprinos e com importantes produções de cereais de soja e sorgo,
já que a cultura do girassol foi progressivamente abandonada devido aos graves
prejuízos provocados pelos milhares e milhares de rolas. O Departamento de
Flores também é conhecido pelo seu granito que confere à paisagem agrícola uma
beleza única e favorece a presença das grandes lebres uruguaias. A existência
de muita água é mais um elemento favorável ao desenvolvimento das espécies
selvagens, incluindo animais como a lontra que não se pode caçar e bem. Nos
dias de hoje é ainda possível num dia de caça o nosso cão de parar amarrar
perdizes, lebres e narcejas, ao mesmo tempo que por cima de nós estão
permanentemente a circular bandos de rolas, pombos bravos, patos de diversas
espécies e uma grande diversidade de aves com portes diferentes e cores lindas
que impressionam pela sua exuberância. Estamos pois perante um dos últimos
paraísos de caça em estado selvagem e um tesouro das mais variadas e exóticas
aves e outros animais que habitam o nosso planeta.
Tal como já escrevi em artigos
sobre o Uruguai, este paraíso tem ameaças muito fortes que, a prazo, farão
perigar a sua sustentabilidade, pois a agricultura crescente e intensiva da
soja, a utilização de pesticidas e outros químicos conduz a um esgotamento dos
solos diminuindo o seu fundo de fertilidade e matando indiscriminadamente todos
os animais que frequentam este habitat, incluindo as perdizes e as lebres.
Quando olho para este tipo de agricultura vem-me sempre à memória o Alentejo e
a campanha do trigo, politica então desenvolvida sem os meios e os pesticidas
que estão a ser utilizados hoje, logo as consequências no Uruguai poderão ser
bem piores.
As autoridades do Uruguai tem
vindo reduzir os limites de caça à perdiz fixando atualmente o limite máximo em
10 exemplares que se podem cobrar por dia. Ainda há bem pouco tempo este limite
era de 20 perdizes. Devo esclarecer que, nos dias de hoje, só com cães como os
nossos conseguimos cobrar aquele limite, os caçadores espanhóis, franceses,
italianos e mesmo brasileiros com quem nos cruzamos nunca atingiram o limite
das 10 perdizes e isto já é em parte resultado do que atrás referi. Em síntese,
não são os caçadores que põem em perigo as espécies cinegéticas, mas o tipo de
agricultura e maneio que se tem vindo a afirmar tanto lá como cá. Há quem
defenda que este é o preço do " progresso ".
Uma palavra de apreço para os
nossos amigos do Uruguai com quem temos tido sempre relações muito amistosas,
não estivesse no sangue de muitos Uruguaios a marca Açoriana dos casais que
foram das Ilhas dos Açores desbravar o Rio Grande Sul e fundar comunidades como
Santa Catarina ou Florianópolis e mais tarde estenderam-se a Sacramento e a
outras localidades Uruguaias. O Uruguai é um País profundamente agrícola, muito
equilibrado e Pacifico.
As dezenas de perdizes e
lebres que cobramos foram oferecidas aos amigos Uruguaios o que lhes dava muito
jeito inclusivamente para melhorarem a dieta alimentar.
Finalmente, uma nota para os
amigos Dinis, Jorge, José Carlos e Eng.º António Carvalho todos Continentais
com quem tenho caçado nestas últimas deslocações ao Uruguai e que para além de
serem excelentes caçadores são bem a expressão viva da sua origem, já que
desafiando as leis mais duras da logística são incapazes de passar uma semana
sem comer bacalhau e com azeite Português.
Gualter Furtado
Texto e foto da autoria de Gualter Furtado