Caminhando pela blogosfera descobrimos sempre coisas muito interessantes. Em especial, encontrei neste mundo virtual dois blogs que aprecio de verdade: o Kids Indoors, da Gisele, e o blog Inventando com a Mamãe, da Chris. Ambas são mamães antenadas que sempre buscam estar com a família, proporcionando para as suas crianças atividades lúdicas e desafiadoras, usando, sempre que possível, a arte do reaproveitamento de materiais, como caixas, caixotes, papelão, garrafas pet, potinhos de iogurte, entre outros.
Outro dia, a Gisele fez um trem muito legal com os seus filhotes e postou no site. Ela usou caixas de papelão e umas peças chamadas MAKEDO, que ajudam na ligação das criações. Lendo o post sobre este trabalho, até fiz um comentário no blog dizendo para a Gi que tudo aquilo relembrou a minha infância.
Fui menina que teve uma infância difícil. Mãe costureira e pai vendedor, a renda familiar era o suficiente para a subsistência decente dos seis filhos, sendo eu a caçula.
Não tínhamos muito dinheiro para comprar brinquedos, nem roupas e sapatos da moda.
E com toda esta dificuldade, nossas brincadeiras e brinquedos eram improvisadas com este tipo de material que atualmente a Chris e a Gi usam.
Fazíamos balanços com restos de madeira num pé de abacate que havia no fundo do quintal, colocávamos as tartarugas dentro de caixotes esmeradamente arrumados, para que aquela fosse a sua mais real residência. Construíamos verdadeiras cidades de caixas de fósforo. Fazíamos casinhas de caixotes que o pai trazia do local de trabalho. E as bonecas de papel, com suas inúmeras roupas que não cansávamos de trocar?
Meu pai sempre gostou muito de criar pássaros de cativeiro, tipo canário, e perdemos a conta de quantos passarinhos foram solenemente enterrados à sombra do abacateiro, dentro de vasilhas de margarina.
Lembro bem de uma velha cadeira de balanço que minha mãe ainda trouxe do interior que morava, e nela nós fazíamos verdadeiras viagens imaginárias.
Era um tempo muito gostoso e naquela época (que nem sou tão velha assim, só tenho 34 anos) nem havia ainda uma grande preocupação com meio ambiente, sustentabilidade e afins. E éramos felizes. Felizes e inteligentes, porque dentro das nossas limitações financeiras, conseguiámos criar brinquedos e brincadeiras que desafiava até a maior fábrica da época.
Tudo livre e sem pretenções maiores, só a de brincar.
Hoje, percebo que em grande parte existe uma preocupação muito grande com a conservação do meio ambiente e que muitos trabalhos que se fazem são tentativas de "fazer a nossa parte" .
Mas, onde foi parar a nossa alegria de criar, inventar e brincar como fazem a Gi e a Chris, e como eu fiz na infância?
Onde foi parar a nossa vontade de sentar junto, conversar, brincar e criar seres humanos para além do consumismo exagerado?
Onde foi parar a nossa razão quando enchemos a nossa casa de brinquedos de plástico que nem sempre estimulam a inteligência dos nossos filhos, quando poderíamos estar criando e inventando?
Entendo que é muito mais fácil comprar tudo. E entendo também que é muito difícil competir com as propagandas que existem por aí.
Fico pensando em como é a reação da Cecília e do Cássio e da Ana Luíza e da Sofia ao mostrarem aos seus coleguinhas tantos brinquedos construídos com sucatas.
Sim, porque não podemos imaginar que não existem preconceito em relação a isso. Como falei, nem sempre somos entendidos e a palavra sucata ainda soa com tom perjoartivo, dando a entender que quem faz um trem de caixas ou um jogo da memória de potes usados de danoninho é porque não tem dinheiro para comprar brinquedo na loja.
E falo isso com propriedade, porque sou Pedagoga, atuo como professora e, durante todos esses anos fazendo trabalhos com material reutilizável na escola, percebo que muitas crianças tem vergonha de assumir aquele brinquedo como algo precioso que deve ser conservado. Em resumo, o brinquedo inventado não ultrapassa os muros escolares, mesmo com todas as feiras e tal.
Daí que fico pensando numa campanha de reciclagem e reutilização em casa.
Uma campanha que seja para além da reciclagem. Que ultrapasse os muros. Que vire vício e rotina. Que nos ponha mais de perto com o semelhante.
Que nos ensine o valor das coisas e quando e como devemos usá-las.
Que nos estimule a criação.
E que nos ajude a ensinar às nossas crianças que "o que sabemos fazer, aprendemos fazendo." Aristóteles