segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Austeridade: a história de uma ideia perigosa

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“AUSTERIDADE” PERMANENTE COMO GESTÃO DO CONFLITO SOCIODISTRIBUTIVO

PERMANENT “AUSTERITY” AS MANAGEMENT OF THE SOCIO-DISTRIBUTIVE CONFLICT

Edemilson Paraná1
1(pseudônimo de Edemilson Cruz Santana Junior) é doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), com período sanduíche na Soas – University of London. E-mail: edemilsonparana@gmail.com.

BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. Freitas e Silva, José Antônio. São Paulo: Autonomia Literária, 2008. 375p.

BLYTH, Mark. (2017), Austeridade: a história de uma ideia perigosa . Trad. José Antônio Freitas e Silva. São Paulo, Autonomia Literária. 375 pp.


[...] as ideias de economistas e de filósofos políticos, tanto quando têm razão como quando não a têm, são mais poderosas do que normalmente se pensa. Na verdade, o mundo é governado por pouco mais. Homens práticos, que se creem bastante isentos de quaisquer influências intelectuais, são normalmente escravos de algum economista defunto.

John Maynard Keynes

Depois de enorme sucesso de público e crítica, chega ao Brasil a tradução de Austeridade: a história de uma ideia perigosa , em momento que não poderia ser mais oportuno. Cientista político escocês e professor de economia política internacional, na Universidade de Brown, Mark Blyth enfrenta com o bom humor de um enérgico polemista, mas sem perder em profundidade, um assunto extremamente sério: as políticas de austeridade que se espalharam pelo mundo, no contexto do pós-crise de 2008.

Apresentando um instigante diálogo interdisciplinar, o livro está construído sob as fundações de um bem-sucedido casamento entre a história e a crítica das ideias econômicas, que desaguam em um potente ensaio em torno da (não) eficácia da aplicação dessas ideias – mesmo quando testadas de várias maneiras, em distintos lugares, contextos e épocas. A ideia em questão é a “austeridade”, ou seja,


[…] uma forma de deflação voluntária em que a economia se ajusta através da redução de salários, preços e despesa pública para restabelecer a competitividade, que (supostamente) se consegue melhor cortando o orçamento do Estado, as dívidas e os déficits. Fazê-lo, acham os seus defensores, inspirará a “confiança empresarial” uma vez que o governo não estará “esvaziando” o mercado de investimento ao sugar todo o capital disponível através da emissão de dívida, nem aumentando a já “demasiado grande” dívida da nação (Blyth, 2017, p. 22).

Seguindo John Maynard Keynes (1964) , Blyth está empenhado em demonstrar como e por que os nossos “homens práticos” de hoje “são escravos de algum economista defunto” (1996, p. 349). Quem são esses homens e esses defuntos e quais são essas ideias é de que trata a obra.

O livro não é dirigido apenas, nem centralmente, a economistas – ainda que, em face da corrente de pensamento tornada dominante na Economia, a leitura da obra possa servir como uma verdadeira lufada de ar fresco no ambiente intelectualmente sufocante da disciplina –, mas é voltado, sobretudo, ao público diretamente afetado pelas ideias econômicas, como diria Joan Robinson, para que não se deixe enganar pelos economistas. Estão equivocados, então, os que pensam ser a austeridade econômica um problema restrito a técnicos e especialistas. Fosse apenas um atentado à inteligência, essa “ideia zumbi” ( Quiggin, 2010 ) – morta diante dos fatos, mas tornada viva pelos perniciosos interesses políticos que a patrocinam – já seria, em si, problemática. No entanto, o que a torna perigosa, conforme o livro sustenta, são os estragos produzidos nas economias e, junto a esses, a erosão da coesão social, os danos traumáticos e os sofrimentos, em suma, a que têm sido submetidas as maiorias sociais em todo o mundo. Por onde passa, a política da austeridade deixa um enorme rastro de destruição. Mark Blyth, como poucos, persegue esse rastro para nos demonstrar, a partir de suas origens e causas, porque a austeridade é, em primeiro lugar e acima de tudo, um problema sociopolítico de distribuição e não apenas um problema estritamente econômico de contabilidade social.

A didática e divertida (mas não por isso menos rigorosa) cruzada do autor contra as argumentações anticientíficas acaba municiando a todos nós, leigos ou estudiosos, de instrumentos para realizarmos por nossa conta o “teste do olfato”, nas palavras do próprio autor, frente à retórica apodrecida da austeridade nos mais diversos ambientes de produção e circulação de ideias. O mérito de Blyth é, por isso, notável. Ao final de sua “arqueologia”, além de entendermos as razões pelas quais as finanças do Estado são bastante diferentes das familiares e empresariais, saímos aptos a detectar e desmontar as muitas premissas irreais e as conclusões empiricamente falsas que sustentam o débil discurso mainstream em defesa das políticas de austeridade.

O livro está dividido em três partes. Na primeira seção, o autor aborda as origens e as consequências da atual crise econômica global. Os capítulos dessa seção tratam centralmente das experiências dos Estados Unidos e da Europa, além de conter uma explicação de como se chegou à confusão atual, dando espaço ainda para os elementos financeiros e bancários mais complexos que resultaram na “tempestade perfeita” vivenciada por essas economias.

Blyth argumenta que, desde a crise, assistimos à maior operação de “propaganda enganosa” da história moderna, na medida em que as elites econômicas e políticas têm vendido aos cidadãos a ideia de que se trata de uma crise de dívida soberana, quando, em verdade, trata-se inicialmente de uma crise dos bancos privados. Especialmente no caso europeu, explica o autor, uma história inventada, de cunho moral, tem sido martelada para renomear a crise bancária da Zona Euro como uma crise de dívidas soberanas. Com efeito, os governos “gastadores” de países da periferia são culpados, a despeito do fato de nenhum deles, com a exceção da Grécia, ter sustentado grandes déficits orçamentários antes da crise – a Irlanda e a Espanha, por exemplo, contabilizavam superávits 1 .

De acordo com a explicação do autor para a crise, as inovações financeiras combinadas com um conjunto de ideias a respeito do funcionamento das economias e, em particular, da avaliação do risco, contribuíram para o acúmulo insustentável de problemas no sistema financeiro global, que acabaram por explodir em 2008. Essas ideias facilitaram ainda a transferência da crise dos Estados Unidos para a Europa. Seguindo, nesse aspecto, inúmeras outras explicações da crise recente, Blyth afasta a noção tornada popular, segundo a qual a crise é de alguma forma produto da falência moral de indivíduos e grupos particulares. Ao contrário, trata-se de uma grave insuficiência do setor privado como um todo. Que isso venha sendo arcado centralmente pelo orçamento público apenas pode ser explicado pelo conjunto contraditório de ideias atualmente dominantes sobre a intervenção estatal, a “austeridade”.

Na segunda parte da obra, Blyth passa a examinar a “história intelectual” da austeridade. Nesse, que certamente é o ponto alto do livro, o autor nos mostra como certos pensadores, sejam eles, John Locke, David Hume, Adam Smith e David Ricardo, criaram uma espécie de sistema de pensamento em que os governos não devem fazer muito mais do que proteger a propriedade privada e, ademais, serem constrangidos a não acumular dívida pública. Apesar dessas primeiras formulações serem ainda vagas, o argumento específico em torno da austeridade emerge, finalmente, na década de 1920, quando o Estado moderno passa a ser, de fato, uma questão saliente do ponto de vista econômico. Segundo o autor, isso ocorre pelas mãos do “liquidacionismo” estadunidense e da “visão do tesouro”, na Inglaterra.

Essa base inicial de argumentos em defesa da austeridade foi praticamente desacreditada pela Grande Depressão, na década de 1930. No entanto, conforme Blyth documenta com maestria, seus remanescentes e herdeiros – o “ordoliberalismo”, na Alemanha, e a “Escola Austríaca”, nos Estados Unidos – acabaram voltando ao mainstream intelectual novamente na década de 1980, com a ascensão do neoliberalismo.

A versão corrente do argumento em defesa da austeridade, nos apresenta Blyth, foi criada por um grupo de economistas italianos da Universidade de Bocconi 2 , em Milão. O autor examina criticamente uma série de modelos econômicos desenvolvidos por tais economistas 3 , nos quais sustentam que as dívidas governamentais são produtos praticamente inevitáveis da democracia, e que a melhor forma de combatê-las é mediante o corte das despesas, ao invés do aumento de impostos. Tais economistas foram responsáveis pelo termo orwelliano “contração fiscal expansionista”, sintetizando o argumento segundo o qual cortar as despesas pode, sim, levar ao crescimento – inclusive, em meio a uma desaceleração econômica – de modo diverso ao que o bom-senso da disciplina costumava sustentar. Essa inusitada “lógica” é habilmente desmontada no livro, em cada um dos seus aspectos e supostas evidências.

A jornada do autor pelos caminhos e descaminhos dessa ideia perigosa termina com um capítulo em torno da implementação da austeridade. Nessa “história natural” da ideia, Blyth examina cuidadosamente dezenas de experiências de implementação da tal política econômica, ao longo do século XX. Trata-se de um relato devastador sobre cada uma das tentativas de colocar a ideia de austeridade em prática, da luta dos governos com padrão-ouro nas décadas de 1920 e 1930, até sobre os problemas e as dificuldades dos casos mais recentes de “sucessos” de austeridade, como a Suécia e a Irlanda. Essas tentativas de implementação parecem, de fato, nunca funcionar e acabam por levar, na maioria das vezes, a consequências trágicas.

Tendo mostrado que a austeridade nunca funcionou na prática, Blyth conclui a obra propondo que exploremos uma nova estratégia de enfrentamento da crise, baseada em algumas políticas consideradas tabus nos últimos anos, tais como: a “repressão financeira”, a limitação dos movimentos transfronteiriços de capitais, uma nova forma de administração das taxas de juros e o aumento de impostos para a faixa superior da distribuição de renda. Sugere ainda – de modo polêmico, talvez, contraditório, e com uma fundamentação que deixa a desejar, é preciso dizer – que o governo dos Estados Unidos deveria ter deixado seus bancos irem à falência, como se fez na Islândia, em vez de resgatá-los.

Tudo somado, seguindo a vastidão de dados apresentados no livro, fica o balanço de que a austeridade, mesmo ignorando deliberadamente as incontornáveis necessidades da vida social e política, é contraproducente inclusive em alcançar o objetivo restrito a que supostamente se presta: o de sanar as finanças públicas.

O raciocínio aqui é simples e bastante conhecido: (1) se para todo comprador há um vendedor, e para todo poupador há um devedor; (2) se, nos desdobramentos de uma crise, cada indivíduo economiza, buscando melhorar a sua própria situação, como resultado de (1) e (2) a situação coletiva de todos deteriora. Dito de outro modo, tendo como premissa que o gasto de um agente é igual à renda de outro, se todos os agentes resolvem simultaneamente cortar os gastos, o único resultado lógico é a contração da renda geral.

Longe de resolver o problema, portanto, a política de austeridade – os cortes na previdência e na assistência social, nos direitos trabalhistas e no alcance dos bens públicos – apenas faz aprofundar essa situação, mantendo o desemprego e as dívidas em alta, o salário (indiretamente, pela pressão do desemprego sobre a capacidade de negociação de quem ainda está empregado) e a capacidade de con- sumo em baixa, e, com isso, a atividade econômica deprimida. Tal quadro pode levar a uma piora da situação fiscal do Estado, ao diminuir ainda mais a arrecadação de impostos. Quando o corte dos gastos consegue ser maior do que a queda na arrecadação, produzindo o esperado superávit, isso se dá às custas da poupança do setor privado, que decai na exata medida em que aumenta a poupança pública. Desse modo, com a queda vertiginosa do Produto Interno Bruto (PIB), cresce a razão dívida/PIB, uma vez que a poupança pública não é suficiente para estabilizar essa razão.

Eis o grande paradoxo das políticas de austeridade: ao prometer equilibrar as contas do Estado, elas aprofundam a sua degradação, produzindo um resultado ainda pior do que o cenário fiscal que se dispuseram a melhorar. Portanto, nesses casos, a despeito das projeções entusiasmadas de economistas “oficiosos” em governos e em órgãos de imprensa, não chega a surpreender que a atividade econômica continue a oferecer resultados diminutos e decadentes (se o Brasil, nos anos de 2015 a 2017, serve como exemplo, os dados a esse respeito são eloquentes).

Diz-se, em geral, que os cortes se fazem necessários, ademais, como forma de recuperar a “confiança do investidor”, o que traria de volta os investimentos e, assim, o tão esperado crescimento econômico. Esquece-se, no entanto, que capitalistas não tomam as suas decisões sobre investimentos baseados unicamente em certo subjetivismo obscuro, de ordem político-moral. As decisões de tais agentes são tomadas, antes de tudo, a partir dos sinais que eles recebem das próprias vendas, da taxa e do volume de sua lucratividade imediatamente anterior vis a vis àquela projetada para a rodada seguinte (algo também relacionado, sabemos, aos movimentos dos gastos públicos). Esse lucro (produtivo) continuará tão pressionado quanto mais deprimida estiver a demanda por seus produtos – realidade aqui aprofundada, adicionalmente, pelas medidas de austeridade, que ampliam o desemprego e o desamparo social. Dessa forma, e independente do tamanho dos cortes na despesa pública, ou dos “sinais” que o governo mande ao mercado a respeito de sua espartana disciplina orçamentária, quanto mais incerto os agentes estiverem a respeito do futuro dessa economia em recessão, menos se sentirão “confiantes” para investir e gastar, e mais tenderão a reter os seus recursos por tempo indeterminado. Isso constitui uma espécie de círculo vicioso, do qual se espera apenas a piora da situação.

De outro modo, ainda que as expectativas empresariais venham a reagir positivamente às políticas de austeridade, dado que as empresas notam, neste quadro, o aumento dos próprios estoques e da capacidade produtiva ociosa, o investimento privado se mantém em baixa – tornando irrelevante, em última instância, os efeitos de tais expectativas subjetivas.

No rescaldo dessa eterna espera pela “fada da confiança” ( Krugman, 2012 ), segue, lamentavelmente, um trágico pacote de consequências não pretendidas (ou pretendidas apenas por alguns) da ação: além da possível deterioração das contas públicas, o previsível aumento da pobreza e da desigualdade, da insegurança e da revolta social. Por isso, demonstra o livro, essa agenda fracassou retumbantemente onde quer que tenha sido aplicada, agravando ainda mais os problemas que buscava resolver. Lamentavelmente, esta é a história que vemos se repetir no Brasil atual.

Entretanto, por que os governos, os economistas e os gestores seguem sacrificando as fartas evidências empíricas da realidade no altar das crenças ideológicas? Por que essa ideia perigosa insiste em pairar e produzir brutais consequências sobre nós? Há, pelo menos, duas razões, afirma o autor: uma é de ordem psicológica; outra, de ordem política.

A primeira razão pode ser rapidamente explicada. De amplo conhecimento, trata-se de um lugar-comum tornado corrente – de manchetes e destaques de jornais a comentaristas de noticiários; de discursos políticos a acalorados debates em mesas de família: toda gastança é um pecado; após a festa exagerada, vem a ressaca; gastar é ruim, poupar é bom (o autor nos lembra, por exemplo, que as palavras “dívida” e “culpa” são homônimos na língua alemã). É que, como nos mostra Blyth, a austeridade, como conjunto frouxo de ideias, é mais uma “sensibilidade” do que um pacote robusto e coerente de políticas.

Tal ética da fruição virtuosa das dádivas se desdobra na intuitiva conclusão, segundo a qual as finanças governamentais equivalem às finanças domésticas, e que dívida pública equivale à dívida privada. Quando as famílias acumulam dívidas que não podem mais sustentar, devem reduzi-las a um nível sustentável – manda o bom-senso; os governos devem fazer o mesmo. Ignora-se neste raciocínio que, para além de qualquer moralidade individual, a Economia trata, antes de tudo, de dimensões sistêmicas, agregados e, no limite, do que funciona ou não em face de determinados objetivos sociais. Não consta, por exemplo, que as famílias emitam a moeda em que pagam as suas dívidas; que elas regulem a intensidade do crédito emitido e a sua taxa de juros; que instituam e arrecadem, por elas mesmas, impostos de diferentes fontes; que elas realizem grandes obras nacionais ou ofereçam serviços essenciais a uma população ampla e diversa. Vale, aqui, novamente nos lembrarmos da chamada falácia da composição: o todo não é a mera soma quantitativa ou a junção das partes individuais, mas algo qualitativa e constitutivamente distinto dessas.

No entanto, longe de ser apenas um problema psicológico, fruto da confusão de uma moralidade mal ajustada, o que sustenta centralmente o impulso de austeridade é o bom e velho interesse econômico e político. Ao fim e ao cabo, a austeridade é uma forma de política voltada centralmente para alguns poucos setores de interesse econômico, especialmente o financeiro, em detrimento do bem-estar coletivo.

Isso ocorre, em primeiro lugar, porque a manutenção do desemprego em patamar expressivo possibilita a gestão do chamado “exército industrial de reserva” ( Marx, 2013 , p. 704), favorável ao capital e desfavorável ao trabalho, pendendo a balança em favor do primeiro. Em segundo lugar, porque a negação de estímulos fiscais e monetários é uma forma de dar prioridade aos credores, geralmente grandes detentores de riqueza, em detrimento de trabalhadores e maiorias sociais, com menor disponibilidade de renda para poupar. A inflação e as baixas taxas de juros são ruins para os credores, mesmo quando promovem a criação de empregos e o aquecimento da atividade econômica, ao passo que reduzir os déficits governamentais, ainda que aprofunde uma depressão em face do desemprego maciço, garante aos detentores de títulos que estes serão sempre pagos em sua totalidade, aconteça o que acontecer. Vinculado a isso, os momentos de intensificação de déficits públicos, independente de razões e trajetórias, são aproveitados como uma oportunidade para os argumentos e as ações – sempre à espreita – contra o Estado de bem-estar social. Em vez de apresentarem a destruição do Estado de bem-estar como apenas uma alternativa política, entre as demais, os conservadores a justificam de pronto como uma imperiosidade técnica incontornável ou algo para o qual “não há alternativa”.

Não é mero acaso, então, apesar de se mostrarem um grande fracasso, o fato de, sob inúmeros aspectos, as políticas econômicas aplicadas desde a crise financeira de 2008 não terem sido tão desfavoráveis para os mais ricos. Pelo contrário. Os lucros financeiros se recuperaram rapidamente, mesmo diante da persistência de um nível de desemprego sem precedentes, e os distintos ativos e índices nos mais variados mercados, inclusive nos Estados Unidos e na Europa, retornaram aos níveis anteriores ao da crise, mesmo quando a renda média da população vem caindo sem interrupção.

Quando se trata de austeridade, a moralidade econômica, acima apresentada, cai como uma luva sob a prioridade dos grandes credores: os “vencedores” da austeridade foram capazes de ver a sua riqueza crescer vertiginosamente com a aplicação do manual de instruções neoclássico e a financeirização crescente das economias. Quando não são os diretamente beneficiados pela austeridade, o topo 1% da distribuição de renda vem sendo muito menos afetado do que os trabalhadores e as maiorias sociais. E isso certamente está relacionado, defende nosso autor, com a disposição de políticos e gestores para seguirem forçando os eleitores deles e os cidadãos a aceitarem doses continuadas desse “remédio amargo”. Algo que explica, a despeito de amplas evidências em contrário, por que, no campo acadêmico, autores e trabalhos que dizem o que a elite credora gosta de ouvir são tão celebrados, enquanto críticos competentes são retumbantemente ignorados, não importando o quão correto estejam.

No fim, é isso que está em jogo: quem paga a necessária conta da reprodução da vida social, sobretudo, em tempos de aperto econômico, quando se intensifica o conflito distributivo? De um lado, o lucro dos empresários e rentistas – lucro obtido também graças ao trabalho de seus funcionários; de outro, os salários (diretos ou indiretos) dos próprios trabalhadores, já sub-remunerados, e expostos a inseguranças de todo o tipo nas economias centrais ou periféricas do século XXI.

Na esteira de crises, por vezes transformadas em recessões permanentes, e, assim, da continuada queda de arrecadação do Estado, a disputa pelo butim do excedente social torna-se ainda mais acirrada. Mas, conforme Blyth argumenta com competência, em Austeridade: a história de uma ideia perigosa , cortar a proteção social e os direitos trabalhistas é “tomar o veneno como se fosse o remédio”, isto é, apenas piora ainda mais a situação econômica, social e política de um país. A verdadeira forma de sair da crise, demonstra a história, é distribuindo a renda e combatendo energicamente a desigualdade; ampliando, e não diminuindo, os direitos dos trabalhadores e das maiorias sociais.

BIBLIOGRAFIA

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BUCHANAN, James M. (1960), “‘La scienza delle finanze’: the Italian tradition in fiscal theory”, in J. M. Buchanan (ed.), Fiscal theory and political economy, Chapel Hill, University of North Carolina Press. 
FORTE, Francenso & MARCHIONATTI, Roberto. (2010), “Luigi Einaudi’s economics of liberalism”, Universidade de Turim, documento de trabalho do Departamento de Economia, 2/2010. Disponível em http://www.cesmep.unito.it/WP/2010/2_WP_Cesmep.pdf, consultado em 8/11/2017. 
GIAVAZZI, Francesco & PAGANO, Marco. (1990), “Can severe fiscal contractions be expansionary? Tales of two small european countries”. NBER Macroeconomics Annual , Cambridge, MA, 75-122. 
KEYNES, John Maynard. (1964), The general theory of employment, interest and money. Orlando, Harcourt Brace [Edição brasileira: Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo, Nova Cultural, 1996]. 
KRUGMAN, Paul. (2012), “Death of a fairy tale”. New York Times , 26 abr. Disponível em http://www.nytimes.com/2012/04/27/opinion/krugman-death-of-a-fairy-tale.html, consultado em 8/11/2017. 
MARX, Karl. (2013), O Capital . São Paulo, Boitempo, vol. 1.
QUIGGIN, John. (2010), Zombie economics: how dead ideas still walk among us. Princeton, NJ, Princeton University Press.
SANTAGOSTINO, Angelo. (2012), “The contribution of Italian liberal thought to the European Union: Einaudi and his heritage from Leon to Alesina”. Atlantic Economic Journal, 40 (4): 367-384. Disponível em http://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2Fs11293-012-9336-0, consultado em 8/11/2017. 

1Cabe mencionar, de passagem, que o déficit público é resultado da crise, e não a sua causa. Isso, pois a queda da arrecadação oriunda da contração do nível de atividade do setor privado não depende do volume dos gastos públicos. O caso da crise financeira internacional é apenas um exemplo, ainda que os canais de transmissão financeiros sejam importantes, nesse caso, para explicar a evolução de parte dos gastos.

2Para panoramas dessa corrente de pensamento, ver Buchanan (1960) , Forte e Marchionatti (2010) , Santagostino (2012) .

3Para alguns dentre os mais celebrados trabalhos a esse respeito, ver Alesina e Tabbellini (1990) , Giavazzi e Pagano (1990) .
Revista Brasileira de Ciências Sociais

¿Usted también, Doctor? Complicidad de jueces, fiscales y abogados durante la dictadura

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Um acerto de contas com o judiciário argentino

Carlos Artur Gallo1
1Professor-adjunto do Departamento de Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E-mail: galloadv@gmail.com.

BOHOSLAVSKY, Juan Pablo. ¿Usted también, Doctor? Complicidad de jueces, fiscales y abogados durante la dictadura. Buenos Aires: Siglo XXI, 2015. 448p.

A agenda de pesquisas sobre as ditaduras de Segurança Nacional1 no Cone Sul tem ganhado, sobretudo na última década, grande fôlego, sendo facilmente identificadas não só maior quantidade de boas análises que tratam do tema, mas também uma visível ampliação dos recortes temáticos que estão sendo realizados por pesquisadores das ciências humanas, em geral, na região.2 Algo que talvez ajude a explicar o aumento do interesse acadêmico da história, sociologia, e ciência política, entre outras áreas, pelo tema, pode ser a quantidade de novidades referentes ao contexto das ditaduras que foram surgindo a partir dos anos 2000, por exemplo: as novas condenações de agentes de repressão na Argentina, no Chile e, em menor grau, no Uruguai; o julgamento, em abril de 2010, da ADPF n. 153 pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (que tratava da interpretação da Lei da Anistia que beneficiava agentes da repressão); as frequentes notícias sobre o encontro de crianças roubadas por agentes da repressão na Argentina; além, é claro, e pensando-se especificamente no caso do Brasil, da criação da Comissão Nacional da Verdade, que funcionou entre 2012 e 2014.

Se é fato que há mais estudos sendo elaborados e publicados recentemente sobre a temática, é perceptível, igualmente, que a referida agenda de pesquisas focada na análise do impacto das ditaduras não se desenvolveu da mesma maneira em cada um dos países que passou por regimes autoritários comprometidos com a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), no contexto da Guerra Fria. Assim, ao comparar as análises elaboradas no Brasil com as que foram e vêm sendo feitas pelos argentinos, por exemplo, pode-se verificar que, talvez devido ao modo como a memória da ditadura foi sendo construída em cada caso, alguns recortes temáticos que ganham profundidade no país vizinho ainda não chegaram a ser explorados com igual ênfase por acadêmicos brasileiros.

Demonstrando isso, encontra-se a coletânea ¿Usted también, Doctor? Complicidad de jueces, fiscales y abogados durante la dictadura (em tradução livre: “Você também, doutor? Cumplicidade de juízes, promotores e advogados durante a ditadura”), organizada por Juan Pablo Bohoslavsky.

Estruturada em sete seções, e contando com mais de vinte capítulos, a obra analisa, com variações de foco interessantes, um conjunto de questões específicas relacionadas ao aprofundamento da busca por justiça na Argentina, tais como: Qual o papel do Poder Judiciário e seus agentes durante a ditadura? Quem e como colaborou com o regime civil-militar a partir das instituições judiciais? O que aconteceu com essas pessoas após o fim da ditadura? É possível identificá-las e, eventualmente, puni-las na atualidade? Como fazer para levá-las ao banco dos réus?

Entre os capítulos que compõem a obra, uma primeira referência que merece destaque é o texto “El derecho durante el ‘Proceso’: una relación ambígua”, escrito por Enrique I. Groisman. Abrindo a seção intitulada “Direito e ideias jurídicas”, o estudo de Groisman observa as formas como a ditadura argentina tentou se apropriar do campo jurídico, visando legitimar alguns dos seus atos. Estabelecendo uma relação ambígua com o Direito, contudo, a coalizão civil-militar que comandou o país a partir de 1976 não se preocupou, de fato, com o cumprimento das normas de exceção editadas com base na DSN. Assim, e lembrando aqui da análise de Anthony W. Pereira (2010) sobre a legalidade autoritária argentina, Groisman converge com o autor mencionado ao observar que o Direito e as instituições judiciais foram apropriadas pela ditadura, como costuma ocorrer na vigência de regimes autoritários, mas gerando um padrão de “comportamento jurídico” com igual ou maior disposição para transgredir as próprias regras criadas pelo regime do que para aplicá-las.

Com foco na conexão entre Corte Suprema e ditadura, entre os capítulos que têm por objetivo analisar esse aspecto específico, vale mencionar tanto o texto escrito em coautoria por Juan Pablo Bohoslavsky e Roberto Gargarella, como o estudo de Juan Francisco González Bertomeu. Mas, enquanto Bohoslavsky e Gargarella se detêm no resultado mais evidente da Corte Suprema enquanto instituição que irá respaldar os atos de exceção do regime autoritário, González Bertomeu foca nos agentes designados para compô-la em nome da “segurança nacional”. Assim, ao focar na composição da Corte a partir de 1976, González Bertomeu chama a atenção para o fato de que a Junta Militar, que governou o país, destituiu, nos primeiros dias após tomar o poder, todos os membros que a compunham antes do golpe, estabelecendo critérios altamente discricionários para a escolha dos novos ministros, de modo que todos os seus integrantes seriam escolhidos por serem, no mínimo, conservadores. Há nuances nos comportamentos que os ministros teriam ao longo da ditadura, é claro, e, em alguns casos, houve decisões que tornaram visível o fato de que a coesão interna era relativa. Em geral, entretanto, a composição da Corte foi pouco ou nada protagônica no período, sendo altamente submissa e colaborativa, respaldando atos de exceção da Junta Militar.

Avançando para a análise de outros atores do campo jurídico e suas eventuais conexões com a ditadura, encontra-se o capítulo escrito por Lucía Castro Feijóo e Sofía I. Lanzilotta, no qual são discutidas as diferentes formas de colaborar com a ditadura a partir do âmbito jurídico, mas também as estratégias de resistência que foram possíveis naquele contexto. Colaborando com a ditadura, Castro Feijóo e Lanzilotta identificam que ações e omissões cometidas por juízes, promotores e outros funcionários públicos foram constantes, seja acobertando torturas, simulando a legalidade de atos e facilitando a adoção de crianças roubadas, bem como dificultando o acesso à justiça de vítimas da repressão. No plano da resistência, as autoras comentam casos como o do juiz da Província de Córdoba, que foi perseguido por decretar a prisão de policiais envolvidos com a morte de cinco funcionários de uma associação de cooperativas.

Outra abordagem centrada nos operadores do Direito recai, justamente, na complexa relação entre os advogados e a ditadura. Além de análises sobre os advogados que resistiram contribuindo com o incremento da luta pelos direitos humanos na Argentina (caso dos capítulos escritos por Laura Saldivia Menajovsky e Claudia Bacci et al.), uma leitura interessante pode ser feita no capítulo de Virginia Vecchioli, que apresenta dados sobre o papel desempenhado por associações profissionais durante o “Proceso de Reorganización Nacional” implementado pela ditadura. Em seu texto, Vecchioli observa e evidencia as conexões entre associações de advogados e o regime, demonstrando as formas como esses grupos buscaram, ao reforçar os “valores” que seriam a base de uma “comunidade moral” de profissionais do Direito, legitimar a intervenção civil-militar de março de 1976. Compartilhando elementos de um discurso religioso (católico) com uma visão política conservadora e anticomunista, o Colegio de Abogados de la Ciudad de Buenos Aires, a Corporación de Abogados Católicos San Alfonso María de Ligorio e o Foro de Estudios sobre la Administración de Justicia se empenharam em fortalecer o Estado de exceção e garantir, com o fortalecimento da Junta Militar, seu próprio fortalecimento moral na luta contra a subversão.

Pensando nas possibilidades de ruptura bem como na continuidade de práticas, regras e pessoas comprometidas com o autoritarismo após o retorno à democracia, nos capítulos de María José Sarrabayrouse Oliveira e Leticia Barrera encontram-se dados e reflexões interessantes, que contribuem para a formulação de hipóteses que ajudem a explicar as razões pelas quais o Judiciário argentino estabeleceu uma trajetória de avanços e recuos no tocante à realização da justiça. Sarrabayrouse Oliveira e Barrera convergem em suas interpretações, observando a permanência, após a saída das Forças Armadas do poder em 1983, de estruturas e pessoas comprometidas com a ditadura na arena judicial como uma das causas para que a luta por justiça no país fosse limitada em diversas oportunidades ao longo das décadas de 1980 e 1990. Embora, como analisa Barrera, nenhum dos integrantes da Corte Suprema nomeados durante a ditadura tenha permanecido no cargo com o retorno à democracia, a falta de um amplo debate público em torno do tema pode ser considerada problemática, visto que o interesse pela nova composição da instituição ficou restrito a políticos e membros do campo jurídico.

Por fim, parece interessante destacar, ainda, dois capítulos que abordam o tema da apuração de responsabilidades dos envolvidos com os crimes cometidos pela ditadura. Nesse sentido, tanto o estudo de Pablo Gabriel Salinas como o de autoria de Leonardo Filippini e Agustín Cavana aportam interpretações importantes sobre limites e possibilidades relacionadas à realização das demandas por justiça no país. Enquanto Salinas foca nos julgamentos nos quais foram condenados, em 2014, juízes e procuradores de justiça da província de Mendoza, mostrando as contínuas tentativas de processar e punir essas pessoas desde a década de 1980, Filippini e Cavana apresentam um panorama sobre as possibilidades, na atualidade, de levar a julgamento civis que, vinculados ao Judiciário argentino, colaboraram com a ditadura e/ou, com o retorno à democracia, dificultavam ou bloqueavam o acesso à justiça por parte das vítimas do terrorismo de Estado.

Em linhas gerais, pode-se observar que o aprofundamento das análises realizadas na coletânea é possível, de algum modo, devido à própria expansão da realização das demandas por justiça ocorrida na Argentina após a chegada de Néstor Kirchner à presidência, em 2003, e, sobretudo, a partir de 2005 (Calado, 2014). Quando ocorreu, em 2005, o julgamento do “Caso Simón” pela Corte Suprema de Justicia de la Nación, foram declaradas nulas as “leis de impunidade” (Norris, 1992) editadas ao longo da década de 1980, para barrar a continuidade dos julgamentos dos envolvidos com as violações aos direitos humanos praticadas durante a ditadura, podendo ser iniciados novos processos e serem apuradas outras responsabilidades além das pessoas vinculadas às Forças Armadas.3

São interpretações que aprofundam perspectivas surgidas e, de certo modo, até mesmo negligenciadas no rastro dos estudos sobre as transições à democracia ocorridas no âmbito daquela que, conforme o estudo de Samuel P. Huntington (1994), seria a terceira onda de democratizações. Não respondem a todos os problemas levantados pelos autores que fazem parte do projeto, mas apresentam análises, dados e hipóteses a serem exploradas, visto que lançam luz nas conexões entre direito e justiça antes, durante e depois de períodos de exceção. Dessa forma, ao fazê-lo, abrem possibilidades analíticas interessantes, talvez necessárias, para a comparação com contextos como o brasileiro, no qual agentes da repressão, mesmo passadas mais de três décadas desde o fim da ditadura, sequer sentaram no banco dos réus. Reforçam, por um lado, a necessidade de que sejam verificadas, além das novidades estabelecidas pelos novos arranjos institucionais democráticos, rupturas e continuidades de comportamentos e instituições criadas ou fortalecidas durante períodos de exceção. Por outro, contribuem para a comparação do caso argentino com outros países, sugerindo caminhos para o estabelecimento de semelhanças e diferenças que ajudem a explicar, a partir do estudo do impacto da ditadura no campo jurídico, seus agentes e sua estrutura organizacional, os principais avanços, recuos e desafios na trajetória das demandas por memória, verdade e justiça na região.

BIBLIOGRAFIA

CALADO, Rui. (2014), “Políticas de memória na Argentina (1983-2010). Transição política, justiça e democracia”. História – Revista da FLUP, IV (4): 51-64.
HUNTINGTON, Samuel P. (1994), A terceira onda: democratização no final do século XX. São Paulo, Ática.
NORRIS, Robert E. (1992), “Leyes de impunidad y los derechos humanos en las Américas: una respuesta legal”. Revista del Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 8 (15): 47-121. 
PADRÓS, Enrique Serra. (2009), “História do tempo presente, ditaduras de Segurança Nacional e arquivos repressivos”. Tempo & Argumento, 1 (1): 30-45.
PEREIRA, Anthony W. (2010), Ditadura e repressão: o autoritarismo e o Estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
PINTO, António Costa & MARTINHO, Francisco Carlos P. (orgs.) (2013), O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 

1 Seguindo o exemplo de historiadores como Enrique Serra Padrós (2009), utiliza-se a denominação “ditaduras de Segurança Nacional” para fazer referência aos regimes autoritários que, iniciados nos países do Cone Sul a partir da década de 1960 e finalizados até o ano 1990, estiveram ideologicamente alinhados aos preceitos básicos da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), tais como: (a) o combate ao suposto avanço do comunismo na região; (b) o deslocamento da lógica de combate aos “inimigos externos” para o de identificação e combate dos “inimigos internos” do Estado, que poderiam ser qualquer pessoa que fosse considerada subversiva pelo aparato repressivo; e (c) o endurecimento das políticas estatais com vistas ao realinhamento da economia a novos padrões de desenvolvimento.


2 Exemplos de estudos recentes sobre legados autoritários na região são: a coletânea O passado que não passa..., organizada por António Costa Pinto e Francisco Carlos P. Martinho (2013), e o livro Ditadura e repressão..., no qual Anthony W. Pereira (2010) analisa o modo como o campo jurídico foi apropriado pelas ditaduras argentina, brasileira e chilena.

3 A nulidade das leis de “Obediencia Debida” e “Punto Final”, declarada pela CSJN em 2005, permitiu a reabertura e a proposição de ações buscando o julgamento e a punição de um conjunto significativo e variado de pessoas vinculadas à repressão. Conforme dados atualizados pelo Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), entre 2005 e 2017 foram proferidas 176 sentenças, nas quais 695 pessoas foram condenadas por violações aos direitos humanos (entre as quais: militares, civis, funcionários do Judiciário, advogados, empresários, sacerdotes, entre outros). Os dados compilados pelo CELS podem ser consultados em: <http://www.cels.org.ar/web/estadisticas-delitos-de-lesa-humanidad>.
Revista Brasileira de Ciências Sociais

#IdleNoMore and the remaking of Canada

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Idle No More: sobre a mobilização indígena no Canadá

Leonardo Barros Soares1
1Doutorando em ciência política na linha de participação, movimentos sociais e inovação democrática, e membro do Projeto Democracia Participativa da Universidade Federal de Minas Gerais (Prodep/UFMG). E-mail: .

COATES, Ken. #IdleNoMore and the remaking of Canada. Canadá: University of Regina Press, 2015. 231p.

Há uma evidente lacuna empírica na ciência política brasileira: a ausência de estudos utilizando conceitos, métodos e teorias próprias deste campo disciplinar para abordar questões relativas aos povos indígenas brasileiros. Uma pesquisa por artigos nas sete principais revistas da área,1 entre 1996 e 2017, confirma essa observação: dentre 2.621 artigos publicados no período, apenas dois se debruçaram sobre algum tema relacionado aos povos originários brasileiros (Codato, Lobato e Castro, 2017; Fernandes, 2015).

Mais ainda, há um notável desinteresse por pesquisas acerca dos movimentos sociais indígenas, que vêm se organizando desde a década de 1970 e têm tido crescente destaque no cenário nacional. Isso não quer dizer, evidentemente, que os povos indígenas e suas organizações políticas não tenham sido investigados por pesquisadores de outros campos disciplinares, a exemplo da antropologia. Estudos como o recente trabalho de João Pacheco de Oliveira (2016) sobre a sociogênese do movimento indígena brasileiro, para ficarmos em apenas um exemplo, atestam essa afirmação. Nesse sentido, trazer um tema de investigação tradicionalmente abordado por um campo disciplinar para outro representa um desafio teórico-metodológico de primeira ordem para os cientistas políticos brasileiros.2

Essa não é a realidade no cenário internacional, que produziu trabalhos interessantes nos últimos anos sobre o tema na América do Norte (Belanger e Lackenbauer, 2015) e na América Latina (Warren e Jackson, 2002). O Canadá, talvez o caso mais comparável com o Brasil em termos de política indigenista e populações indígenas, também tem se dedicado a produzir monografias sobre os movimentos sociais do país. No entanto, essa produção ainda é largamente ignorada na academia brasileira, e a presente resenha se apresenta como um convite à leitura de uma das obras recentes sobre o fenômeno naquele país.

No fim de 2012, no congelante inverno canadense, algo que parecia improvável aconteceu. O que começara como uma pequena movimentação de quatro mulheres – três pertencentes a comunidades indígenas locais e uma aliada não indígena – ao lado de uma estação de metrô de Saskatoon, a capital da província de Saskatchewan, se espalhou pelos quatro cantos do país, mobilizando centenas de milhares de pessoas, sob uma poderosa palavra de ordem: Idle No More! (“Não mais apatia!”, em tradução livre). É a história desse movimento “sem líderes” que é contada em detalhes no livro do professor Ken Coates, intitulado #IdleNoMore and the remaking of Canada, objeto da presente resenha.

Para compreendermos o contexto em que o movimento analisado pela obra ocorreu, faz-se necessário ter em mente alguns dados importantes. Primeiramente, que os chamados povos aborígenes canadenses são divididos em três categorias: as chamadas First Nations, correspondente aos povos indígenas no Brasil; os chamados Métis(do francês para “mestiço” ou “misturado”), grupo de indivíduos descendentes das relações entre colonizadores europeus e povos originários e que dispõem de uma matriz cultural própria e, finalmente; os Inuit, conhecido entre nós pela palavra – já em desuso – “esquimós”, povos que habitam o ártico há milênios. São uma porção minoritária da população daquele país que enfrenta as piores condições de habitação, saneamento, desemprego, violência e abuso de drogas, além de estarem sobrerrepresentados no sistema prisional. Foram, e ainda são, objeto de políticas públicas racistas e assimilacionistas, desprezo e abandono governamental, além de contarem com pouco reconhecimento por parte da sociedade canadense. Em resumo, em que pesem as lentas e graduais modificações em sua qualidade de vida nos últimos quarenta anos, eles ainda são, certamente, o grupo de maior vulnerabilidade social num dos países com melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do planeta.

O primeiro capítulo, “Mobilizing an awakening”, dá conta exatamente de buscar entender a fagulha que incendiou o “material inflamável” já existente entre os grupos aborígenes. O ano de 2012 findava com a proposição, por parte do governo do Primeiro-ministro conservador Stephen Harper, de uma nova peça orçamentária, a chamada Bill C-45. Entre as mais de 400 páginas da árida legislação estavam uma série de proposições de desregulamentação econômica com vistas à facilitação de empreendimentos. Entre elas, a desregulamentação da proteção de rotas fluviais utilizadas pelos povos aborígenes em suas atividades tradicionais e a facilitação do uso da terra para investimentos de capital oriundo de indivíduos não pertencentes às comunidades.

Nesse contexto, quatro mulheres naturais de Saskatchewan decidiram promover um evento de debate e conscientização dos desafios relativos à legislação proposta. Utilizando sobretudo as redes sociais – fundamentais em todo o processo, como a hashtag constante do título do livro permite entrever –, elas chamaram o encontro de Idle No More. Nascia aí, portanto, a centelha de uma explosão que tomaria proporções inauditas nos meses vindouros. No entanto, ainda em seus passos iniciais e com líderes que se mantiveram fora do foco midiático durante todo o seu decorrer, Idle No More significava pouco para a audiência canadense naquele início de novembro. Mesmo assim, os pequenos eventos de discussão da Bill C-45 foram se multiplicando, sempre tendo as redes sociais como plataforma privilegiada de articulação e mobilização dos e das participantes.

Em seu segundo capítulo, “The roots of aboriginal anger and hope”, o autor dá um passo atrás em busca dos elementos que explicam a emergência da mobilização de massa dos povos aborígenes ao fim de 2012. Como ele explica, o movimento não surge “do nada” (out of thin air), mas tem raízes na organização histórica dos povos aborígenes que se estende desde o início do século XX – foi de lá que partiu uma das primeiras petições internacionais realizadas por um povo indígena para a obtenção de garantias internacionais aos tratados celebrados no âmbito doméstico – e que se fortaleceu a partir da década de 1960, no esteio das mobilizações para a garantia dos direitos civis. Nesse sentido, afirma Coates, os povos aborígenes canadenses estão, hoje, mais organizados do que nunca, dispondo de organizações de âmbito nacional e, de igual modo, com forte atuação local nas próprias comunidades.

Ao mesmo tempo, as condições de vida dos povos aborígenes canadenses têm evoluído lentamente ao logo das décadas. A progressiva obtenção de tratados de reconhecimento territorial, que garantem certa autonomia política e administrativa e indenizações, por vezes milionárias, certamente trazem algum alento para os grupos mais organizados. No entanto, a experiência cotidiana da maioria dos grupos indígenas daquele país é a de desemprego, baixos salários, habitações insalubres e lotadas, parco saneamento básico e escolas degradadas. O índice de suicídios entre os jovens aborígenes é oito vezes maior do que entre os não aborígenes, configurando-se como uma epidemia de proporções alarmantes e que tem desencadeado respostas governamentais pouco efetivas. Em síntese, há fontes de esperança nas comunidades cada vez mais organizadas e com líderes cada vez mais escolarizados e aptos a jogar o jogo da economia capitalista, mas também há permanentes fontes de amargura, raiva e frustração.

O terceiro capítulo, “The round dance revolution”, chama a atenção para uma das principais atividades realizadas pelos participantes dos encontros, a saber, as danças circulares, utilizadas pela primeira vez num dos encontros em Halifax em dezembro de 2012. A utilização de danças, rituais e performances com forte caráter artístico e celebratório em detrimento de ações diretas disruptivas seriam, no entender do autor, uma das marcas do movimento e de seu sucesso junto à opinião pública. Em contraste com movimentos como Occupy e a Primavera Árabe, Idle No More seria muito mais uma afirmação dos valores comunitários e do orgulho de ser aborígene do que um movimento de contestação política violenta. As pautas políticas, evidentemente, estavam na ordem do dia, mas sob uma perspectiva que privilegiava os processos de tomada de consciência e não confrontação violenta, como a chamada Crise de Oka dos anos de 1990 dá testemunho.

No mesmo dia da realização da primeira dança circular em um dos eventos Idle No More – que viria a ser uma de suas marcas registradas –, a legislação que motivara o primeiro dos encontros do movimento foi aprovada no Senado. No entanto, esse fato não levou ao fim da mobilização. Ao contrário, o movimento cresceu em escala e complexidade, atingindo milhares de pessoas em todo o país e obtendo solidariedade internacional. No capítulo subsequente, “The Ottawa distraction and the complicated evolution of Idle No More”, Coates descreve o complexo cenário político de dezembro de 2012. É no fim deste mês que Theresa Spence, chefe de uma comunidade Cree em Attawapiskat, decide entrar formalmente em uma greve de fome. Ela reivindica um encontro com o primeiro-ministro e com o governador-geral do Canadá, este último apontado pela rainha da Inglaterra. Coates entende que, ao fim e ao cabo, essa ação direta, ainda que bem-intencionada, teve como consequência indesejada a personalização do movimento em apenas um indivíduo e, portanto, desviou o foco midiático das centenas de atividades surgindo em todo o país para sua capital. Além disso, para adicionar complexidade ao processo, a Assembly of First Nations, entidade nacional de representação dos povos indígenas, se viu no difícil papel de dar suporte ao protesto de Spence, ao mesmo tempo que buscava costurar uma solução em colaboração com o governo.

O descontentamento aborígene com o governo canadense continuou ao longo do inverno, chamado por Coates em seu quinto capítulo de “The winter of the discontented”. Nesse período, as ações continuaram com vigor mesmo após o fim da greve de fome de Theresa Spence. Destaca-se aí a chamada Journey of Nishiyuu, uma longa marcha realizada por jovens indígenas do norte de Québec até a capital canadense, levando mais de dois meses para completar sua missão. O autor relembra que, desta feita, a marcha era empoderadora e orgulhava seus participantes, ao contrário da chamada Trail of Tears dos anos 1830, quando o governo dos Estados Unidos realocou a força e a pé milhares de indígenas para reservas federais em Oklahoma, ocasionando grande mortandade e deixando uma marca permanente na história dos povos tradicionais da América do Norte.

Na tentativa de revitalizar a onda de ações do movimento, seus principais organizadores regionais tentaram impulsionar uma série de atividades no verão que, no entanto, não foram bem-sucedidas. Em “What happened to sovereignty summer?”, Coates apresenta o declínio progressivo das atividades de Idle No More, cada vez mais esparsas e com menos participantes ao longo do ano. O autor, no entanto, se recusa a ver nesse declínio um suposto “fracasso” do movimento, pois, a seu ver, o mesmo, desde o começo, tinha muito mais um caráter pedagógico e de revitalização da cultura aborígene do que qualquer outra coisa. O fato de não ter conseguido avançar de forma consolidada e institucional sua agenda não significa que o movimento não tenha sido exitoso em criar um evento inspirador e mobilizador, em especial para os jovens aborígenes canadenses.

Por fim, no último capítulo, “Idle No More and the technologies of mass mobilization”, Coates exibe uma série de dados obtidos em redes sociais, como o Twitter e Facebook, para demonstrar a intrínseca relação entre o movimento e essas plataformas, que agiram como um intenso catalizador de demandas de indivíduos que se criam atomizados e sem esperança. O autor demonstra em gráficos a extensão planetária do movimento, cujo alcance seria inimaginável numa era pré-internet. Não seria exagero afirmar, portanto, que o movimento Idle No More não alcançaria dimensões nacionais e internacionais se não viesse acompanhada de uma hashtag, que serviu para conectar diferentes atores em distintos lugares do país e do mundo.

#IdleNoMore and the remaking of Canada é um livro cujo mérito reside, sobretudo, no fato de prover uma visão ampla sobre o período em que o movimento se apresentou com maior pujança, fazendo uma descrição minuciosa de todos os seus passos e apresentando seus principais atores. A obra, no entanto, peca por seu caráter frequentemente celebratório do movimento, sem mencionar, de forma adequada, seus pontos críticos. Além disso, do ponto de vista teórico, o livro não dialoga com nenhum dos conceitos oriundos do campo dos estudos de movimentos sociais, o que empobrece, certamente, a análise empreendida por Coates. Enquadrar a discussão a partir de conceitos clássicos do campo como “repertório de ação” e “ciclos de protestos”, por exemplo, poderia ter conferido maior substância analítica ao conjunto de fatos narrado pelo autor (Soares, 2016).

Por fim, do ponto de vista metodológico, o livro se baseia inteiramente em análises de bancos de dados de internet, matérias de jornais e vídeos publicados no YouTube. A análise dos perfis de redes sociais tais como o Facebook e Twitter demonstraram o escopo do alcance da mensagem do Idle no More, inclusive no Brasil. Como nota o autor (p. 177), no entanto, “a análise de estatísticas de redes sociais apenas arranha a superfície” dos eventos e que ela apenas ajuda a “tomar o pulso de um movimento social ou conceito”, falhando na tentativa de capturar suas nuances. Ademais, a ausência de entrevistas e surveys com participantes e organizadores locais indubitavelmente empobrece a descrição, pois perde de vista a voz não filtrada através de entrevistas coletadas em jornais.

Ainda sobre a questão metodológica, vale ressaltar que dados sobre populações indígenas são, em geral, pouco sistemáticos e esparsos em todo o mundo, e a sua produção representa grande desafio para cientistas e tomadores de decisões (Reinie et al., 2017). Além disso, como afirma Scholtz (2006), a proeminência de campos disciplinares, tais como a antropologia e o direito, sobre as questões aborígenes implicou a realização de estudos a partir de dados etnográficos de difícil manejo pelos cientistas políticos. E, não menos importante, cumpre ressaltar que a relação entre povos autóctones e pesquisadores de diversos campos, no Canadá, é marcada por uma relação de desconfiança, que dificulta a realização de entrevistas e a produção de dados primários. Tendo em mente essas ponderações, podemos compreender a sorte de dificuldades enfrentadas pelo autor para a redação do trabalho aqui resenhado, findando por apresentar um caráter fortemente descritivo.

Não obstante esses pontos fracos, vale a pena ler a obra, especialmente quando cotejada com a realidade indígena brasileira, cujo potencial de mobilização cada vez mais se articula através de redes sociais (Pereira, 2012). Além disso, sua leitura pode estimular outros pesquisadores do campo das ciências políticas e afins a investigarem com mais rigor a temática indígena e, especificamente, o movimento indígena brasileiro.

BIBLIOGRAFIA

BELANGER, Y. D. & LACKENBAUER, P. W. (eds.). (2015), Blockades or breakthroughs? Aboriginal peoples confront the Canadian State. Canadá, McGill-Queen’s University Press.
CODATO, A.; LOBATO, T. & CASTRO, A. O. (2017), “‘Vamos lutar, parentes!’ As candidaturas indígenas nas eleições de 2014 no Brasil”. RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, 32 (93), on-line. 
FERNANDES, E. R. (2015), “Ativismo homossexual indígena: uma análise comparativa entre Brasil e América do Norte”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, 58 (1), on-line. 
PACHECO DE OLIVEIRA, J. (2016), O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro, Contra Capa. 
PEREIRA, E. S. (2012), Ciborgues indígen@s.br: a presença nativa no ciberespaço. São Paulo, Annablume. 
REINIE, S. C. et al. (2017), “Data as strategic resource: self-determination, governance, and the data challenge for Indigenous nations in the United States”. The International Indigenous Policy Journal, 8 (2), abr.
SCHOLTZ, C. (2006), Negotiating claims: the emergence of Indigenous Land claim negotiation policies in Australia, Canada, New Zealand, and the United States. Londres, Routledge.
SOARES, L. B. (2016), “Ciclos de protesto e repertório de ação do movimento indígena brasileiro entre 2009 e 2016: o caso da PEC 215”. Paper apresentado no II Congreso Internacional los Pueblos Indígenas de América Latina, Santa Rosa, Argentina, 20-24 setembro. 
WARREN, K. B. & JACKSON, J. E. (2002), Indigenous movements, self-representation and the State in Latin America. Austin, University of Texas Press.

1 DADOS – Revista de Ciências Sociais, RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais, RBCP –Revista Brasileira de Ciência Política, Novos Estudos Cebrap, Lua Nova – Revista de Cultura e Política, Opinião Pública e Brazilian Political Science Review.

2 Agradecemos aos pareceristas anônimos por ressaltarem este ponto, que consideramos essencial.
Revista Brasileira de Ciências Sociais

Economistas en las Américas: profesión, ideologia y poder político

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Economistas e política: trajetórias na América

Economists and politics: paths in Latin America


Vera Alves Cepêda1
1Docente e pesquisadora dos programas de pós-graduação em Ciência Política (PPGPol) e Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos – SP, Brasil. E-mail: veracepeda@ufscar.br

MONTECINOS, Verónica. MARKOFF, John. Economistas en las Américas: profesión, ideologia y poder político. Santiago: Ediciones Diego Portales, 2016. 522 páginasp.

Chegou recentemente ao Brasil a edição em espanhol do livro Economistas en las Américas: profesión, ideologia y poder político, organizado por John Markoff (Pittsburgh University) e Verónica Montecinos (Pennsylvania State University). Trata-se de uma coletânea de trabalhos abrangendo a intersecção entre a formação e os efeitos políticos da ação dos economistas no contexto latino-americano. Em cada um dos sete capítulos que compõem a obra, o papel e o protagonismo assumidos pela questão econômica e pela atuação dos economistas são discutidos por um reconhecido especialista: Glen Biglaiser escreve sobre a Argentina; sobre o Brasil, Maria Rita Loureiro; sobre o Chile, Verónica Montecinos; a Colômbia é abordada por Luiz Bernardo Flórez Enciso; o México, por Sarah Babb; Adolfo Garcé discute o Uruguai e, por fim, os Estados Unidos é analisado por Marion Fourcade. Além dos estudos aplicados aos contextos nacionais, o livro conta ainda com um capítulo inicial e um epílogo caracterizados por um esforço intelectual vigoroso de mapeamento e análise das mudanças ocorridas na formação dos economistas, momentos e variações de suas filiações teóricas e em sua maior ou menor presença no esquema decisório das políticas nacionais.

No projeto coletivo de investigação, chama atenção a diversidade das áreas acadêmicas de origem dos pesquisadores, agregando economistas, sociólogos, cientistas políticos e historiadores da democracia. Essa combinação não é acidental. Pelo contrário. Ela é expressão do viés multidisciplinar utilizado para tratamento do objeto em tela nos estudos, pautado no reconhecimento dos nexos profundos e inextricáveis entre o ambiente econômico e o ambiente político. Tal articulação decorre do amplo portfólio derivado da relação entre os problemas econômicos e os seus efeitos no campo da política, tais como a formulação de políticas macroeconômicas, as diretrizes, papéis e funções atribuídas às políticas públicas, bem como a definição de projetos políticos de alcance nacional.

Embora ao se falar de “economistas” estejamos nos referindo especificamente a uma comunidade epistêmica, alicerçada sobre uma formação acadêmica e profissional específica, incluindo as possíveis e esperadas filiações a teorias concorrentes e também ao desenvolvimento de uma racionalidade técnica autônoma do campo, é necessário entender a existência do movimento histórico que moldou essa configuração. No caso latino-americano, trata-se da experiência de estreitamento entre as questões econômicas e as decisões políticas que aumentou sensivelmente o peso e a presença dos economistas, possibilitando-lhes operar a partir da posse de um capital simbólico valiosíssimo (isto é, teses e teorias) para o período e a situação histórica. Como aponta Loureiro, nessa conjunção, é importante assinalar que essa elite “no se identifica y legitima através de los partidos o de la representación electoral, sino por su competencia técnica y cientifica”, e que tal conformação de uma elite intelectual e profissional estratégica teve uma rota ascendente, ao longo do século passado, notadamente nos países da América Latina.

Em seu conjunto, o livro é composto de trabalhos que utilizam a perspectiva histórico-comparativa para a análise das trajetórias nacionais, trazendo um rico e dinâmico panorama da intersecção entre a economia e a política, em especial, a partir da atuação concreta dos economistas em cargos de poder. Os estudos encontrados em Economistas en las Américas pretendem examinar de maneira retrospectiva dois grandes problemas. Por um lado, as análises abordam as condições específicas da emergência da conexão entre a economia e o poder estatal – situação que origina o status de elite política dos economistas e reforça a sua influência. De outro lado, os pesquisadores observam as instituições acadêmicas, as arenas governamentais ou profissionais nas disputas por predomínio nos campos teóricos da economia e os seus efeitos nos ambientes decisórios. Esse processo é analisado mediante o cenário de cada país e mobilizado por vários temas como a modernização, os obstáculos econômicos, o papel do Estado, as respostas às demandas sociais e as configurações de regimes políticos. Basta lembrar que encontramos na história política latino-americana múltiplas combinações entre regimes autoritários modernizadores ou de defesa de projetos tradicionais, democracias modernizadoras ou populistas, bem como alianças entre burocracia e autoritarismo. Nesses contextos, a questão econômica, em especial o tema da superação do subdesenvolvimento, foi elemento importante no arranjo político e nas coalizões de governo – pesando ainda, nesse quadro, as pressões externas e os constrangimentos geopolíticos mundiais. Percebe-se, com efeito, o desafio e a complexidade da proposta de pesquisa, resultando em um rico acervo de informações sobre as experiências latino-americanas e, nelas, a precedência do debate econômico sobre as escolhas políticas.

O ponto irradiador da agenda de pesquisa da coletânea foi a guinada neoliberal que ocorreu na América Latina, em especial, após a década de 1990 - e este ponto é crucial nos estudos, porque revela uma inflexão de trajetória, após a longa persistência do desenvolvimentismo. Além disso, a importância do destaque conferido ao neoliberalismo é a de funcionar como um divisor de águas, oscilando entre o anterior modelo de protagonismo estatal e o modelo recente de valorização do mercado. No fundo, trata-se de compreender os motivos dessa mutação de sentido que envolve, necessariamente, tanto o reposicionamento da explicação econômica quanto o papel do Estado na orientação da vida econômica e social da região.

Mantendo no horizonte esse cenário, podemos detectar a presença de dois movimentos analíticos ao longo dos capítulos, a partir dos quais os trabalhos se desenvolvem em suas especificidades. O primeiro movimento trata da importância assumida pelas ideias econômicas na configuração dos padrões de modernidade, na função atribuída ao mercado ou ao Estado, na definição do papel e das metas das políticas públicas, bem como a implicação das ideias nos regimes e instituições democráticas na região. Em linhas gerais, é como se afirmássemos que o “pensamento econômico conta” por orientar decisões importantes em um mundo centrado no trabalho e na esfera da produção, organizando a vida individual, social e os projetos nacionais. Segundo os autores, o crescimento da economia no debate político ocorreu em escala mundial, a partir do Entreguerras e da Crise de 1929, assumindo, na América Latina, uma modulação mais profunda, derivada da forte presença do desenvolvimentismo e da teoria cepalina. O primum mobile desse protagonismo surge da conversão da questão econômica em questão nacional e na identificação das causas do atraso e do déficit de modernidade à distância existente entre a estrutura econômica das sociedades periféricas e a dinâmica e capacidade de autorreprodução das sociedades desenvolvidas. A compreensão do grave perigo que os obstáculos econômicos – desiguais e assimétricos entre o centro dinâmico e a periferia reflexa e dependente – imputariam ao projeto de autonomia nacional dos países nessa situação pode ser encontrada no Manifesto dos Periféricos, espécie de carta fundadora de tal consciência, publicado em 1949, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Tomando o caso do Brasil como exemplo, dada a importância que a tese do subdesenvolvimento e o projeto do planejamento (ambos pertinentes ao repertório do estruturalismo cepalino) assumiram no país, o século XX aparece fortemente marcado por oscilações no dilema “mais mercado versus mais Estado”. O ponto inicial dessa tensão pode ser fixado na crise aberta, ao final da Primeira República, em face da defesa dos interesses primário-exportadores (baseados no princípio das vantagens comparativas ricardianas e no livre-comércio –- portanto, livre mercado). No período pós-1930, o enfraquecimento da vocação agrária abriria espaço para o ciclo longo e complexo de planejamento estatal, pautado na centralização política e nos monopólios promovidos a partir do governo Vargas. Emerge o momento áureo do desenvolvimentismo ancorado na centralidade do planejamento econômico como resposta ao problema de construção de um projeto nacional, mas encontrando dois momentos políticos distintos: o desenvolvimentismo com democracia (décadas de 1950 e primeira metade da década de 1960) e o desenvolvimentismo autoritário (iniciado com o golpe de 1964).

Ao longo do século XX, enquanto a economia ganhava força como parte da explicação da vida social ou das causas do atraso reforçando sua centralidade explicativa e conformando “un papel cada vez más decisivo a los economistas”, ocorria, em simultâneo, um amplo e rápido processo de institucionalização acadêmica promovendo a recepção das grandes teorias internacionais e a adaptação delas ao contexto interno. Dependendo do momento e do projeto político-econômico em voga, essa recepção foi acompanhada de “ressignificação” ou apenas de “assimilação”. A ressignificação de postulados ocorreu particularmente no caso da CEPAL com a produção de um corpo teórico autóctone que dialogava com as “grandes teorias gerais”, mas as modificava pela exigência de sua aplicação à realidade – como é o caso da feição compósita e heterodoxa assumida pelo estruturalismo historicista cepalino. A assimilação, por sua vez, é exemplar da abordagem teórica que fundamenta a agenda de pesquisa da coletânea aqui resenhada: a adoção acrítica, sem mediações quanto à situação e aos efeitos do receituário neoliberal, no contexto local. Nesse caso, mais do que a circulação e a recepção de teorias, estamos lidando com o problema da dominação hegemônica (a face exitosa da luta entre ideologias). A utilização acrítica do neoliberalismo advém de uma questão que divide o campo dos economistas há mais de um século: sobre a objetividade, neutralidade e universalidade dos postulados econômicos, apresentados em sua abstração teórica, como imunes às diferenças temporais e históricas, às trajetórias e às condições das formações nacionais. Essa percepção clássica, neoclássica e neoliberal reifica o mercado como único e legítimo elemento válido para a fundamentação da expertise econômica, dotando-o de uma racionalidade autônoma. Todavia, os pressupostos e os argumentos de matriz cepalina são opostos aos da matriz neoliberal, o que explica a tensão ideológica e prática entre os dois campos, na América Latina. A institucionalização acadêmica é parte integrante da conexão entre economistas e política. Na academia, as fronteiras são demarcadas; as teses, as narrativas, as diretrizes da economia são forjadas; aqueles representantes que atuarão nas empresas, no Estado, no debate público e na reprodução do campo, nas próprias instituições acadêmicas, são preparados e legitimados. Não é casual que as pesquisas abrigadas na coletânea tomam a formação, a profissão e as concepções teórico-econômicas distintas dos economistas no contexto latino-americano como meios de analisar o modo pelo qual foi produzida e agiu uma elite dotada de robustas capacidades políticas, amparada em conhecimento especializado.

Um segundo movimento ou nível de análise apoia-se no problema da adesão ao padrão “mais mercado” na experiência recente do continente, diretamente ligado ao modelo neoliberal e ao Consenso de Washington. A investigação sobre o impacto e os desdobramentos dessa adesão apontam: o desmanche da rede de proteção social (que, convenhamos, é muito recente e frágil na maioria dos países estudados); o avanço das políticas de privatização, que assume o caráter de transferência e apropriação privada – muitas vezes, por empresas não nacionais – de um amplo estoque do investimento público, o qual é financiado pelo processo social de tributação e pelo endividamento do Estado (parte do compromisso social da etapa desenvolvimentista); o desmantelamento de políticas de proteção e incentivos aos setores industriais ou estratégicos; o enfraquecimento dos mecanismos públicos de regulação; e a fragilização do Estado, como o ator fundamental de articulação e implementação de um projeto de desenvolvimento econômico e de um projeto nacional autônomo e autossustentável.

Na indagação sobre a incorporação do ideário neoliberal, as pesquisas apontam uma miríade de elementos, mas centralizam a questão em torno dos arranjos intelectuais que implementaram o giro para o padrão “mais Mercado, menos Estado: retira-se o Estado como garantia da vida social e como corretivo das distorções do mercado e, em movimento contrário, passa-se a imputar à ação estatal o caráter de fonte de todos os males. A meu ver, essa mutação expressa uma ressignificação estratégica nascida de uma vigorosa rotação no plano das ideias e que adentra e afeta as instituições ou arenas sociopolíticas que as sustentam.

Aceitando-se que a comunidade dos economistas participa e participou, em maior ou menor grau a depender da conjunção histórica, das decisões sobre os modelos de desenvolvimento e o padrão de políticas públicas no continente, torna-se importante saber como e por quais meios a perspectiva neoliberal foi introjetada no grupo dos economistas. No caso recente, a compreensão do “processo de americanização” das ideias econômicas explica-se pelas seguintes ações: a formação de economistas no exterior, em especial, na pós-graduação; a participação em congressos e conferências referenciadas como as mais importantes na área da Economia; a recepção e a circulação de publicações internacionais; a publicação em veículos internacionais; o desenvolvimento de atividades, mesmo que temporárias, em instituições estrangeiras de pesquisa, governamentais ou privadas; e a assimilação de teorias, literatura, jargões e métodos, particularmente nos currículos acadêmicos de graduação e pós-graduação. Assim, para entendermos a trajetória do neoliberalismo na América Latina, a “variável” chave adotada como fio condutor dos trabalhos é a formação, a atuação e a ideologia dos economistas de cada caso estudado – exatamente o subtítulo adotado no livro: profesión, ideologia y poder político.

A preocupação dos autores, quanto à adoção da narrativa teórica neoliberal e sua racionalidade implícita, indica o reposicionamento da clássica disputa intelectual da América Latina, isto é, a contenda entre os “desenvolvimentistas” (ápice da integração entre economia e política) e os defensores da “mão invisível do mercado” (aparente redução da função social e política atribuída à economia).

Como observações pontuais, confesso que li com muita curiosidade os capítulos sobre os Estados Unidos (EUA) e o Brasil. A incorporação do caso norte-americano em um conjunto de países que, em comum, partilham a situação de “não desenvolvimento avançado” me admirou. Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Uruguai comungam a herança do colonialismo, do capitalismo tardio, periférico e primário-exportador, os obstáculos do subdesenvolvimento e o fato de terem sido, em maior ou menor grau, tocados pelas ideias do estruturalismo cepalino. Os EUA, também produto da Expansão Ultramarina, assumiu, como nos diz Celso Furtado, em Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico (1971), uma forma mais rápida e eficaz de passagem para a etapa de capitalismo industrial e, embora compartilhasse com seus pares latino-americanos a origem colonial, não demorou a sair da posição de periferia, migrando para o status de economia central. O interesse no exame da trajetória estadunidense é compreensível dada a sua condição de produtor de hegemonia no campo da teoria econômica e ator importante nos processos de modernização dos demais países do continente. Afinal, a ascendência norte-americana pesou fortemente nas diretrizes e postulados acadêmicos, também no campo dos modelos de desenvolvimento adotados pelos países em sua órbita de influência. As teorias econômicas produzidas nos EUA circunscreveram o processo de industrialização latino-americano. Com efeito, no plano concreto, tais teorias não puderam ser ignoradas, dada a necessidade dos países em desenvolvimento no que diz respeito à parceria internacional no tocante aos investimentos e apoio tecnológico para superação da fase de substituição de importações e impulsão da cadeia industrial, em especial os setores de infraestrutura e de bens de capital. Ao final da Segunda Guerra Mundial e com a emergência da Guerra Fria, a relação dos países do continente americano com os EUA tornou-se mais complicada: houve a ingerência real da política externa norte-americana sobre o continente (vide o projeto da Aliança para o Progresso), bem como o enrijecimento das teses econômicas menos intervencionistas e mais atreladas ao padrão de crescimento via mercado aberto.

É certo que uma forma de influir no padrão do desenvolvimento econômico e nas escolhas políticas seria viabilizada através da incorporação dos pressupostos teóricos neoclássicos pela prestigiosa camada dos economistas e administradores públicos – grupos dotados de capacidade interna de ingerência e orientação dos rumos das políticas econômicas e também dos projetos nacionais. A barreira de entrada ao pensamento econômico norte-americano no período devia-se à forte presença da teoria cepalina, mas tal configuração foi enfraquecendo ao longo do tempo até a crise do padrão nacional-desenvolvimentista, em torno dos anos 1980, e sua substituição pelo modelo neoliberal no continente.

A leitura do capítulo escrito por Marion Fourcade adicionou dois pontos a esse cenário. O primeiro ponto diz respeito ao fato de os EUA concentrarem a “mas extensa e diversa” produção de conhecimento econômico do mundo, sendo uma “economia de economistas”, na qual, em raríssimas vezes, os cargos políticos foram ocupados por economistas (divergindo, com efeito, da trajetória comum aos países latino-americanos). O segundo ponto lança luz sobre o fato de que, mesmo nessa situação, as teses econômicas são poderosíssimas, pois são assimiladas como “a” racionalidade eficiente e pela prevalência dos critérios microeconômicos no julgamento e implementação de decisões – assim “aunque los economistas no gobiernan Estados Unidos la disciplina económica sí lo hace” e o faz através da hegemonia que exerce sobre as políticas públicas. Essa informação é importante para entendermos que a preponderância de um modelo não depende do controle direto dos postos de comandos. Ao contrário, esse controle será tão mais eficiente quanto mais naturalizado e introjetado na forma de uma racionalidade operante.

O caso brasileiro parece servir de exemplo para a recepção dos postulados teórico- econômicos norte-americanos. Em seu estudo, Loureiro retoma essa trajetória desde o processo de centralização política do Estado brasileiro, da formação do aparato e quadros da burocracia pública, do fortalecimento da ação estatal, avançando sobre a construção das carreiras, instituições e lócus de ação dos economistas. A autora destaca, como expressivo do caso brasileiro, a persistência do debate entre os monetaristas e os estruturalistas, cujo contorno foi delineado antes mesmo da criação da CEPAL, com a diatribe entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, apontando, em outros momentos, para o processo e os projetos de constituição das instituições acadêmicas. No período neoliberal, essa disputa pode ser visualizada na aceleração e no fortalecimento do processo de assimilação dos padrões teóricos e metodológicos norte-americanos nos cursos de economia no Brasil. A autora analisa algumas das mais expressivas instituições acadêmicas no país, na graduação e na pós-graduação, tais como a Escola de Pós-Graduação em Economia - Fundação Getúlio Vargas (EPGE/FGV), a Pontifícia Universidade Católica - Rio de Janeiro (PUC/RJ), o Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (IPE/USP), o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e o Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), com informações sobre a formação de docentes e pesquisadores no exterior, a adoção de bibliografia internacional e o volume da publicação de artigos ou livros em língua inglesa. Em programas acadêmicos mais ortodoxos, a taxa de docentes com pós-graduação alcançada em instituições norte-americanas chega a 82,35%, ao passo que, em programas fiéis à tradição heterodoxa e mais progressista, a taxa encontrada é de 92,8% com formação em cursos de pós-graduação no Brasil. O quadro atual espelha a predominância da vertente neoliberal, muito diverso do cenário do pensamento econômico dos anos de 1950-1960, no qual a hegemonia era dada pela tradição estruturalista e cepalina.

Por último, um desabafo: tentar apresentar o panorama geral de um trabalho com a envergadura de Economistas en las Américas: profesión, ideologia y poder político é uma tarefa hercúlea e complexa. O amplo leque de casos e de focos de análise, a riqueza de informações sobre a trajetória da relação histórica entre política e economistas na América Latina, somadas à descrição do processo de construção e mudanças nas instituições acadêmicas e nos círculos de atuação dos economistas nos países latino-americanos estudados certamente dificulta a possibilidade de síntese. Assim, nesta resenha, optei pela apresentação do plano da obra e de algumas questões centrais nela tratadas, destacando, talvez pelo reconhecimento da importância que o tema teve e tem na vida pública brasileira, o problema da correlação entre as escolhas econômicas e sua determinação nos projetos políticos. Mas a enorme massa de informações contidas nas mais de quinhentas páginas do livro permanece à disposição dos leitores para outras interpretações.

BIBLIOGRAFIA

FURTADO, Celso. (1971), Teoria e política do desenvolvimento econômico. 4ª edição. São Paulo, Editora Nacional. 
Revista Brasileira de Ciências Sociais