Ao se aproximar o fim do ano, cabe lembrar uma cena do romance O Leopardo (Il Gattopardo), escrito entre 1954 e 1957, por Giuseppe Tomasi, Príncipe de Lampedusa, e publicado em 1958 pela editora Feltrinelli. Trata-se de uma interpretação ficcional do período histórico italiano conhecido como Risorgimento.
Em conversa privada, ao comentar a necessidade de unificar a Itália, Tancredi, príncipe de Falconeri, diz ao seu tio, Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude.
Mais do que uma lição sobre a volatilidade das ações humanas, a frase carrega dentro de si a projeção sobre o quanto nos iludimos com a possibilidade de que as mudanças acenam com aspectos positivos. O autoengano é uma benção divina. E a crueldade do real (seja lá o que isso for) não tem limite.
As festas de réveillon produzem a sensação de que basta arrancar a última folha do calendário e o paraíso se instala. Ano novo e vida nova – anuncia uma frase de autoajuda muito lembrada por parte da população. De acordo com essa proposta, os problemas (familiares, econômicos, políticos) podem ser dissolvidos entre taças de espumante e colheradas de lentilha. Pular sete ondas, comer romã e vestir roupa de determinada cor também serve como portal para a prosperidade.
O idealismo cotidiano se alimenta na mitologia de que a tábua de salvação une a esperança com a alegria.
Também conhecido como o ano da vacina, 2021 injetou (literalmente) uma dose de otimismo na população brasileira. Não faltarão pitonisas para prever que, com as energias renovadas, chegou o instante de lutar por um novo tempo.
E isso significa que cada ação, cada decisão, pode servir de catapulta para mudanças mais significativas. Ter-se-á fôlego para todo esse esforço? Nas palavras de Romain Rolland (citado por Antonio Gramsci), o pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da prática. Então, diante da visão lastimável que o presente nos oferece, cabe tentar modificá-lo. Mas, vamos com calma. Historicamente, nenhuma revolução garantiu contentamento ou delicadeza. Em alguns casos, resultou em mais confusão. Faz parte do espetáculo – e deve servir de alerta para as ilusões de felicidade instantânea. O ceticismo é o elixir da sanidade.
Inadmissível é o discurso da servidão voluntária, o acomodamento, o imobilismo. Na perspectiva do arqueiro zen-budista, mudar a direção da seta significa escolher entre o acerto e o erro. Resta saber qual é o alvo.
Esperar pelo fim do ano e por mudanças estruturais deve ser um objetivo, mas não pode ser confundido com algumas atividades humanas – que oscilam entre a má-fé, a falta de coerência e os inúmeros valores pessoais. Deve-se ter consciência de são raros os momentos em que o interesse coletivo superou o interesse pessoal. Muitas vezes, a catástrofe acompanha os ladrões de galinha – essa espécie abundante no cenário nacional.
Também é necessário entender que algumas mudanças são apenas uma forma de fornecer um papel de embrulho novo para um produto antigo. Qualquer semelhança com as eleições presidenciais de 2018 não será mera coincidência.
Feliz ano novo!