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quinta-feira, 19 de março de 2015

Simplesmente Amor...

Guardo numa das gavetinhas da memória, a minha primeira experiência sexual. Tinha conhecido o rapaz num dos cafés ao pé do liceu. Ele era engraçadito, tinha bom ar, a simpatia era o seu ponto forte e os seus olhos verdes. Nunca soube o que ele fazia da vida, mas tinha pinta de ser um bom vivant. Aos meus olhos era um deus grego, via nele toda uma vida. Muitas vezes no escuro do meu quarto com Bon Jovi como banda sonora eu pensava nele e inevitavelmente tocava-me imaginando-o a meu lado. Tinha fantasias sexuais com ele e histórias de conto de fadas, em que projectava ilusões e divertia-me a imaginar a nossa vida dali a 10 anos. Sonhos de criança, é o que posso dizer. Desconhecia totalmente a vida real, o amor para mim era como nos filmes que costumava ver às quartas ao final do dia. Durante todo o ano lectivo andei na sua sombra, aproveitando cada pedaço que sobrava do sorriso dele. Até que um dia, tal como nos filmes, ele cruzou o seu olhar com o meu… e eu corei. 
Sempre vi as coisas como sendo algo natural. Meti na minha cabeça que aquele olhar tinha significado alguma coisa, tinha de ter tido alguma mensagem que eu desesperadamente queria que fosse a que eu ansiava. Um dia, depois de um jogo de futebol, no qual ele sempre era a estrela e eu o olhava completamente alienado, ele veio ter comigo. Discretamente entregou-me um papel dobrado em quatro. Não trocamos uma palavra, nem foi preciso. Li no seu olhar que ele me queria. Tão depressa se dirigiu a mim como foi embora. Fiquei  petrificado, sentindo o calor que a mão dele deixou no meu braço a desvanecer. Um formigueiro invadia veloz a minha mente e o meu corpo. Sentia a excitação a inebriar-me os sentidos. Apertei com força o bilhete para ter a certeza que era real.  Em modo automático fui caminhando pelas ruas até à paragem de autocarro. Sentei-me no ultimo banco e desdobrei o papel com cuidado com medo de o rasgar e perder a preciosa mensagem.
Li a primeira vez e senti o sangue a bombar com a intensidade de um trovão dentro do meu corpo. Li a segunda vez muito devagarinho como os meninos da primaria, juntando as palavras para lhes sentir o sabor. Queria encontrar-se comigo, naquela noite depois de jantar junto ao chafariz da praça.

Nessa noite, comi pouco, consegui mastigar dois bocados de carne e umas garfadas de arroz. O nervoso miudinho corroía-me o estômago e apertava-me a garganta e não me deixando engolir. Nunca me tinha sentido assim. Cobarde e corajoso. A minha mãe estranhou a minha falta de apetite e ponderou que eu estivesse enfermo. Doce mãe a minha, sempre preocupada com o meu bem estar. Ainda o relógio de cuco da sala não batia as oito horas já eu rasgava o silencio da noite em direcção ao chafariz. Quando lá cheguei sussurrei o seu nome...e disse numa voz um pouco mais alta: sou eu o Diniz! 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Fenix

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Rasgo-te de mim com a mesma facilidade com que respiro. A minha pele que outrora conheceu a tua até ao mais ínfimo detalhe agora explode em bolhas de quem já não quer sentir o teu odor quanto mais a lembrança do teu toque. Raspo-te de mim até chegar ao osso, prefiro ser um esqueleto repleto de mim que um corpo com resquícios do teu cheiro que agora me viola cada vez que estou perto de ti.
Não, não me fizeste mal.. claro que bem também não. Foste o joguete da minha infâmia, a doçura da minha malícia, objecto da minha amargura. Porque te dispo de mim? Não sei.. e muito menos sei a razão de ser agora.
Que te respondam os teus deuses que os meus não ousam falar, estão presos na redoma de vidro . Por falar neles tenho que lhes ir acender umas velinhas, pode ser que assim te iluminem o caminho e se dediquem a outra coisa sem ser estarem ali enfiados o dia todo.
Não, não estou louca, aliás nunca me senti tão sã, tão repleta de mim mesma. Complexa? Penso que sou o mais simplificado possível, ou sinto ou não sinto.. não existe meio termo nem limbos que balançam. Estou farta de te encontrar em mim e em tudo que tocaste. Como ousas dizer que me sentes quando o que sentiste foi a miragem que te entreguei na penumbra do meu ser?
Já te disse que te apago com a mesma facilidade com que te escrevi. Devolvo aos meus sentidos o desconhecimento do que foste, pois o que és nada me diz.
Deixa-te de coisas, achas que foste feliz? Achas mesmo?
Como poderias ser feliz se ao teu lado a pessoa que te dá essa felicidade não o é?
Chega de historias, estórias e contos. Não sei para onde vou, pára de tentar chamar-me à razão com as tuas pré-concepções de estrutura em diagramas dos caminho que teremos que seguir. Não quero caminhos rectos...quero ruelas com bifurcações e sem placas que me empurram banhadas em pedaços de bússolas partidas.
Não. Já te disse que não sou fria … sou o gelo que queima de tão quente, sou o pulsar de um vulcão no interior de um icebergue.
Enquanto estas a obrigar-me a olhar para ti, não reparaste que o esqueleto se rodeou de músculos e de uma nova pele..mais brilhante e segura. O sangue que me corre nas veias é mais fluido e corre a um ritmo vertiginoso.
Assina lá essa merda que eu quero sair desta sala sem os vestígios destes anos em que não caminhei a teu lado, mas sim atrás de ti.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Noite de mim, noite sem mim...

a noite nos seus traços libidinosos compactua com a inconstância do pulsar dos meus pensamentos. as horas correm num ritmo lento e compassado pelo bater do meu coração. não quero sentir a imensidão do barulho que borbulha nas ruas onde corpos sedentos de companhia invadem o meu espaço com o seu riso. a sua sede representa a minha que prefiro esconder na penumbra do meu quarto. quero imagina-los assim. hoje apetece-me ter-te aqui, só para reter o teu cheiro que é só teu...reconheço-o no meu corpo nos dias em que te sinto perto de mim. queria que a noite entendesse os meus desejos, os meus sentidos, a minha inconstância e me indicasse o rumo que os meus passos devem tomar. costumo perder-me em sonhos e utopias que me invadem de forma abrupta, perdendo mais tempo a sonhar que a construir a realidade que procuro mas não consigo começar a criar... queria que te transformasses em noite, mas não queria deixar de ser o dia...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Trigueira e moça...

o rosto trigueiro dourado pelo sol ardente dos campos transparece um cansaço que a consome internamente. mãe de três filhas cada uma mais perdida que a outra nascidas no meio das trevas da fome e da violência. não sabe das suas filhas...mas também não quer pensar nelas. estão melhor sem ela..pensa numa tentativa vã de apaziguar a sua dor.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

queria...

queria conseguir ver o mundo pelos teus olhos..
encontrar em pequenas coisas a razão de um sorriso. descobrir na brisa a essência do respirar.. queria ser as letras que voam nas mentes dos sonhadores que as enlaçam em palavras que nao sei escrever..
queria ser a chuva que rejuvenesce o mundo matando a sede faminta da caricia..
 anseio a forma daquilo que não se vê, não se toca nem cheira, só se sente.. queria ser o descobrir dum novo elenco pronto para encenar uma realidade perfeita com sabor a liberdade..
queria ser o poema onde sentes as palavras caminhando pelo teu peito abraçando esse coração..porque esse e não outro?
não sei...


(ao som de the tiny )

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

coincidencias?

a chuva de folhas douradas das árvores ondulavam ao sabor do vento. aquela árvore isolada no meio dos muros de pedra fazia-me sentir compreendida. o vapor da minha respiração formava pequenas nuvens que se dissipavam no ar. o vento gélido entranhava-se na minha pele chocando com o calor que ardia na minha alma. o céu escuro como o breu dava ainda mais encanto ao circulo lunar que iluminava  noite... de repente..ele chegou...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

era uma vez....

ele olhou para ela e sorriu... não entendia como aquela doce criatura podia estar ali, dormindo nos seus braços agarrando-se a ao seu corpo como se de uma bóia se tratasse. o rubor das faces dela ainda se mantinha ao de leve contrastando com a sua pele alva.. momento de união é como conseguia descrever todos os toques, os beijos tímidos no inicio que depois se revelaram ardentes, o calor daquele corpo que teimava em não descolar do seu. a sua menina mulher... com um pequeno gesto gostaria de lhe apagar as feridas que ainda brotam do seu coração. expira o aroma que impregnou as paredes amarelas do seu quarto. cheiro de união completa para si. não consegue encontrar outra definição que não essa. ternamente murmura o seu nome no meio da escuridão e abraça-a. inconscientemente ela no meio do seu sonho deposita suavemente um beijo delicado no peito dele continuando a sua viagem pela terra encantada. mais uma vez união pensa ele...e adormece..

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Decisões...?

todos temos os nossos diálogos interiores. muitas vezes com Deus, com nós mesmos, com alguém que está longe, com alguém que já amámos, com quem já vivemos, com aqueles que partiram. em todos os locais a nossa mente viaja em mil um pensamentos muitos dos quais nem nos lembramos do seu conteudo. conversas estas que não é mais que o nosso EU em busca de respostas e orientações para seguir os caminhos que achamos mais acertados. 
estas escolhas ditam aquilo que somos perante os outros pelas atitudes que exteriorizamos que escondem aquilo que somos realmente e que nunca é receptado com o mesmo código com que enviamos a mensagem. ninguém é aquilo que mostra ser, existe sempre uma pessoa diferente por baixo da capa. pessoas essas que se revelam em privado só a um certo e determinado numero de indivíduos com os quais se sentem realmente seguros. 
hoje ando a vaguear nestes terrenos, tentando encontrar um rumo para construir, evoluir ainda mais o meu EU.. sinto a necessidade de crescer, sentir, amar... VIVER...ser o que nunca fui, experimentar o que nunca me foi mencionado, provar delicadamente cada emoção nova que a vida me pode oferecer..hoje.. apetece-me baixar o pano que cobre o meu rosto, erguer os olhos para as nuvens que acompanham este comboio.. hoje.. não me apetece resguardar de ninguém, não me apetece conter e inibir o que sou...hoje... um novo inicio aguarda-me...

(continuação da viagem de Ana Felix)

ao som de : humanos- já nao sou quem era

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Paz..

mais uma vez os pensamentos perdem-se na bruma de fumo que instalei no meu quarto a fumar cigarro atrás de cigarro. ir a casa de Eva fez-me bem. senti-la perto mesmo estando a uma eternidade finita de distancia. trouxe um relógio que muitas vezes tentei furtar-lhe sendo sempre apanhada em pleno delito..  a pele da pulseira ainda tem o seu cheiro. trouxe um pedacinho dela... descansa em paz.

ao som de: A chaga - Ornatos violeta

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Não tenho melhor titulo que este para titular isto...

noite escura só se ouvem os passos descompassados do vizinho gordo, banhado em perfume de uva fermentada do andar de cima.
o vento ecoa pela janela assobiando uma estranha melodia que se entranha nos ossos espicaçando-os..
arrepios navalhados percorrem a minha coluna vertebral quase desfazendo em pó a minha medula.
                                      não consigo dormir...
o silencio entre-cortado pelos sons nocturnos tardiamente enaltecidos pelo meu espírito corroem-me as veias gelando o percurso do sangue.
gostava de fechar os olhos e conseguir conter a respiração até as veias me saltarem bruscamente no pescoço e ver o branco.. soltar o ar quente consoante o compasso do descompasso dos passos do vizinho e perder-me na nuvem do adormecer... 
mas não adianta.. já o fiz..

(personagem de ninguém: Madalena)                   

aquele abraço "gIgAnTe"

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Funeral de Eva

(seguimento da série de contos das personagens de ninguém)

A sala esta abafada, cheia de caras repletas das mais variadas emoções, trajadas de negro luto enaltecem a urna ornamentada por belas flores com cartões que nem me dou ao trabalho de ler, está a asfixiar-me este ar nauseabundo...


o meu olhar divaga entre os rostos sem nome cavaleiros em vultos esbatidos que insistem em abraçar-me inundando o meu ser com odores que não quero sentir, beijos secos que não quero receber, abraços dos quais quero fugir, palavras de consolação que não quero ouvir, conselhos repetidos que não me interessam para... NADA!
-oh Maria tu ve-la! agora estas sozinha, olha que eu estou aqui..
- Mariazinha esta tão grande querida.. olhe a sua imã deixou testamento?
e esta porcaria continua... bla...bla...bla...bla...bla..blA..blA..bLA..bLA..BLA...BLA!
 -CALEM-SE, CALEM-SE! VÃO EMBORA! grito para mim mesma num grito mudo que só eu consigo ouvir..
O lençol rendado que cobre o rosto de minha irmã parece mover-se como se ela respirasse. Liberto-me das mãos que me prendem e aproximo-me lentamente da urna simples mas imponente que ocupa metade da divisão. pura alucinação da minha esperança.. não aguento estar aqui.
Na rua, as nuvens cinzentas não assustam uma onda de gente que pretende adorar o cadáver, continua a oferta indesejada de sentimentos aos pacotes, beijinhos a torto e a direito e tentativas de abraços que ando a tentar evitar. vou cruzar os braços pode ser que assim não me chateiam muito.. merda lá para os beijinhos, já tenho a cara toda babada!
 não me vão tirar a minha dor, nem tão pouco devolver-me o que já me foi tirado, com a merda dos beijinhos! Estou cansada deste teatro de faz de conta onde cada um desempenha o seu papel como formiguinhas treinadas e quem escapa à linha é para abater. Entre duas passas dum silencioso cigarro observo as pessoas que ali estão. não conheço nem metade. algumas nem me conhecem a mim mas fazem de conta que sim e elaboram mil e uma perguntas sobre os pormenores da morte. AIIIIII MAS A VOCES QUE VOS INTERESSA???! volto a gritar de mim para mim em voz roucamente silenciosa...
-porque  isto tudo?
porque tão cedo?
 RESPONDE-ME CABRA!!!
podia ter passado mais tempo contigo, dar-te mais atenção, conhecer-te mais e  melhor...  AMAR-TE MAIS!!!... FODA-SE! ando em diálogos internos com as minhas vozes invisíveis que me tentam controlar e mandar nos meus actos. não consigo expressar o pesar que a tua partida me provocou e provoca!!!
  vou para tua casa sentir o teu cheiro e vestir o teu roupão só para fazer de conta que estas a trabalhar e voltas para jantar...
se ao menos conseguisse apagar esta dor...tudo era mais fácil...vá lá começou a chover...cheira a ti Eva...


texto participante no desafio com o tema "O cheiro da Chuva" proposto pela Fabrica das Letras

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Manuel e o voo...

faz uma semana e pouco que Eva morreu.. a sua memoria ficou esquecida naquelas aguas. morava só, estava só. todos seguiram as suas vidas eliminando das conversas o seu nome, apagando os vestigios da sua passagem terrena, para nao a recordar. a imagem de Eva nao é mais que diversos momentos que o tempo rapidamente fez questao de esborratar tornando-os numa pintura abstracta feita pelas maos duma criança. de todos as vidas em que ela entrou tentando encontrar-se a si mesma, mas acabando sempre por destruir o ninho que a acolheu só uma sentiu verdadeiramente a sua falta..o Manuel.. o desgraçado que lhe deu o coração uma e outra vez, recolhendo-o quando ela o rasgava intempestivamente nos seus ataques de impulsividade desmedida, colanda-o com pequenas tiras de fita cola que nunca aguentavam a pressao que o desdém dela lhe retribuía. com a morte de Eva, o nosso martir do amor perdeu-se de novo no meio da escuridão dos seus pensamentos, perdeu-se sem nunca se ter chegado a encontrar.. quando o corpo inerte de Eva foi recolhido dos rochedos para onde o mar o enviou, um outro corpo precipitou-se num voo picado para o fim da dor.. Manuel pilotou a sua vontade para a meta evitada por alguns e ansiada por outros como o remedio para as maleitas do espirito.. 

domingo, 28 de março de 2010

O sr. Joaquim

a vida passou depressa. os filhos cresceram, vieram os netos, os bisnetos.. já fui vadio como o vento dedilhando com notas sentidas as emoçoes que a vida me ofereceu cantando em fado garrido as magoas que por mim passaram. estou cansado, mas nao morto. amei mil e uma mulheres, comi o pó de muitas estradas na minha febre de liberdade e fome de viver. ainda me lembro das viagens montado nos meus velhos sapatos herdados de um irmão mais velho, que entretando crescera, mas estimados como se fossem novos. a vida era dura, davamos valor a pequenas conquistas e estimavamos o que nos era querido. com uns tostões no bolso sentia-me o rei do mundo. o senhor das minhas cantilegas que o vento bradava aos céus. era feliz. num tempo em que os homens estavam confinados ao trabalho calejado da vida no campo. tantas vezes me fiz à estrada com uma misera codea de pao e uma garrafa de tinto da adega de meu pai. deambulei de baile em baile, sorrindo e conquistando meninas de bons costumes guardadas por mães beatas. e um dia apareceu ela. airosa, de pele queimada pelo sol e maos gretadas do manejar coreografado das facas da cozinha, da agulha e da enxada. a inocencia e a simplicidade dos seus modos raptaram-me o coração. encontrei nela o ninho que necessitava para parar as incessantes caminhadas pelas terras de ninguem. substituí as cordas roliças da minha até entao mulher e companheira de alegrias e tristezas, a viola, que comprei com as tostoezecos que ia ganhando nos pequenos biscates que fazia ao sapateiro lá da sitio que me viu nascer. retornei ao oficio para sustentar esta nova vida.. nao me arrependo... estou na planicie da vida, nada mais posso fazer que abraçar todos os dias a sorte de ter vivido e criado uma familia ao lado da minha esposa, tendo sempre como amante das horas vagas a minha eterna viola e muitas aventuras para contar..

foto de Tiago Ribeiro : The Shoemaker

Ana Felix

mais um dia em que o sol inunda o meu quarto acariciando-me o rosto.como sempre esboço um sorriso ao sentir este mimo que o acordar me oferece banhado pelos raios dourados que me aquecem. hoje a caricia desperta-me a necessidade de aventura, de sentir... de viver! olho para mim e nao sei nada do mundo, desconheço as paisagens, os aromas, as caras, as emoçoes de tantos lugares desconhecidos. tenho 25 anos e vi a vida a passar. aluna exemplar sempre metida em pilhas de livros que me absorveram pelas palavras e ansia de conhecimento. mas o que é conhecimento teorico sem a experiencia vivida? sem sentir cada palavra, imagem, cheiro com a intensidade do momento, agarrando nas minhas mãos e escrevendo em mim pedaços reais de historias ainda por contar. desconheço os inumeros reinos que a vida oferece mas anseio descobrir os seus pódios e instalar-me neles como soberana. ate hoje vivi limitada ao que escolheram para mim, aos caminhos que traçaram antes de eu vir ao mundo. acolho as expectativas sem me pronunciar sobre elas, obedecendo com servidão de quem presta vassalagem ao seu senhor. estou presa na formatação que se vem arrastando de geração em geração na minha familia. estudar, arranjar trabalho, casar, ter filhos, envelhecer, morrer...seguindo sempre as vontades dos ascendentes sem questionar, levando uma vida sem percalços. hoje sinto-me abafada, presa, inibida no meio de quem me devia conhecer mas desconhece. um dia desapareço.. porque nao hoje? sim porque nao? tenho umas economias que fui amealhando ao longo dos anos graças a generosas contribuiçoes por parte dos padrinhos e do pai na altura dos anos e das outras epocas festivas. agarro nalgumas peças de roupa que julgo serem essenciais e meto-as atafulhadamente dentro da mochila. é hoje! saio com passo ansioso e veloz como se tivesse as sandalias com asas de Hermes retorquindo um bom dia apressado aos meus pais. estou a tremer de excitação pela minha fuga repentina da homogeineidade dos meus dias. a respiração acelarada bombeia ar excessivamente rapido para os meus pulmões sinto que nao consigo acompanhar o ritmo a que inspiro o oxigénio. num ápice acordo do meu transe e já estou na estação com o senhor dos bilhetes a questionar-me qual é o destino.. que vou responder? nem sei para onde vou? para onde quero ir? pressiono a minha mente a decidir.. nao sei.. compro o bilhete para o comboio que vai partir daqui a 3 minutos. nao me interessa o destino. acendo um ansioso cigarro que sorvo com sofreguidão tentando acalmar os tremores e a excitação que me embriaga todas as ligaçoes nervosas do meu corpo. uma voz abafada preenche o cais de embarque avisando que o comboio da linha tres esta pronto para sair.. é agora ou nunca! mato o raio do cigarro atirando-o de rompante para o chao, é agora.. e embarco..

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um Ultimo Prazer..

a agua vai-me cobrindo a cada passo que dou mar adentro. as bolhas de oxigénio que vou libertando bailam à minha frente encantando o meu olhar.. o ar escasseia, a garganta teima em exigir abastecimento para os pulmões que se vão enchendo rapidamente de agua salgada. este sufoco provoca-me um prazer inexplicável, todo o meu corpo estremece em mil e um arrepios, coordenados voluptuosamente  com o aperto das minhas vias respiratórias e a emancipação do batimento cardíaco. ordeno aos meus braços que parem de tentar alcançar o topo das aguas em busca da salvação.. quero ir ao fundo levando no olhar o brilho da lua.  os meus cabelos livres agora do seu peso vagueiam em meu redor ao sabor da corrente. estou a seguir o que a minha alma inconscientemente ditou ao compasso sereno dos meus passos. o frio desapareceu, mas também não sinto calor, as sensações estão a deixar de existir.. não sinto magoa, nem dor..mas sim felicidade.. no meio da imensidão do mar encontrei o meu repouso.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O passeio de Eva..

o dia esta pincelado em tons de cinza e branco que contrasta com a fachada antiga dos edifícios. os chuviscos vão caindo suavemente caindo na pele como uma caricia. adoro os dias assim, em que vejo o mundo vestido de acordo com a minha tristeza.. estou farta de amar sem retorno, farta de ter de recorrer a meros momentos de prazer para me sentir amada.. farta de viver para o trabalho, farta de sentir que não construí um porto de abrigo. amei tantas rostos, usei tantos corpos.. magoei os que me amaram , pisando-os com as minhas teorias de independência.. com o meu grito do Ipiranga tantas vezes pronunciado com voz alterada, e nervos de aço que isolavam o meu coração e só saiam barbaridades de quem não tem alma.. ou então fugindo, deixando notas soltas com a vergonha de não encarar o amor.. só causei sofrimento, estraguei casamentos, destruí amizades, fui a prostituta da luxuria em que prostitui o meu corpo em troca de migalhas de atenção.. sempre agarrada ao bastião da independência.. empurrei o Manuel para o poço da dor, estilhaçando o seu pobre coração em mil pedaços queimando a essência do que ele foi outrora; o amor da minha vida.. a doce Amanda que abandonei do mesmo modo por me sentir presa a amarras invisíveis que só existiam na minha cabeça.. archhhhhhh e o Luís, o meu Dionísio do pecado, ao qual destruí o casamento com a mulher que o acompanhou a vida toda.. e no fim de tudo isto continuo sem saber quem sou.. sem perceber o porque da minha existência terrena, sem saber o que devo sentir. não sei onde os meus passos me levam, mas também não quero saber. a noite vai caindo lentamente e o ar arrefeceu.. a brisa do anoitecer congela-me os dedos das mãos caídas ao longo do corpo, devia apertar o casaco mas os meus braços não me obedecem.. começo a gostar deste friozinho que se vai incutindo debaixo da minha pele.. já não vejo as luzes da cidade, mas os meus passos não param, continuo sem saber para onde vou. não quero parar de andar, nem regressar ao meu covil repleto de imagens que me abafam. ouço o cantar das ondas interrompido pelo palrar das gaivotas.. inalo com sofreguidão o ar gélido que me corta os pulmões como pequenas picadas de vespa.. cheira a mar.. tenho de descer e sentir o ondular das aguas gélidas a bater nos meus pés, a areia a acariciar a minha pele.. o impacto com a agua provoca-me um arrepio profundo em todo o corpo.. olho para o céu e a lua cheia sorri para mim com simpatia.. vou entrando nas aguas calmas hipnotizada pelo reflexo da esfera lunar no azul escuro das aguas que entretanto com o breu nocturno que se foi instalando silenciosamente se tingiu.  abraço a agua com os meus braços em movimentos circulares guardando as sensações e as recordações dos bons momentos que tive rapidamente ensombrados pela névoa da solidão. o meu rosto começa a mexer-se suavemente esboçando um sorriso para a lua.. fecho os olhos e deixo-me ir.. está uma bela noite para morrer perdoa-me minha irmã Maria..
a ultima melodia de Eva... 

O arco íris de Eva

no negro da ausência de ninguém perco a bússola que me faz andar à nora.. já não sei quem sou, porque sou, o que faço aqui.. esta podridão interior esta a corromper-me as veias a um ritmo cósmico. não reconheço o reflexo que o espelho me devolve, está baço da minha respiração ofegante de quem não consegue mirar-se,  a minha visão demasiadamente turva, confusa, misturando as cores do arco íris num remoinho frenético que lentamente se torna num buraco negro.. não consigo entender o propósito da minha existência, tudo se resume a meras aparências no jogo dos bons costumes que alguém se lembrou de escrever para catalogar, rotulando o aceitável e o rejeitável..sou como sou.. mas quem sou eu? sou a imagem que dou ao mundo ou a imagem que o mundo vê em mim? porque me sinto só no meio da multidão que todos os dias entra e sai da minha vida, porque grito sem razão tentando vomitar esta dor que me trespassa? o que faço aqui? tudo o que construirei se apagará nas memorias do tempo, se desaparecer o mundo não vai parar de girar, vai continuar no seu circuito uma outra vez.. AHHHHHHH sinto o corpo a tremer iniciando mais uma possessão de raiva em que todos os meus poros se preenchem de violência incontida para com o mundo e contra mim,  não sei que merda é esta que me rasga socalcos no peito e semeia flores negras de confusão.  das colunas abafadas do computador a mensagem chega enviada involuntariamente por algum participante do programa dos finais de tarde de discos pedidos.. "Ninguem é quem queria ser.. eu queria ser ninguém..."  saboreia cada palavra absorvendo-as com todos os sentidos.. nunca pensou que uma música pudesse assentar-lhe tão bem.. agora entende o que viu no espelho.. ela viu Ninguém.. 

quinta-feira, 11 de março de 2010

Luís ou Eva?

ventos intempestivos
abanam as finas paredes
da minha sanidade
assobios agudos esganiçam-se
por cima do bater das horas
estou só, encontro-me só
sinto-me só, vivo só...
amo por momentos
esqueço em segundos
aquilo que recolho de diversos mundos
cavalgando no cavalo de troia
em busca de Helena..
sorrisos vagos levam no seu brilho
os amores de ninguém
as canções do velhinho
o coração de alguém..

quinta-feira, 4 de março de 2010

O Mergulho de Manuel

a lareira crepitava suavemente ao fundo da sala, o cheiro da madeira de pinho a arder inundava a sala inebriando-lhe os sentidos.. roda suavemente na mão o cálice de licor observando os círculos imperfeitos que o liquido meloso deixava atrás de si através do vidro enaltecido pelo dourado que a chama lhe oferecia. o seu rosto denuncia o seu pesar, os lábio inferior capturado no meio dos seus dentes parecem conter o grito que teima subir-lhe pela garganta, os seus olhos semi cerrados escondem o brilho da lágrima que teima em vir..  o seu cabelo desalinhado e a barba por fazer escondem os músculos tensos dos seus maxilares apertados num esgár de revolta..
está assim desde que acordou na cama de Eva após uma noite de pura magia, de reencontro pelo menos assim o sentiu, amou-a tentando apagar os meses de sofrimento que a ausência inexplicável dela provocou, sem fazer perguntas, só não lhe deu o que tinha porque já ela possuía. a alma, o coração! para quê?para mais uma vez o atirar ao chão quando atendeu aquele maldito telefonema mal ele abriu os olhos e lhe sorriu.. mais uma conquista barata de certeza pensou ele. mas a alegria dela, as palavras que usou -"sabia que ligarias.." e o seguimento da conversa aliando-se ao brilho dos seus os olhos de pura excitação, o deambular nervoso como o de uma adolescente revelou-lhe que tudo foi ilusão.. e ele ali, esquecido... em silêncio vestiu-se e saiu.. ela nem sequer reparou. e agora está mergulhado no seu mundo afundando-se no sofá que já parece uma extensão grotesca do seu corpo encarquilhado pela dor ... o toque de Eva não mata.. mas aniquila..