Eu tinha escrito:
Tapar todos os buracos de uma vida
Pode custar-nos a vida
E desligar-nos dos breves lampejos
De silêncio em que sob a laje a erva se empolga.
Voltar atrás, fazer entalhes
No remo ao invés de o meter na água,
Torna inúteis as sementes de cravinho
Enfiadas pela criança na fechadura do castelo
Pode custar-nos a vida
E desligar-nos dos breves lampejos
De silêncio em que sob a laje a erva se empolga.
Voltar atrás, fazer entalhes
No remo ao invés de o meter na água,
Torna inúteis as sementes de cravinho
Enfiadas pela criança na fechadura do castelo
O
Paulo José Miranda, do seu Brasiu profundo, devolveu-me:
Tapar todos os buracos de uma vida
Custa a vida
Desliga-nos dos breves lampejos
De silêncio
Em que sob a laje a erva se empolga.
Voltar atrás,
Retroceder braços aos remos
Inutiliza as sementes de cravinho
Plantadas pela criança na fechadura do castelo
Custa a vida
Desliga-nos dos breves lampejos
De silêncio
Em que sob a laje a erva se empolga.
Voltar atrás,
Retroceder braços aos remos
Inutiliza as sementes de cravinho
Plantadas pela criança na fechadura do castelo
Estava o Paulo em
febres e olhou para o poema com o seu viés metalúrgico forjado em Paio Pires e,
truca, e zás, mudou umas peças à engrenagem.
Ficou a coisa muito
melhor. Explico porquê:
limpar os verbos
compostos melhora sempre; personalizar os infinitivos melhora sempre; enxugar
as articulações melhora sempre (que estava ali a fazer o “ao invés?”); com a
mudança proposta os primeiros versos tornam-se mais universais e descem depois
ao particular com a partícula verbal, vaivém que a versão anterior não tinha; a
mudança de “enfiadas” para “plantadas” (chamando as coisas pelos seus nomes)
concretiza melhor o absurdo da acção
– enfim, o Paulo
poupou-me tempo.
Esta questão do
tempo na poesia é importantíssimo, como dizia a Margarida: o tempo esse grande escultor, etc. O tempo reduz as
coisas ao que é, dá-lhes o lanho próprio. A ilusão de partilhar as coisas em
tempo real – nos blogues, no facebook – não deve retirar-nos a lucidez para
compreender que só o tempo actua no tempo e imprime as mudanças que são
necessárias a cada talhe.
A velocidade é o
maior inimigo da arte.
Podemos é aceitar o
outro como acelerador do tempo. Ou nós somos capazes de autoscopia e reduzimos
o intervalo de latência entre a feitura do poema e a nosso desafecto emocional,
conseguindo então olhá-lo rapidamente com um gume objectivo e topar de imediato
onde as articulações rangem –
ou então, uma
solução pode ser o olhar de outro, atento.
Não um outro
qualquer, um outro em cujo gosto e acerto técnico confiamos.
Uma espécie de
guilda.
Para que isto possa
acontecer e aqui, sim, a sageza pode ser útil, é necessário que, como me
observava ontem o cineasta Sol de Carvalho, que as pessoas deixem de competir
umas com as outras, mas compitam antes consigo mesmas, para se melhorarem.
Então,
desinteressadamente, estarão em condições de discutir as formas e de aceitar
aquilo que interessa para melhorar o que quer que seja que se esteja a fazer –
sendo aí o mais importante o texto e não o ego.
Raras pessoas são
infelizmente capazes deste diálogo.
Contava-me o (TREMENDO)
poeta João Pedro Grabato Dias que uma vez houve um poeta português de renome
que lhe perguntou se ele havia gostado de um poema dele ao que o Grabato
respondeu, Gostei tanto que já incorporei!, tendo o outro ficado abespinhado. Eu
adoraria que o Grabato me incorporasse.
Adorei ser
incorporado pelo Paulo.
Entretanto, acabo
de desiludir a minha filha Jade, de seis anos, que me pediu, tens de dizer o
mais rápido que possas todas as palavras que souberes com a letra éle… o que me
deixou de imediato bloqueado (fui sempre lerdo neste tipo de jogos)…
Mas por que raio
não me pediu ela, tens de dizer o mais
devagar possível todas as palavras com a letra éle?
Aí talvez eu
tivesse hipóteses…