CVII. DA CONDIÇÃO HUMANA
Se variam na casca, idêntico é o miolo,
Julguem-se embora de diversa trama:
Ninguém mais se parece a um verdadeiro tolo
Que o mais sutil dos sábios quando ama.
CVIII. DA FALTA DE TROCO
Quase nunca ao mais alto dos talentos
Um prático sucesso corresponde:
Se só tens uma nota de quinhentos
Como conseguirás andar de bonde?
CIX. DA AMARGA SABEDORIA
Conhecer a si mesmo e aos outros... Ver ao mal
Com mais clareza.., á triste e doloroso dom!
E sofrer mais que todos, no final,
Sem o consolo de ter sido bom...
CX. DA MORTE
Um dia... pronto!.., me acabo.
Pois seja o que tem de ser.
Morrer que me importa?... O diabo
É deixar de viver!
CXI. DA PRÓPRIA OBRA
Exalça o Remendão seu trabalho de esteta...
Mestre Alfaiate gaba o seu corte ao freguês...
Por que motivo só não pode o Poeta
Elogiar o que fez?
[Mario Quintana; Espelho Mágico, 1945]
sábado, maio 31, 2008
quinta-feira, maio 22, 2008
XX
Para Athos Damasceno Ferreira
Estou sentado sobre a minha mala
No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Em tanta inútil, misteriosa escala!
Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu nada mais desejo, nem a morte...
Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo
Pra que partir? Sempre se chega, enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se, por si mesmas, elas vêm a mim?
[Mario Quintana; A Rua dos Cataventos, 1940]

No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Em tanta inútil, misteriosa escala!
Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu nada mais desejo, nem a morte...
Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo
Pra que partir? Sempre se chega, enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se, por si mesmas, elas vêm a mim?
[Mario Quintana; A Rua dos Cataventos, 1940]
terça-feira, maio 20, 2008
A canção que não foi escrita
segunda-feira, maio 19, 2008
XXIV
Para Lino de Mello e Silva
A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.
E quando a ciranda parava um segundo,
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...
Dali a três quadras o mundo acabava.
Dali a três quadras, num valo profundo...
Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo...
E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo...
E quando a ciranda por fim terminava
E o silencio, em tudo, era mais profundo,
Nosso Senhor esperava.., esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.

[Mario Quintana; A Rua dos Cataventos, 1940]
A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.
E quando a ciranda parava um segundo,
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...
Dali a três quadras o mundo acabava.
Dali a três quadras, num valo profundo...
Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo...
E Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo...
E quando a ciranda por fim terminava
E o silencio, em tudo, era mais profundo,
Nosso Senhor esperava.., esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.

[Mario Quintana; A Rua dos Cataventos, 1940]
terça-feira, maio 13, 2008
Casas
Para Cecília Meireles
A casa de Herédia, com grandes sonetos dependurados como panóplias
E escadarias de terceiro ato,
A casa da Rimbaud, com portas súbitas e enganosos corredores, casa-diligência-navio-aeronave-pano, onde só não se perdem os
e onde a gente quebra admiráveis vasos barrocos
correndo atrás de pastorinhas do século XVIII,
A casa de William Blake, que fica sempre noutra parte...
E a casa de João-José, que fica no fundo de um poço, e que não é propriamente casa, mas uma sala-de-espera do fundo do poço.

[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
A casa de Herédia, com grandes sonetos dependurados como panóplias
E escadarias de terceiro ato,
A casa da Rimbaud, com portas súbitas e enganosos corredores, casa-diligência-navio-aeronave-pano, onde só não se perdem os
sonâmbulos e os copos de dados
A casa de Apoinaire, cheias de reis de França e valetes e damas dos quatro naipese onde a gente quebra admiráveis vasos barrocos
correndo atrás de pastorinhas do século XVIII,
A casa de William Blake, que fica sempre noutra parte...
E a casa de João-José, que fica no fundo de um poço, e que não é propriamente casa, mas uma sala-de-espera do fundo do poço.

[Mario Quintana; Aprendiz de Feiticeiro, 1950]
Assinar:
Postagens (Atom)