abril 30, 2010

Fúria Divina - José Rodrigues dos Santos

"Uma mensagem secreta da Al-Qaeda faz soar as campainhas de alarme em Washington. Seduzido por uma bela operacional da CIA o historiador e criptanalista português, Tomás Noronha é confrontado em Veneza com uma estranha cifra.
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Ahmed é um menino egípcio a quem o mullah Saad ensina na mesquita o carácter pacífico e indulgente do islão. Mas nas aulas da madrassa aparece um novo professor com um islão diferente, agressivo e intolerante. O mullah e o novo professor digladiam-se por Ahemd e o menino irá fazer uma escolha que nos transporta ao maior pesadelo do nosso tempo.
E se a Al-Qaeda tem a bomba atómica?
Baseando-se em informações verídicas, José Rodrigues dos Santos confirma-se nesta obra, surpreendente como o mestre dos grandes temas contemporâneos. Mais do que um empolgante romance, Fúria Divina é um impressionante guia que nos orienta pelo labirinto do mundo e nos revela os tempos em que vivemos."

Mais um de leitura rápida, embora este seja consideravelmente maior que A Herança de Eszter (a minha opinião aqui). Infelizmente é maior, mas apenas no número de páginas. Não consigo dizer que não gostei, porque o tema chega a ser fascinante, mas a forma como está escrito não me agradou. No entanto li-o rápido por isso dizer que não gostei seria exagerado, mas está a anos luz do A Filha do Capitão (a minha opinião aqui), do mesmo autor.

Um dos objectivos do livro é mostrar ao leitor que os islamitas fundamentalistas são-o porque assim está escrito no Al-Corão, são-o porque Alá, através de Maomé, assim o mandou. Não ponho em questão esta informação, até porque ela é suportada por excertos do próprio Al-Corão e este, pelo que percebi, é muito claro relativamente às orientações que deixou aos seus fiéis. O que não gostei foi da repetição desta ideia e consequente explicação ao longo de todo o livro. A páginas tantas tive a sensação que o José Rodrigues dos Santos achava que os leitores eram burros ou de compreensão lenta de tal forma a coisa é repetida. Percebi à primeira, JRS! Ouviste, ou queres que repita durante 578 páginas??? Torna-se mesmo aborrecido e tenho a certeza de que o livro teria metade do tamanho, não fosse o JRS ter esta obsessão, esta e outras... :/
Também me deixou um bocadinho, como direi?, agastada que ele aproveite toda e qualquer oportunidade para mostrar aos leitores que fez um pesquisa profundíssima sobre o tema, pondo descrições exaustivas sobre tudo e mais alguma coisa, quer fosse sobre o islão, quer fosse sobre um qualquer programa informático fantástico da CIA. Por muito interessante que seja, mata o ritmo da história que já de si, não é propriamente grande coisa... :/
Custa-me, porque gostei muito do A Filha do Capitão, ter achado os diálogos vazios e as personagens sem grande textura e, sinceramente não me identifiquei com nenhuma delas, nem mesmo o português Tomás Noronha, aparentemente um Don Juan em potência. Achei interessante a fase da infância de Ahmed, mas quando ele é já um adulto fundamentalista achei-o infantil e com dúvidas existenciais demasiado forçadas, para que JRS pudesse mais uma vez dar-nos uma "lambidela" de cultura islâmica. O autor não soube fazer crescer Ahmed e ele pura e simplesmente deixou de me interessar. :/
JRS ao querer criar pretextos para nos elucidar sobre estes temas, torna a personagem da Rebecca no mínimo incompetente, porque é impossível uma agente da CIA não saber algumas das coisas que o Tomás Noronha acaba por lhe explicar. Uma "gaja" que trabalha para a CIA, que tem como função detectar na península ibérica movimentações suspeitas de radicais muçulmanos não pode ser tão ignorante, como JRS a faz parecer, sobre a história do Islão e sobre as razões que os levam a optarem pelo fundamentalismo. É simplesmente impossível e torna-a completamente acessória ao desenrolar da história e uma tentativa frustrada de nos fazer acreditar que Tomás e ela ainda vão andar aos beijos... :/

Apercebo-me, enquanto escrevo, de que na realidade não gostei do livro... :( A única coisa positiva que lhe encontro é o tema e o que aprendi com ele. A pesquisa que ele fez é de facto impressionante mas, acho que teria sido mais bem aproveitada de outra maneira. Mais valia o autor ter assumido isto como um ensaio, um livro de opinião, qualquer coisa menos um romance, porque não o é.
No A Filha do Capitão, ele conseguiu um equilíbrio eficaz entre os factos reais e a ficção. A linha entre os dois era ténue, às vezes passava-se para o lado do excesso mas nunca foi suficiente para matar o livro, porque a história principal era forte e aguentava bem com as intromissões da realidade. Em a Fúria Divina o JRS esqueceu-se de construir uma história sólida à volta da qual giraria o islão e os seus fundamentalismos.

Não posso deixar de salientar, no entanto, que o que li sobre o Islão me deixou de queixo caído. Não fazia ideia que o Al-Corão era tão violento, e com tão pouco espaço deixado para interpretações. Comparando com a Biblia, que pode ter várias interpretações pois está cheia de metáforas, escrita como se fosse uma espécie de fábula ou livro de contos, o Al-Corão é bem claro naquilo que diz e a bem da verdade, os verdadeiros crentes são mesmo os que o seguem à letra. Os verdadeiros muçulmanos são os que seguem e cumprem todas as orientações do Profeta. É uma ideia perturbadora e fiquei perplexa com a forma de pensar dos radicais e pelas razões que evocam para justificarem as suas acções. É demente... Felizmente não são uma maioria no mundo islâmico. Mas, a verdade é que é muito difícil prevenir as acções violentas de gente que acredita profundamente que a guerra aos infiéis é a única forma de cumprir os desígnios de Deus, que morrer no cumprimento das ordens de Alá é uma passagem garantida para o Paraíso. Esta gente não questiona o que lhes é dito, limita-se a cumprir o que um homem escreveu, usando o nome de Deus, no século VII. O mesmo se aplica a qualquer outra religião, não estou aqui a atacar o islão, até porque não sou crente em nenhum Deus ou Deuses, o que eu não sabia era que o Al-Corão era tão assumidamente desumano. O que me tranquiliza nisto tudo é a certeza de que é por serem desta forma que nunca chegarão onde desejam, que o islamismo seja a única religião no mundo inteiro. Há demasiada ignorância e atraso nestas atitudes para que os objectivos deles sejam cumpridos. Não podemos é andar encolhidos e cheios de medo e, não podemos ser tolerantes com quem não respeita os mais elementares direitos do Homem. Isto é válido para qualquer pessoa e qualquer religião.

Enfim, em jeito de conclusão, não tivesse eu lido A Filha do Capitão e acho que não voltaria a pegar noutro livro do JRS... Razão teve o amigo do meu mais-que-tudo que, quando o viu com este livro na mão para mo oferecer lhe disse: "Não deves gostar lá muito dela!" Razão tinha em relação ao livro porque, gostar de mim eu sei que gosta! ;)

Nota: O ex-operacional da Al-Qaeda, um tal de Paulo José de Almeida Santos aka Abdullah Yusuf é, para não dizer pior, um louco e por isso fiquei desconfortável por vê-lo, aqui, sentado ao lado do JRS na apresentação do livro. E, sinceramente duvido de que alguma vez tenha privado com Osama Bin Laden ou com a Al-Qaeda... Para mim não passa de um louco que tentou matar o Rei do Afeganistão exilado na Itália, em 1991, o que lhe proporcionou 8 aninhos numa cadeia italiana.

abril 25, 2010

A Herança de Eszter - Sándor Márai

"Instalada na casa que herdou do seu pai e com a única companhia de uma parente idosa, Eszter é uma mulher solteira que vive com a placidez de quem conseguiu adaptar-se ao que a vida lhe ofereceu. Até que um dia recebe um telegrama de Lajos, um velho amigo da família, anuciando a sua iminente visita. Um canalha encantador e sem escrúpulos, dotado de um poder de sedução irresistível, Lajos não só traiu o amor de Eszter, mas também destruiu a sua família e roubou tudo o que possuíam, excepto a casa em que vivem e o jardim com que subsistem. Eszter prepara-se então para o receber, comovida por um turbilhão de sentimentos contraditórios."

Bem, este foi de leitura rápida! E não foi só por ser pequeno, foi mais porque a história é boa e a escrita é tão fluída e tão próxima que, quase temos a sensação de estar a ouvir a história da boca da própria Eszter, sentada à nossa frente em jeito de confidência. E seria de mau tom interromper Eszter, pelo que "ouvimos" cheios de curiosidade e com algum fascínio as confissões desta mulher, que nos abre o seu coração de uma forma desprendida, como se já nada mais interessasse.

Tinha algumas expectativas com relação a este livro, na realidade, as expectativas estavam mais no autor, Sándor Márai, totalmente desconhecido por mim até a revista Sábado me ter "obrigado" a uma pesquisa sobre ele com o intuito de saber se valia a pena comprá-lo ou não. Nessa pesquisa li maravilhas sobre este escritor húngaro o que dissipou todas as minhas dúvidas e, A Herança de Eszter veio juntar-se à minha biblioteca particular. :)
Em boa hora o fiz pois gostei muito de conhecer o autor. Adorei a escrita simples, mas com muita profundidade, e a forma como nos conta a história desta mulher, Eszter, que viveu toda a vida presa a um amor doentio e triste que não teve forças para combater.

Lajos é irresistível, sedutor e afável. Características que são perigosas quando a elas se juntam a mentira, a falta de escrúpulos, a falta de consciência, a imoralidade e o auto-deslumbramento. Lajos é tudo isto e mais algumas coisas. A todos consegue encantar e todos se deixam enganar por ele, de forma consciente e consentida e até com algum orgulho, de tal forma a sua presença é mágica. Eszter não foge à regra, apaixona-se por ele e continua a amá-lo mesmo depois de ele se ter casado com a sua irmã mais velha, Vilma, e mesmo depois de este lhe ter roubado praticamente todos os seus bens. Sabe que ele é um mentiroso mas não consegue e não quer esquecê-lo. Eszter é de uma resignação perturbadora quando, ao fim de mais de vinte anos, Lajos volta para lhe exigir a casa e o jardim, algo que acredita pertencer-lhe por direito. Eszter entrega-lhe tudo, não porque acredite no que ele lhe diz, mas porque sente que não poderia ser de outra forma. É também a forma que encontrou para pôr um ponto final numa história com mais de vinte anos, recheada de esperanças e desilusões. Depois disto Lajos não tem mais razões para voltar e Eszter pode finalmente dormir descansada, com a tranquilidade de quem se apercebe que não está nas suas mãos controlar o destino, as coisas são como são.

É realmente perturbadora esta mulher e, embora não a consiga perceber nem às suas atitudes, o livro não poderia ter outro desfecho, porque Lajos nunca mudará e Eszter também não. Muitas vezes as coisas são como são e nada do que façamos poderá alterar o curso dos acontecimentos. Muitas vezes, na vida, só conseguimos seguir em frente quando temos a humildade de aceitar que há coisas que não podemos alterar. Eszter escolheu aceitar que nunca deixaria de amar Lajos e, tendo consciência do que os unia, seguiu em frente porque na realidade, os problemas, muitas vezes, têm a dimensão que nós lhes damos. Não é que os problemas deixem de existir, apenas deixam de nos consumir e deixam de nos impedir de gozar a vida. :) Enfim, é um livro que aconselho e um escritor que quero conhecer melhor.

Boas leituras!

abril 21, 2010

O Cego de Sevilha - Robert Wilson

"É Semana Santa em Sevilha, a semana da Páscoa de paixão e procissões. Um empresário de renome é encontrado atado, amordaçado e morto em frente à sua televisão. As feridas auto-infligidas deixam perceber a luta que travou para evitar o horror das imagens que foi forçado a ver. Quando confrontado com esta macabra cena, o habitualmente desapaixonado detective de homicídios Javier Falcón sente um medo inexplicável. O que é que podia ser tão terrível? A investigação da vida turbulenta da vítima arrasta Falcón através do seu passado e dos misteriosos diários do seu falecido pai, um artista mundialmente conhecido. Revelações dolorosas agitam a memória de Falcón e mais assassínios ocorrem, impelindo-o para a revelação da terrífica verdade. E ele compreende que não se trata só da caça ao assassino que tudo vê, que conhece as vidas secretas das suas vítimas, mas também da procura da sua alma perdida. O Cego de Sevilha é um romance que combina tensão de um thriller psicológico com a intensidade emocional de um tour de force literário. Um verdadeiro festim para todos os sentidos."

A primeira vez que ouvi falar do Robert Wilson foi na Actual do jornal Expresso, onde o crítico dava 5 estrelas ao último livro da série de Javier Falcón, A Ignorância do Sangue. Fiquei curiosa e, aproveitando a promoção de Natal da Wook, lá veio O Cego de Sevilha para a minha prateleira. Tinha grandes expectativas para este livro e, embora tenha gostado muito de o ler, ficou um bocadinho aquém do esperado, o que só acontece quando as expectativas são elevadas.
Demorei mais do que o normal a lê-lo porque senti que, embora seja um policial, não é um livro de leitura compulsiva. Ganha-se mais lendo devagar, pelo menos até certa parte da história. Só a mais de metade do livro é que a leitura ficou mais compulsiva, por imposição da própria história que, neste aspecto está muito bem conseguida. Dei por mim a ler sempre que podia, inclusive enquanto tomava o pequeno-almoço, coisa rara em mim... :)

O Cego de Sevilha é o livro de apresentação do detective Javier Falcón, inspector jefe do departamento de homicídios de Sevilha. Javier Falcón é conhecido por ser frio e desapaixonado tanto na sua profissão como na vida privada, um homem sem coração segundo a sua ex-mulher Inés. Responsável pela investigação do brutal e invulgar assassínio de Raúl Jimenez, um empresário de renome, Falcón que não o conhecia, fica de tal maneira perturbado que toda a sua sobriedade e fama de implacável são abaladas. Perante o corpo mutilado de Raúl Jimenez, sente um medo irracional que não sabia existir, um medo que não sabe de onde vem e que o assusta para além do que é aceitável. Torna-se obsessivo, querendo saber tudo sobre Raúl Jimenez, especialmente quando descobre um fotografia do falecido pai, nos pertences da vítima. Nesta investigação Javier é obrigado a enfrentar memórias passadas que julgava para sempre esquecidas mas que vieram à superfície, de forma desconexa, ao olhar para o corpo mutilado de Raúl Jimenez.
O livro, numa fase inicial, vai-nos relatando a espiral de loucura que vai envolvendo o inspector, a perplexidade dele perante os seus mais recentes comportamentos e sentimentos, enquanto vai tentando manter as aparências perante os colegas de trabalho. Esta é a fase da investigação propriamente dita, com inquéritos a suspeitos e efabulação de teorias sobre o que se passou. Mais para a frente, quando Javier encontra os diários do pai, Francisco Falcón, a história toma outro rumo, centrando-se mais ainda no Javier e nos seus terrores. Nos diários Javier descobre um pai que desconhecia, um homem violento, um verdadeiro monstro. É nos diários que Javier encontra as respostas que justificam o seu comportamento recente e, é nos diários que está a chave para a resolução do crime que tem em mãos.

É um livro muito interessante, passa por várias épocas da história espanhola, a guerra civil e a segunda guerra mundial. Durante a investigação fazem-se referências às suspeitas de corrupção aquando da Expo'92 em Sevilha. Fala-se de pedofilia e do contrabando praticado nos anos 50, 60 no norte de África em Tânger, onde viviam muitos espanhóis.
Está muito bem escrito com uma história equilibrada com as doses certas de tensão. O único senão para mim foi não haver uma melhor caracterização do assassino, sabermos mais sobre o caminho que percorreu até chegar ao extremo que chegou, porque no fim acabei por achar as razões dele frágeis. Mas percebo que para sabermos mais sobre o assassino não haveria espaço para sabermos tanto sobre o Javier Falcón, que acaba por ser o mais importante, ou não fosse ele "o cego de Sevilha". :)
Concluindo, gostei muito do livro, que de início me custou um pouco a ler mais pelo meu estado de espírito (cabeça ocupada com outras coisas) que por culpa da história. Existem, no entanto, momentos parados, diálogos e pormenores da investigação que só não são inúteis porque são necessários para perceber a decadência da personagem principal, mas que tornam a leitura menos prazenteira. Vou de certeza ler mais livros do Robert Wilson, que ainda por cima vem buscar a inspiração ao nosso Alentejo onde tem uma casa. :)

Nota sobre esta edição: Embora no original o autor tenha usado muitos termos em castelhano, acho que a opção de não os traduzirem para português, mantendo-os em castelhano e destacando-os em itálico, não funcionou para mim. Por serem tão semelhantes ao português, muitas vezes exactamente iguais, achei despropositado. Porque não "inspector chefe do Grupo de Homicidios de Sevilha", em vez de "inspector jefe del Grupo de Homicidios de Sevilha"? Ou Polícia Científica em vez de Policia Científica? Diziam também Calle qualquer coisa em vez de Rua qualquer coisa, ou Juez em vez de Juiz. Achei desnecessário, porque embora acredite que funcione no original por estar escrito em inglês, em português dispersa um pouco a atenção. Deveriam ter mantido apenas os nomes das ruas e dos monumentos em castelhano, o resto deveria ter sido traduzido. Foi uma das razões pelas quais me custou o início do livro porque me irritou um bocadinho... :p

abril 17, 2010

Pare, Escute, Olhe de Jorge Pelicano

Fui ao cinema ver o filme Pare, Escute, Olhe do Jorge Pelicano e adorei! Entrei na sala um pouco apreensiva, pois nunca fui ao cinema ver um documentário e não sabia se iria ser aborrecido, afinal o filme tem uma duração de 102 minutos, o que é considerável. A verdade é que não há que temer, o filme é tudo menos aborrecido, havendo inclusive espaço para umas boas gargalhadas, ou não fosse o Sr. Abílio um transmontano bem disposto! :) Só não rimos mais porque sentimos que o tema do documentário não se presta a comédias e, que por detrás daquilo que nos faz rir há muita miséria humana, muito esquecimento e muito abandono. Mas que o Sr. Abílio é uma personagem, lá isso é! :p Para além da boa disposição do Sr. Abílio o filme está recheado de paisagens lindas do Tua. É uma região mesmo muito bonita e com um enorme potencial turístico que, aparentemente ninguém está interessado em explorar, deixando a região de Trás-os-Montes cada vez mais desertificada. E as pessoas do filme são tão genuínas que dói ver como são esquecidas por todos. Fiquei até um pouco angustiada quando pensei na possibilidade de no futuro não existirem pessoas como as do filme. Imaginam um mundo sem velhotes como os nossas avós?! Um mundo sem aldeias? Não seria um mundo muito mais triste?
Este filme é uma imagem do Portugal profundo que é tão diferente do Portugal dos grandes centros urbanos.

Fica aqui a sinopse do filme, cujo trailer podem ver aqui:

"Dezembro de 91. Uma decisão política encerra metade da centenária linha ferroviária do Tua, entre Bragança e Mirandela. Quinze anos depois, o apito do comboio apenas ecoa na memória dos transmontanos. A sentença amputou o rumo de desenvolvimento e acentuou as assimetrias entre o litoral e o interior de Portugal, tornando-o no país mais centralista da Europa Ocidental.
Os velhos resistem nas aldeias quase desertificadas, sem crianças. A falta de emprego e vida na terra leva os jovens que restam a procurar oportunidades noutras fronteiras. Agora, o comboio que ainda serpenteia por entre fragas do idílico vale do Tua é ameaçado por uma barragem que inundará aquela que é considerada uma das três mais belas linhas
ferroviárias da Europa.
PARE, ESCUTE, OLHE é uma viagem por um Portugal profundo e esquecido, conduzida pela voz soberana de um povo inconformado, maior vítima de promessas incumpridas dos que juraram defender a terra. Esses partiram com o comboio, impunes. O povo ficou, isolado, no único distrito do país sem um único quilómetro de auto-estrada."

Para quem não sabe, Jorge Pelicano é repórter de imagem da SIC e realizador nas horas vagas. Para além deste Pare, Escute, Olhe, realizou também o Ainda Há Pastores, também ele muito bom. :)
Existe ainda uma reportagem, entre as muitas em ele terá já trabalhado, que vi recentemente e que adorei. Chama-se Eu e Os Meus Irmãos e é sobre os órfãos da SIDA em Moçambique. Podem ver esta reportagem da SIC aqui.
Dêem uma vista de olhos e, se por acaso o Pare, Escute, Olhe passar nalgum cinema perto de vocês, vão ver porque vale muito a pena.

abril 15, 2010

Contos do Nascer da Terra - Mia Couto

Não havendo uma sinopse, transcrevo parte do conto, A menina sem palavra (segunda estória para a Rita), que vem na badana da frente do livro:

"Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamento. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu
de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário de todas as direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
- Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez."


Não é bonito? Este livro de contos do Mia Couto é lindo! É puro prazer! Estava a precisar de ler algo assim, simplesmente bonito, que me deixasse com um sorriso na cara e que me enchesse de ternura e encantamento. :)
Estes contos transportam-nos para outra dimensão, são realmente contos do nascer da terra, numa altura em que, como se diz, os animais ainda falavam.
Vale muito a pena ler este livro, desde que o façam devagarinho, saboreando cada palavra e cada frase. Mia Couto é O contador de histórias, um contador de histórias de encantar para adultos. Estes contos deixam-nos de olhos brilhantes e com uma sensação de aconchego imensa. É um livro reconfortante e mais não digo! Não percam mais tempo, vão mas é ler Mia Couto porque é um consolo para a alma. :p

Boas leituras!

abril 06, 2010

A Peste - Albert Camus

" A Peste é, sem dúvida, o romance de consagração de Albert Camus. Publicado em Junho de 1947, o seu sucesso foi imediato e avassalador. Em Orão, na Argélia, no início dos anos 40, tem início uma epidemia de peste. A cidade, sujeita a quarentena, torna-se um território irrespirável. É talvez por isso que as mulheres quase não são visíveis nestas páginas. Mas a sua ausência não deixa um espaço vazio. Pelo contrário. Sentida como uma falta, como uma ferida aberta (que as lágrimas de Grand, porventura uma das mais tocantes personagens do livro, tornam evidentes), essa ausência sublinha a importância da ternura e da felicidade. E, ao mesmo tempo, vem tornar claro o verdadeiro significado desta obra: trágica alegoria de um tempo consagrado à inumanidade. O nosso."

A Peste é o primeiro livro que leio de Albert Camus, e estou certa não será o último, embora tenha sido um pouco diferente do que estava à espera.

Em A Peste, Orão é uma cidade próspera do litoral argelino, construída de costas voltadas para o mar, cujos habitantes vivem para trabalhar e acumular riqueza, vivendo de rotinas e sem qualquer sobressalto que os faça questionar a vida que levam. Orão é uma cidade moderna onde as relações humanas são relegadas para segundo plano, sobrevivendo no hábito e na tranquilidade das coisas dadas como certas, "Em Orão, como no resto do mundo,por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber." Os negócios são demasiado importantes e o divertimento tem dia e hora marcada. Fez-me alguma confusão a descrição de Albert Camus faz dos habitantes de Orão, tão indiferentes e desligados uns dos outros, mesmo durante a epidemia. Enquanto lia pareceu-me tão irreal que semelhante cidade existisse, mas a verdade é que é um retrato bastante fiel do que vivemos nos dias de hoje.
Fiquei ansiosa quando os ratos começaram a subir à cidade para morrer, por ver a falta de reacção da população. Era quase como se pensassem que ao ignorar o problema, ao não enfrentar a realidade, os ratos acabariam por desaparecer sem consequências. Eram algo desagradável, é certo, mas que apenas lhes alterava a rotina tranquila do dia a dia. Quando as pessoas começaram a morrer de forma tão avassaladora e em tão grande quantidade, a negação da epidemia deixou de ser possível e a cidade foi fechada ao exterior, ficando de quarentena por tempo indeterminado. A morte tinha-se instalado em Orão, separando famílias, amantes e amigos. Quando se viram isolados, sem poderem comunicar com o exterior, todos perceberam a importância que essas pessoas tinham nas suas vidas. Casamentos que se mantinham apenas pelo hábito ganharam nova vida e os amantes separados pelas portas da cidade reavivavam o sentimento devido à separação. Com o passar dos meses a dor da separação foi, para muitos a única razão para se manterem sãos, mesmo que para fim já nem os rostos das pessoas amadas conseguissem recordar com clareza.

Alguns viviam obcecados em fugir da cidade. Reencontrarem-se com quem ficou do lado de fora, era o mais importante. Aparentemente o medo de morrer sozinho era bem maior do que o perigo de contagiarem aqueles a quem desejavam voltar a ver e, que tinham por um golpe de sorte escapado à peste. Outros, como Rieux, Rambert, Tarrou e Grand, entregaram aqueles intermináveis meses de isolamento, medo e dor ao combate e à luta contra a epidemia. Relegando para segundo plano as aflições pessoais de cada um, em prol da comunidade. E houve, como sempre, aqueles que vêm em situações destas a oportunidade de lucrar com a miséria, como Cottard. Este livro tem de tudo e para todos os gostos... :)

Enfim, A Peste é um livro que faz um reflexão muito interessante sobre a morte e a vida, sobre as fragilidades humanas e sobre a forma como lidamos uns com os outros, em sociedade. Gostei muito de o ler, embora tenha ficado com a sensação de que a tradução desta edição não é das melhores. Fez-me confusão a forma distante como a história é narrada, numa espécie de crónica, onde os factos são relatados com muita objectividade pelo narrador. As excepções a esta objectividade resultaram, para mim, nos momentos que mais gostei de ler, embora falar de gosto seja provavelmente de mau gosto, pois foram momentos dramáticos. É o caso da morte do filho do juiz, apenas uma criança e a morte de Tarrou, uma pessoa intrinsecamente boa. Gostei muito das personagens que constituem o núcleo desta narrativa, Rambert, Grand, Cottard e, particularmente de Rieux e Tarrou.

Vale muito a pena ler A Peste. :)

Pretensos Factos:
- Dizem os dissecadores de livros que A Peste é uma alegoria à invasão de França pelas tropas alemãs, em 1940, em pleno nazismo. E, provavelmente essa leitura é válida.
- Albert Camus ter-se-à inspirado na epidemia de cólera que dizimou, em 1849, uma elevada percentagem da população de Oran, a segunda maior cidade da Argélia.