No seu
artigo de hoje do New York Times, Paul Krugman, com a fluidez de discurso habitual, disseca e arrasa duas das mais fortes ideias de campanha do símio
George W.:
1. A chamada Ownership Society (ou seja, a sociedade de quem possui o que quer que seja);
2. A privatização da Segurança Social.
Como ambos os temas são bastante actuais e parecem estar na agenda também do nosso Governo (ou melhor, do Governo do Santana), e sendo o Krugman um tipo insuspeito de ser vermelho e coisas do género (o que é importante para algumas pessoas com alergia ao quadrante em causa), acho que vale a pena ler o artigo e reter alguns argumentos.
No primeiro tema, o símio proferiu a seguinte pérola:
"I understand if you own something, you have a vital stake in the future of America.".
Argumenta Krugman que, por ingénuo que pareça, ele acredita que todos os americanos, independentemente daquilo que possuam têm um papel vital no futuro do país (afirmação por muitos considerada altamente vermelha!). E, claro, desmascara o slogan populista mostrando o que a medida significa realmente:
"But there's a political imperative behind the "ownership society" theme: the need to provide pseudopopulist cover to policies that are, in reality, highly elitist.
The Bush tax cuts have, of course, heavily favored the very, very well off. But they have also, more specifically, favored unearned income over earned income - or, if you prefer, investment returns over wages. Last year Daniel Altman pointed out in The New York Times that Mr. Bush's proposals, if fully adopted, "could eliminate almost all taxes on investment income and wealth for almost all Americans." Mr. Bush hasn't yet gotten all he wants, but he has taken a large step toward a system in which only labor income is taxed."
Claro que a única forma de legitimar socialmente políticas conducentes a uma distribuição mais desigual da riqueza é vender a ideia de que toda a gente pode chegar a ser um dos 1% mais ricos e é simplesmente isso que a "Ownership Society" significa. O problema é que por mais nobre que seja o objectivo, ele é impossível de atingir por 99% da população, logo não é socialmente justo esquecer a maioria e agravar as suas condições para satisfazer 1%.
A realidade actual está também demonstrada e quantificada no artigo:
"Right now, the ownership of stocks and bonds is highly concentrated. Conservatives like to point out that a majority of American families now own stock, but that's a misleading statistic because most of those "investors" have only a small stake in the market. The Congressional Budget Office estimates that more than half of corporate profits ultimately accrue to the wealthiest 1 percent of taxpayers, while only about 8 percent go to the bottom 60 percent."
Mas mais interessante para nós, portugueses, é a discussão em torno do segundo ponto, o da privatização da Segurança Social. Krugman relembra que este tema já é antigo e que já em 2000 Bush tinha o tema na agenda, mas que não fez nada para o concretizar. Porquê? A resposta de Krugman é clara e taxativa:
"And there was a reason the idea went nowhere: it didn't make sense."
Mas não se fica por aqui. Define Segurança Social -
"Social Security is, basically, a system in which each generation pays for the previous generation's retirement." - e explica porque é que a sua privatização é errada:
"If the payroll taxes of younger workers are diverted into private accounts, there will be a gaping financial hole: who will pay benefits to older Americans, who have spent their working lives paying into the current system? Unless you have a way to fill that multitrillion-dollar hole, privatization is an empty slogan, not a real proposal. In 2001, Mr. Bush's handpicked commission on Social Security was unable to agree on a plan to create private accounts because there was no way to make the arithmetic work. Undaunted, this year the Bush campaign once again insists that privatization will lead to a "permanently strengthened Social Security system, without changing benefits for those now in or near retirement, and without raising payroll taxes on workers." In other words, 2 - 1 = 4."
Para terminar aponta o dedo aos media por terem deixado passar (lá como, em certa medida, cá) a ideia de que retirar dinheiro do sistema significa viabilizá-lo:
"Four years ago, Mr. Bush got a free pass from the press on his Social Security "plan," either because reporters didn't understand the arithmetic, or because they assumed that after the election he would come up with a plan that actually added up. Will the same thing happen again? Let's hope not."
E aí está: sem qualquer assombro, um dos mais respeitados economistas da actualidade, desmonta dois dos maiores mitos do actual pensamento ocidental dominante. Dois pensamentos que ameaçam tornar-se dogmas, dado que cada vez que alguém os contesta é acusado de burocrata, nacionalizador, castrador da iniciativa privada e, claro, vermelho!
Obrigado, Krugman!