O projecto do hidrogénio, visando a
descarbonização e a dinamização da economia na próxima década e cuja estratégia
o governo aprovou no mês de Maio, integrará certamente o Plano de
Recuperação Económica em preparação.
Trata-se do maior projecto alguma vez pensado em
Portugal e que poderá ir, na formulação base, de valores de 5,6 mil milhões a
15 mil milhões de euros, ou mesmo 20 mil milhões em fase ulterior, em investimento
na produção de hidrogénio, em
infraestruturas de armazenamento e distribuição e ainda em fábrica de
eletrolisadores, laboratórios e infraestruturas para a exportação.
Tecnologia à parte, a defesa oficial do projecto suscita grandes dúvidas e
interrogações.
A primeira é a compatibilidade de um empreendimento que vai consumir grande
parte dos fundos europeus com a necessidade de atrair projectos bem
dimensionados que promovam a modernização e dinamização da estrutura produtiva
do país ou nela facilmente se integrem, repartindo simultaneamente os riscos
envolvidos.
A segunda é que a valia interna do projecto não é
justificada, aparecendo como meramente instrumental em relação aos objectivos da
descarbonização e da
transição energética, acentuados
de forma obsessiva em quase todos os parágrafos do documento. O
projecto é de alto risco, as renováveis já representam uma quota elevada e cara
e também aqui os fins
não justificam os meios.
A terceira é que o projecto não é viável por si, necessitando de incentivos,
públicos via OGE ou privados, em sobrepreços no consumo, em todas os seus segmentos:
na produção do hidrogénio, no seu armazenamento, distribuição e uso nos transportes e indústria, ou
na produção de
electricidade e de combustíveis e nas várias acções transversais ao projecto. E
também não dispensa incentivos à internacionalização e à exportação de
hidrogénio, o que significa apoios nacionais a consumos externos.
A quarta é que o projecto tem todos os sobrecustos e riscos de uma
tecnologia nova e não dominada, para mais concentrados na fase virada para o mercado interno, obrigado a suportá-los por inteiro.
A transição energética tem que ser interpretada à luz da realidade nacional.
De contrário, corremos o risco de desenvolver um projecto que se pode tornar uma
autêntica bomba de hidrogénio a deflagrar sobre a economia do país.
( meu artigo publicado em 27.06.2020 no DN/JN/Dinheiro Vivo)