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sábado, 17 de agosto de 2019

Doentes crónicos


Na sua Política, escrevia Aristóteles no século IV a. C. : “…Em tempos idos…, cada indivíduo considerava justo que os cargos fossem desempenhados em alternância. Actualmente, devido aos benefícios derivados dos cargos públicos e do exercício do poder, os homens desejam a ocupação permanente desses cargos. É como se os ocupantes desses cargos se tornassem homens doentes e apenas recuperassem a saúde quando estão em funções…”
Isto era na Grécia, mas por cá a situação é muito mais grave. É que os nossos políticos não ficam doentes quando terminam funções, já vão enfermos logo ao iniciá-las.
Nem a propósito, a Ministra da Saúde é exemplo de que entrou já severamente combalida quando, respondendo à Ordem dos Médicos sobre a morte de mais de 2.600 doentes enquanto aguardavam cirurgia, afirmou que 70% morreram dentro do prazo garantido…(para a cirurgia, supõe-se…).
Portanto, dentro do prazo, tudo bem, a culpa foi deles, que se apressaram a morrer…
E os que escolheram expirar fora do prazo de garantia foram apenas 30%, coisa negligenciável… deviam esperar um pouco mais… 
Por falar em prazos, também a Secretária de Estado da Justiça parece exercer funções em situação de pronunciada debilidade. Face à insuportável demora no atendimento para tratar do Cartão de Cidadão, resolveu culpar os utentes por irem para a porta dos serviços antes do prazo, neste caso, de abertura, quando estes ainda estão encerrados. Serviços bem organizados não podem compactuar com o calendário dos cidadãos, era o que faltava. Assunto resolvido.
Igualmente se confirmou a plena luz a enfermidade que vinha minando o Ministro da Administração Interna e que lhe abalou toda a resistência para responder à anunciada combustão das suas estimadas golas de auto-protecção (o eufemismo do ano…), aliás um material tão pouco auto-protector e tão inflamável que até lhe estoirou nas mãos. Em natural estado de choque, logo responsabilizou os cobras que propalavam tais irresponsáveis notícias e esmurrou mesmo o microfone que lhe apresentavam, classificando-o, ele, sim, e não as golas, como objecto combustível.
Ainda bem que um conveniente ensaio científico em tarde domingueira o fez ressurgir do abalo e anunciar a natureza não inflamável, mas meramente perfurável, do material. E, com tal reconversão, aí estamos novamente auto-protegidos contra incêndios não fumegantes nem perfurativos, obviamente de calor ameno. Sem protecção, perfurados e bem esturrados, é que lá deixou 125.000 euros de merchandising.
Grave perturbação também atingiu o Ministro dos Negócios Estrangeiros quando disse que “não é clara e que seria um absurdo a interpretação literal” de uma norma, raras vezes tão luminosa, que impede contratos com o Estado de empresas cujo capital seja detido em mais de 10% por titulares de órgão de soberania, fixando como sanção a nulidade dos contratos e a demissão daqueles titulares.
E com não menor torvação estará o próprio 1º Ministro que em 1996 defendeu essa lei e agora pede à Procuradoria-Geral da República a suprema graça de o iluminar sobre o que antes apoiara.     
Sintomas de moléstia aguda mostra também quem anuncia mobilizar reservas estratégicas de combustível para acudir à greve dos motoristas, quando o problema é, sim, a mobilização do combustível até postos de abastecimento…   
A grande maioria dos actuais políticos e governantes serão candidatos às próximas eleições. Devido aos benefícios derivados dos cargos públicos, os homens desejam a ocupação permanente desses cargos…tornam-se doentes e apenas recuperam a saúde quando estão em funções…”.
Aristóteles tinha razão. Bem para eles que, sem isso, se tornariam doentes crónicos.
Mas mal, muito mal, para uma democracia de qualidade. 
(meu artigo no i, edição de 14 de Agosto de 2019)

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A política energética nacional: um subsídio aos países ricos e poluidores


Para servir economia e cidadãos, as políticas públicas devem ser harmónicas, evitando extremismos e modismos, potenciando assim o seu contributo para o todo nacional.
Ora a política energética vigente, lançada de 2005 a 2011, de fomento das energias renováveis intermitentes e inteiramente vassala de uma política ambiental extremada, constitui um ónus excessivo e injustificado para a competitividade da economia. Segundo dados oficiais da ERSE relativos ao 2º Semestre de 2018, os preços da electricidade para uso doméstico e industrial são superiores aos preços médios dos países da EU-28.    
Aliás, a energia assim produzida mostra exuberantemente toda a sua perversidade: tem um preço garantido muito acima do mercado, entra na rede com prioridade em relação a outras fontes disponíveis a preços mais baixos, e é toda paga, mesmo que não consumida.  
Uma política justificada por objectivos ambientais e diminuição do défice externo, uma enorme falácia, porque Portugal não é um país poluidor, e o governo sempre escondeu quanto é que a economia perde exportações e aumenta importações devido ao sobrecusto da energia. Mais, oculta que tal política obriga a manter centrais térmicas a funcionar para o caso de faltar vento ou sol, custos assim em duplicado.
Portugal não é um país poluidor: a nível mundial, apresenta um valor bem inferior a 0,16% do total emissão de gases com efeito de estufa e, à escala da EU-28, apenas 1,6% das emissões, um valor per capita 20% mais baixo que a média da União. Foi ainda o país que em 2018 apresentou a maior redução de emissões de CO2, mais do triplo da média europeia. E, pasme-se, anuncia agora diminuir o efectivo bovino em 50%, levando à importação e carne e leite de locais onde tal espécie, pelos vistos, não emite gases, nem polui…
Como se tal não bastasse, o Governo decidiu recentemente licenciar mais potências intermitentes com preço fora de mercado (feed-in-tariffs), numa expansão da política que gerou um enorme défice tarifário, agora de 3, 8 mil milhões de euros, e originou os mais elevados preços da energia na EU-28 em termos de paridade de poder de compra.
No fim, um desequilíbrio entre políticas, ambiental e energética, que onera preços e diminui competitividade, um enriquecimento sem causa dos produtores e um subsídio de Portugal aos países ricos e poluidores. 
(meu artigo publicado no DN/JN/Dinheiro Vivo de 27 de Julho de 2019