O programa eleitoral da Coligação
faz referência a propósito de uma reforma do sistema pensões às contas
individuais dos contribuintes. Este aspecto não é contudo desenvolvido, mas
logo conduziu a críticas e a dúvidas, sem que, no entanto, fosse apresentada uma fundamentação. As contas individuais não são um bicho de sete cabeças.
As contas individuais estão associadas
a sistemas de capitalização virtual, como acontece com a Suécia. Vale a pena olharmos
para a reforma estrutural que este país empreendeu nos anos 90. As circunstâncias económicas e de finanças públicas eram semelhantes
à nossa. E os problemas financeiros do sistema de pensões os mesmos.
Os principais factores que
mobilizaram o país para reformar o sistema de pensões foram:
- (i) a consideração de injustiça
de um sistema que penalizava longas carreiras com uma história bem-sucedida de
contribuições acumuladas, devido à regra segundo a qual a pensão era função do
número de anos de carreira e não das contribuições acumuladas ao longo da vida
activa,
- (ii) o sentimento das gerações
mais novas, acompanhado pela sociedade em geral, de que o sistema de pensões
não iria cumprir no futuro as promessas feitas no presente e
- (iii) a constatação, através de
cálculos actuariais - baseados na assumpção de pressupostos de crescimentos
mais baixos da economia e do aumento da esperança média de vida – que seria
necessário aumentar a taxa contributiva, solução que não seria aceite pelas
futuras gerações.
Com a economia em recessão e
perante uma crise financeira e orçamental, a Suécia decidiu empreender uma
mudança no sistema de pensões da qual se realçam três grandes preocupações:
- (i) articulação virtuosa entre
a economia e as pensões (designadamente através de incentivos a uma maior
participação e permanência dos trabalhadores no mercado de trabalho),
- (ii) diversificação das fontes de rendimento
das pensões, de modo a melhorar a sua adequação na reforma (designadamente
através de um sistema multipilar de poupança para a reforma) e
- (iii) implementação de
mecanismos de ajustamento automático do equilíbrio de longo prazo do sistema e
de manutenção da taxa contributiva entre gerações, garantindo, assim, a
estabilidade financeira e a equidade do esforço contributivo ao longo do tempo.
A proposta de reforma foi sujeita
a um processo de discussão pública. A sua concretização foi possível graças ao
consenso político que reuniu cinco dos sete partidos com assento parlamentar,
representativos de 80% do eleitorado. Esta base alargada de representação
social manteve-se, garantindo a continuidade da reforma.
A viabilidade técnica da
capitalização virtual – modelo de repartição com contas individuais que
registam as contribuições e as valorizam em função do desempenho da economia –
está hoje bem demonstrada pela experiência sueca.
Sem particularizar, um sistema de
capitalização virtual em contas individuais (a) mantém o modelo de repartição,
isto é, as contribuições continuam a financiar as pensões a pagar e (b) mantém
uma contribuição definida (TSU) para financiar o sistema.
O que é que muda, em traços muito
gerais, em relação ao nosso sistema?
- Os planos de benefício definido
– em que a pensão obedece a uma fórmula de cálculo pré-estabelecida - são
substituídos por planos de contribuição definida e as contribuições do
trabalhador e da entidade empregadora são registadas e valorizadas numa conta
individual aberta em nome de cada trabalhador.
- A pensão é calculada à data da
reforma (a) em função das contribuições acumuladas na conta individual e
valorizadas ao longo do período de vida activa de acordo com uma taxa de juro virtual, que reflecte o desempenho da economia (por ex., a taxa de crescimento real do
PIB ou a taxa de crescimento real das contribuições para o sistema de pensões)
e (b) em função da esperança de vida naquela data.
- Existe um mecanismo (uma taxa
de juro interna do sistema, por ex. a evolução do rácio
contribuintes/pensionistas, rácio contribuições/pensões) que visa assegurar em
permanência o equilíbrio de longo prazo e a manutenção da taxa contributiva
entre gerações, garantindo a equidade do esforço contributivo ao longo do
tempo.
E para que fique claro, na capitalização virtual, ao contrário da capitalização financeira, as contribuições não são aplicadas nos mercados financeiros.
Vejamos algumas vantagens deste
sistema:
- Quanto mais tempo o trabalhador
se mantiver no mercado e mais contribuições fizer na sua conta individual e
melhor for o desempenho da economia, maior será o capital acumulado e,
consequentemente, maior será a sua pensão.
- Reforça o princípio da
contributividade, os trabalhadores são recompensados por mais contribuições que
fazem para o sistema, cada euro conta para a formação da pensão.
- Ganha em transparência a
relação que se estabelece entre os contribuintes e o sistema, através das
contas individuais.
- Incentiva à participação formal
no mercado de trabalho e à declaração de rendimentos para efeitos
contributivos.
- Melhora a ligação entre o
financiamento e as condições de reforma e o desempenho da economia.
- Encoraja as pessoas a pouparem
para a reforma.
- Imuniza défices financeiros de
longo prazo e garante a equidade entre gerações.
Uma outra vantagem importante é
que os governos são obrigados a fazer a gestão actuarial e a gestão financeira
de um sistema com estas características. O sistema de pensões ganha em
transparência.
Num sistema deste tipo, o Estado
deixa de prometer o que não pode dar. O Estado só paga o que a economia e a
demografia permitem. Esta mudança de paradigma impede a transmissão de dívida
para as futuras gerações e por esta via assegura a equidade intergeracional. De um ponto de vista económico não é indiferente. Face ao actual sistema de pensões, tem incentivos ao esforço contributivo, à poupança e à valorização do capital humano. Pontos a merecerem reflexão no debate que falta fazer sobre um sistema de pensões com futuro...