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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sardinhadas e piqueniques...

Não há dúvida de que somos mesmo bons. Recordistas nos "comes e bebes". Desta vez quinze mil pessoas assentaram arraiais em Setúbal para comerem seis toneladas de sardinha de Setúbal, regadas, presumo eu, de muitas pipas de vinho.
Um assador de 100 metros de comprimento laborou sem interrupção durante uma dezena de horas, fazendo a felicidade dos amantes e curiosos da sardinha.
Organizar e gerir uma megasardinhada deste calibre, com honras de recorde mundial - «A Maior Sardinhada do Mundo» - e assento no livro de recordes do Guinness, não parece ser tarefa fácil. Uma prova de que os portugueses também sabem empreender e ser bem sucedidos. Pena é que estas capacidades não se estendam a desígnios mais altos, porque não é com sardinhadas e piqueniques que nos sustentamos. Mas pronto, o povo fica alegre e esquece as amarguras. Nos tempos que correm não é coisa de somenos...

PSD muito preocupado com a notícia

O Dr. Francisco Assis revelou que o Engº Sócrates prometeu perante os órgãos do partido empenhar-se pessoalmente e a fundo na campanha de Manuel Alegre. O PSD recebeu com preocupação a declaração. É que são remotas as possibilidades de ser verdade o que o PM promete.

domingo, 30 de maio de 2010

Afinal não é só em Portugal...


P.S. - Acabo de receber um e-mail a dizer-me que por cá estes partidos foram legalizados mais cedo. Não achei graça nenhuma até porque não se aproxima da verdade a ideia de que em Portugal temos humoristas a liderar partidos...

Portugal não é a Grécia e o politicamente correcto

1.Faz hoje parte do discurso económico-político chamado “politicamente correcto” o patriótico refrão “Portugal não é a Grécia”…não há discurso importante que o não inclua, se não incluir pode ser suspeito de colaboração com os especuladores...
2.O discurso “politicamente correcto “ é, na sua essência, o mesmo que no longínquo ano de 2000 insistia que era disparate falar do endividamento externo…essa preocupação não fazia sentido numa zona monetária como a do Euro, era a mesma coisa que falar da dívida externa do Mississipi, lembram-se?
3.Esse discurso foi depois evoluindo, enriquecido com novos temas, por exemplo minimizando a importância dos défices orçamentais ou insistindo no alto virtuosismo do investimento público – para dinamizar a economia, insistiam até à saciedade, lembram-se?
4.No momento actual, o “politicamente correcto” está bastante “encostado às cordas”, acossado por uma horda de adversários implacáveis – para além do Dr. Medina Carreira, os especuladores do mercado, as agências de rating, os americanos apostados em destruir o Euro, etc.
5.Por outro lado, o “politicamente correcto” foi obrigado a deixar cair algumas das suas mais queridas bandeiras:
- O endividamento externo, ao contrário do que diziam, tem afinal enorme importância, mesmo numa zona monetária – e até se dá ao luxo de estrangular financeiramente a economia portuguesa;
- Para além do défice orçamental já não há agora qq vida…é um deserto medonho, ao contrário do que proclamavam alto e bom som, por exemplo em Abril de 2003;
- Até os grandes investimentos públicos têm vindo a cair uns atrás dos outros, os últimos resistentes estão agora concentrados no "Alcazar" da linha TGV Poceirão-Caia-rumo a Madrid.
6.Mas o “politicamente correcto” tinha de sobreviver, a sua missão deletéria sobre
a pobre e indefesa economia não podia acabar assim, sem glória. Era preciso encontrar rapidamente um novo “paradigma” para fazer valer os seus enfraquecidos argumentos…
7.Ora aí está pois o “Portugal não é a Grécia”, sem necessidade de qualquer justificação, para ganharem mais algum tempo e prosseguirem a sua patriótica missão de não deixar nada de pé…
8.Que Portugal não é a Grécia pode também concluir-se de um interessante texto publicado na edição do F. Times de 26 do corrente, sob título “World dangerously exposed to default”, no qual é feita referência a uma recente e magnífica,segundo o jornal, nota de “research” assinada pelo economista-chefe do Royal Bank of Scotland.
9.Nessa nota é apresentado o valor das dívidas, públicas e privadas, de Espanha, Grécia e de Portugal, detidas por instituições financeiras externas – são € 2 mil biliões, o equivalente a 22% do PIB da zona Euro e a mais de 12 vezes o PIB português…
11.A mesma nota também compara as dívidas externas de cada um desses países com as respectivas economias:
- dívida de Espanha = 142% do PIB
- dívida da Grécia = 142% do PIB
- dívida de Portugal= 200% do PIB
12. À atenção pois dos "politicamente correctos", para que não deixem de proclamar
que Portugal não é a Grécia”…pode ser que, de tanto ouvir o refrão, a dívida
comece a emagrecer…

Alegre fuga para a frente

O apoio a Manuel Alegre significa que o PS já interiorizou que vai deixar de governar. De facto, não é crível que o PS se propusesse dar um tiro que, mais do que no próprio pé, seria na própria cabeça, ao apoiar um candidato que faria, se eleito, permanente oposição ao Governo. Como tem feito, tirando o período transitório de nojo a que se submeteu depois a sua apresentação, como candidato, nos Açores.
Assim, o apoio a Manuel Alegre revela-se lógico e até natural, como forma de fazer eleger um Presidente que faria certamente a vida negra a um governo alternativo, que só pode ser do PSD.
Acontece que a probabilidade está na ordem do infinitamente pequeno, pelo que o PS está nas vésperas de perder as presidenciais e sair do governo.
Castigo mais que merecido pelas políticas erradas que levaram a um definhamento da economia, a um agravamento das finanças públicas, a um desemprego sem exemplo. E os portugueses já por demais viram que não foram a crise, nem os especuladores, nem o euro, nem os gregos os culpados da situação. Os responsáveis moram aqui mais perto. Fazem parte do Governo. Nenhuma fuga para a frente pode iludir essa certeza.

sábado, 29 de maio de 2010

Um predador nato!

Há 65 milhões de anos ocorreu a quinta grande extinção em massa. Agora os cientistas afirmam que estamos perante a sexta. Desta feita as causas são humanas.
No que respeita às aves, desapareceram 132 espécies desde 1600 e 1240 estão em perigo de extinção.
As espécies que vão desaparecendo não são substituídas. De facto, não tenho conhecimento de ter aparecido uma nova espécie, exceto a descoberta de algumas até ao momento desconhecidas.
Um predador nato! Sem emenda? É o mais certo. Se ele é capaz, e tem fome, em inúmeras situações, de “extinguir” o seu semelhante, justificando os seus atos no racismo e na religião, então é de esperar o quê?

Bella Itália III


No alto de uma colina da Toscânia, a vila medieval de San Gemignano. Salpicada de torres, cuja altura media a riqueza e poderio de quem as mandava construir. Delas, subsistem ainda treze, altaneiras e resistentes.
Na Praça principal, um mercado de produtos locais. E um enorme porco da Toscânia, assado e bem tostado, a ser cortado às fatias para uma clientela local, ou para sandes a vender a turistas. Caso visse, a nossa ASAE chamava-lhe um figo. Além de expor o bicho ao ar livre, o proprietário recebia o dinheiro, fazia as sandes e vendia ervas aromáticas com as mesmas duas únicas mãos que Deus lhe deu...Mas, justiça seja feita, o expositor estava um brinco...

Despeçam-se os suicidas!

A maioria dos 400 mil operários da fábrica chinesa Foxconn, tem entre 17 e 24 anos, trabalha doze horas por dia, com 30 minutos para almoço, e ganha cerca de 200 euros por mês. A fábrica produz o iPhone da Apple e é o maior produtor mundial de componentes electrónicos, como consolas de jogos e computadores de marcas. Uma onda de suicídios desde o início do ano alarmou a imprensa internacional e levou o director da fábrica a tomar medidas drásticas: os operários passaram a ter que assinar uma declaração em que se comprometem a não cometer suicídio nem a ser agressivos para com os colegas. Mais, comprometem-se a “aceitar a sua institucionalização se revelarem um "estado mental ou físico anormal”.
Quanto à extrema pressão psicológica para aumentar o ritmo de produção e ao estilo de gestão e métodos de trabalho, o responsável garantiu que paga as horas extraordinárias e que a empresa pagou indemnização às famílias dos suicidas. Quanto ao mais, é só assinarem a declaração e tudo fica garantido.
Compreende-se a dificuldade de competir com os produtos chineses, como se vê. O que já não se compreende é que produtos da moda, símbolos do ocidente moderno e tecnológico, ícones de uma empresa como a Apple que é idolatrada por sucessivas gerações de jovens, de artistas e de intelectuais, tenham a sua origem no trabalho pouco menos que escravo, pior que escravo porque disfarçado de produção moderna e só aparece nos jornais quando os suicídios passam das marcas. E, provavelmente, deixarão de preocupar a civilização quando a robustez psicológica for compromisso assinado pelo contratado e os suicidas passem a ter medo de ser despedidos.
A modernidade devia ser mais exigente para com os seus ídolos.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Beco sem saída

Chama-se agora Poceirão.

“Afinal, o que fez Craig Venter?”.

Afinal, o que fez Craig Venter?”. Trata-se do título de um artigo publicado hoje no Público. Os autores fazem uma excelente descrição técnica e científica da descoberta de Craig e das suas implicações e, até, eventualmente, de alguns riscos. Excelente. O que me confundiu um pouco foi o último parágrafo. Começam por dizer que este autor “não descobriu o conceito de biologia sintética”. Pois não, descobriu a vida sintética. “Não fabricou uma célula artificial”. Pois não, fabricou uma célula sintética. “Não criou vida”. Pois não, imitou a sua criação. “Não se entreteve com a estafada tarefa de playing God”. Pois não, nem vejo interesse. “Disse, de facto, algumas coisas menos exatas, meteu-se por caminhos que não trilha habitualmente, mas isso tem pouca importância. Pois não precisamos de um Craig Venter mau filósofo quando temos um Craig Venter excelente cientista”. Pois é! Foi pena não terem dito quais as “coisas menos exatas”. Foi pena não terem explicado quais os caminhos que ele “não trilha” e foi pena não terem explicado o que é um “mau filósofo”. Pois! Que o senhor é um excelente cientista ninguém deverá ter dúvidas.
Face à leitura e análise do texto pergunto: Afinal, o que pretenderam os autores? Dizer que é bom cientista? Ou tentaram desvalorizar as consequências “filosóficas” da sua descoberta? Como sou um mau filósofo o melhor seria ouvir os “bons filósofos” da praça.

Pudor religioso

Uma pequena notícia revela que o Cardeal-patriarca de Lisboa lamentou, ontem à Renascença, que o Presidente da República não tenha vetado a lei do casamento gay, considerando que Cavaco Silva, “como católico, precisava de marcar uma posição também pessoa”. Se o fizesse, “ganhava as eleições”, disse. “Ganhava as eleições”? Quer dizer o quê? Que o Cardeal-patriarca e a sua igreja já não vão votar nele? As orientações de voto vão para quem? Afinal religião e política continuam de braço dado, à boa maneira do antigamente.
Pois é! Pudor religioso no seu melhor…

As contas de Rosa

O jornal i de hoje conta que, algures numa aldeia da Colômbia uma mulher decidiu pôr à prova os conhecimentos dos médicos que lhe garantiam que o seu filho, então com 5 anos de idade, era paralítico e jamais conseguiria andar. E prometeu a Deus que, caso ele viesse a andar, nesse mesmo dia ela se trancaria em casa durante vinte anos. Vinte anos!, dia por dia, para uma mulher que tinha na altura tinha 37 anos, é bem a medida do desespero de uma mãe enlouquecida de dor que, no seu modo de acreditar, apelou ao Céu quando na terra todos lhe negavam a esperança. O filho começou a andar no dia 23 de Maio de 1990 e nesse mesmo dia ela fechou a sua alegria em casa, num isolamento que terá considerado um justo tributo ao seu pedido. Saíu no dia 23 de Maio passado, e toda a aldeia festejou o fim da sua provação.
Estranha história, a deste sacrifício voluntário. Na verdade, esta mulher não se revoltou contra o destino, ela simplesmente propôs uma troca, dou a minha liberdade em troca da liberdade dele, ele que ande e que fique eu limitada nos meus gestos, ele que saia que serei eu a ficar aqui presa. Lá na sua contabilidade com o Divino, Rosa mediu o tamanho da pena do filho, mediu também o inferno que seria a sua vida de todos os dias, de uma vida inteira, a vê-lo ali, ao seu menino, a definhar na paralisia a que estava condenado. Mediu o seu amor e o tormento da criança e achou a troca justa, acreditou que o seu preço seria aceite e dispôs-se a pagá-lo com a determinação de quem paga uma dívida de honra. E cumpriu, limitando daí em diante os seus passos à pequena área da sua casa, um quarto, uma sala, uma cozinha, evitando até aproximar-se da janela não fosse a sua vontade fraquejar e abalar porta fora para encontrar os vizinhos, ir às compras ou simplesmente sentir na pele o calor do sol.
Não sabemos quantas vezes a terão tentado dissuadir mas o que sabemos, pelas notícias, é que os vizinhos partilharam, com respeito ou com temor, a sua decisão, e passaram a ajudá-la, fazendo as compras, levando-lhe o necessário, enfim, tratando-a com a solidária dedicação que às vezes existe para com os desvalidos, ou para com os santos que a tudo renunciaram.
Na aldeia montanhosa da Colômbia deve ter sido espantoso que aquela mulher ousasse baralhar a risca do que estava escrito, não aceitasse o que lhe calhara e tivesse gritado até ao infinito a dimensão do seu amor pelo filho, no desespero de ser ouvida. Aqui estou, terá dito com todas as forças da sua alma, faça-se em mim a Tua vontade, mas não nele, deixa-o a ele correr em liberdade. Não foi revolta, foi submissão com condições, foi um ajustamento ao qual fixou o preço de vinte anos de solidão. Pagou a sua dívida, num acto de amor e de orgulho para o qual a razão não encontra medida.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Bella Itália II

Preparamo-nos, os quatro do grupo, para tomar um táxi, junto à estação de Veneza-Mestre. Na paragem, apenas dois táxis. Naturalmente, dirigimo-nos ao primeiro. O taxista, fora do veículo, logo nos abriu as portas para entrarmos. Começa de imediato uma gritaria do outro taxista. Que os clientes eram dele, pois tinha prioridade. A que se seguiu forte, mas, felizmente, tão forte como rápida, discussão entre os condutores. Ficámos a ver como acabava a tempestade. No fim, o condutor da frente concordou que o condutor atrás é que devia fazer o serviço. E lá fomos. No táxi, perguntei o que se tinha passado. Nada de especial, disse-me, o que aconteceu é que fui ultrapassado pelo outro taxista, já no parque de estacionamento...
Bella Itália, em que dois, apenas dois, taxistas numa fila discutem a quem pertence a primazia do serviço!...

O caminho mais fácil...

O Governo determinou hoje a eliminação de um conjunto de medidas temporárias de apoio aos desempregados e de apoio ao emprego, aprovadas, algumas delas não há muito tempo, no âmbito da concretização do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013.
A persistência da crise, com as consequências bem evidentes nos baixos níveis de criação de emprego e nas elevadas taxas de desemprego, aconselhou o reforço da protecção social através de medidas excepcionais.
O que mudou de lá para cá que justifique afinal retirar as medidas de reforço da protecção social e de apoio ao emprego? De lá para cá se alguma coisa não mudou foram as razões que levaram o Governo e a Assembleia da República a decidirem pela necessidade de suavizar os efeitos da crise protegendo as pessoas mais vulneráveis.
Basta pensar, por exemplo, que tem crescido o desemprego de longa duração, aquele que à medida que a situação se mantém pelo decorrer do tempo acabará por deixar de ter acesso a qualquer prestação social de desemprego.
O Governo anunciou que vai poupar 151 milhões de euros com a revogação destas medidas. Não discuto a necessidade de fazer poupanças onde há desperdícios, mas discuto que o corte recaia sobre os portugueses que se defrontam com enormes dificuldades para assegurarem a sua sobrevivência e a dos seus filhos, que a crise, aliás, antecipa venham a aumentar.
Não haveria outras zonas da despesa pública por onde cortar? Haveria com certeza, mas sem o efeito de tesouraria tão imediato quanto a urgência da redução do défice. Estou-me a lembrar de várias medidas. Porque não acabar, por exemplo, com os Governos Civis?
Está por demais evidente a falta que fazem as reformas que deveriam ter sido feitas. Que a factura seja paga pelos mais pobres não é justo. É lamentável que a redução da despesa pública seja feita à custa da despesa social que se revela essencial à manutenção de níveis de dignidade que não nos envergonhem.

“Povo suicida”...

Salamanca é uma das cidades mais sedutoras que conheço. Uma estranha, intensa e perturbadora sensação, que nunca tinha desfrutado, tipo dejá vu, invadiu-me completamente na primeira vez que a vi. Caminhava numa cidade desconhecida como se tivesse ali nascido e vivido. O verão acenava o seu fim. A brisa suave e fresca do final da tarde brincava aos amores com uma sensual e límpida atmosfera, às descaradas, sob um sol muito vermelho, não sei se afogueado de tanto andar ou corado de alguma vergonha. Mas quem beneficiava desta vermelhidão eram as pedras salmantinas que resplandeciam com um doirado quente e único.
Ia meio inebriado a saborear este espetáculo quando tropecei com a casa de Miguel Unamuno. Unamuno! Recordei a leitura de algumas obras, poucas, que, na altura, já tinha lido, e que me tinham marcado. Estava perante a casa onde tinha vivido alguém que soube amar e que nos soube definir tão bem. Encostei-me às pedras doiradas e quentes e ali fiquei durante algum tempo sem pensar, gozando a sensação de um profundo e enigmático pensamento que nunca esqueci e que até hoje fui incapaz de lhe dar forma. Nem quero tentar.
Foi há muitos anos, numa altura em que viajar não era fácil, e mesmo que Salamanca fosse a máxima aspiração turística do banal português de então, que não conseguia ir mais longe, como motejava, soberba mas não soberanamente, Sttau Monteiro, por mim, ficaria satisfeito se não tivesse conseguido ido mais longe.
Caracterizar um português tem sido uma atividade que atraiu e continua a atrair autores nacionais e estrangeiros, como se houvesse algo de enigmático e de transcendente nos paridos neste pequeno recanto. Mas serão mesmo especiais ou não passam de uns pobres e tristes seres? Não serão eles amigos de António Nobre? Ao selar um soneto, o poeta lembrou-se deles e ofereceu-nos uma estranha e fria chave de ouro: ...Amigos, Que desgraça nascer em Portugal!
Será que somos capazes de nos caracterizar e criar a tal identidade? Não sei. O melhor é ler e ouvir os outros, sempre ouvi dizer que quem vê melhor é quem está por fora. Unamuno viu-nos de uma maneira ao mesmo tempo assustadora e com ternura. Classificou-nos como um povo suicida. “Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê? Mais vale não viver.” Arrepiante a sua análise a quem associo a troca de correspondência com o médico e escritor Manuel Laranjeira, um entre muitos outros suicidas, que, ao antever o seu destino, desabafou um dia: “suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado pais, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa.”
Crises sociais, bancarrotas ou ameaças, foram e são uma constante neste Portugal. Ciclicamente emergimos durante algum tempo, o que nos permite respirar, mas logo de seguida mergulhamos nas frias sombras. Triste país que continua a perpetuar tragédias atrás de tragédias.
Resta a esperança de poder saborear pensamentos que não consigo recordar, apoiado em pedras quentes e doiradas de fins de tarde, participando em sedutores amplexos amorosos sob o olhar de um sol vermelho e acariciado por uma suave e fresca brisa...
Uma forma de esquecer as misérias.

Endividamento pode valer a pena, afinal!

1. Analisado o relatório da execução orçamental até Abril do corrente ano, há um número que salta à vista - a redução da despesa corrente, incluindo juros, em 1,2%, relativamente ao mesmo período de 2009.
2. Analisando um pouco melhor, verifica-se que isto se deve ao facto de os juros e outros encargos da dívida neste mesmo período apresentarem uma redução de € 168 milhões em relação ao mesmo período de 2009, uma quebra significativa de -15,2%...sem isso, a despesa teria sido igual à do ano anterior...
3. Este montante representa mais de metade dos € 300 milhões de melhoria do saldo orçamental em relação a 2009, há poucos dias anunciado com grande alacridade...
4 Mas aprofundando um pouco mais esta análise conclui-se que o stock médio de dívida pública directa nos primeiros 4 meses de 2010 foi de € 136,2 mil milhões enquanto que no ano anterior tinha sido de € 120,9 mil milhões, ou seja em 2010 o stock da dívida é superior em 12,58%.
5. Ao mesmo tempo, se bem estamos recordados, as taxas de juro da dívida pública conheceram um sensível agravamento nos últimos meses pelas razões que todos conhecemos...
6. Assim sendo, cabe perguntar: como é que uma dívida 12,5% mais elevada que a do mesmo período do ano anterior, vencendo (pelo menos em parte) taxas de juro mais altas, pode produzir um montante de juros e encargos inferior, e logo em 15,2 %?
7. Haverá aqui algum mistério? Serão os insondáveis segredos da contabilidade pública? Será a aplicação de técnicas muito sofisticadas de contabilização intra-anual de encargos?
8. Qualquer que seja a resposta, uma conclusão parece desde já impor-se: o endividamento pode valer a pena, afinal...se com dívida mais elevada, vencendo taxas de juro mais elevadas, conseguimos o “milagre” de ter encargos menores, por que não aumentar ainda mais o endividamento?
9. Esperemos os próximos meses para ver se este “milagre” se confirma...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Bella Italia I

Oito dias na Itália, e deu para ver como se está longe de Portugal.
É certo que por lá o país político não difere muito do nosso; lá, como cá, discutem-se as medidas contra a crise, e alimenta-se a controvérsia sobre escutas telefónicas. Lá, como cá, as Oposições e os media vêem nas escutas virtudes inestimáveis, enquanto os partidos do governo, a que não é alheia a conveniência, procuram salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos. Por sinal, governo socialista em Portugal e governo de direita na Itália. Lamentavelmente, na luta política tudo parece servir e aí não há muita diferença entre direita e esquerda.
Mas, na festa, o país real é muito diferente do nosso Portugal. Os italianos parecem mais alegres do que nunca. As praças enchem-se de gente nas esplanadas; música, magia, comedores de lume, surgem do nada, provocando ajuntamentos e palmas. Há teatro de rua, feito por actores de fim-de-semana, longe das manifestações subsidiadas.
De repente, surgem pavilhões e aí está uma feira, daquelas que faria as delícias da nossa ASAE. Mas pitorescas e cheias de movimento.
As manifestações variam de cidade para cidade. Numa, como em Mântua, grupos musicais animam as ruas; noutras, como em Modena, exposições de Ferraris e de FIATs desportivos enchem as praças de bulício; e em Pádua pavilhões festivos enchem o maior largo da cidade.
Roma, Siena, Pisa, Firenze, Veneza estão, como sempre, cheias cheias de turistas. Mas, como nunca, era preciso esperar tanto tempo, mais de duas horas na bicha, para entrar na Basílica de S. Pedro. E esgotavam-se os bilhetes para subir à Torre de Pisa.
O espírito italiano via-se ainda nos restaurantes, com as jovens turistas alvo de uma atenção especialíssima e merecida por parte dos empregados mais marialvas, cujos sedutores trejeitos, só por si, eram mais um espectáculo.
Além do mais, o Inter ganhou a Liga dos Campeões. Mourinho foi a figura da semana. A forma de ouvir falar de Portugal.

E se pedirmos muito?

«Neste último ano cresci muito. Dantes pensava com os pés, agora penso com a cabeça». Estas as declarações do jovem Coentrão à Bola (salvo erro), embalado pelo alegado interesse dos espanhóis do Real Madrid em o contratar.
Será que não haverá por aí alguém que meta uma cunha a Zapatero para se conseguir igual efeito milagroso nos seus camaradas do lado de cá da fronteira?

Brincadeiras sérias...


- clicar para ampliar a fórmula -

Finalmente foi encontrada a fórmula para compreender as mulheres! É esta a legenda que acompanha a notícia que me caiu na caixa de correio. Achei piada! Uma descoberta que os homens levaram tempo a encontrar. É que lidar com mulheres requer inteligência.
Estas "brincadeiras", que têm o seu quê de sério, sempre dão para desanuviar um bocadinho...

Por qué no te callas?

" A nossa economia tem sido destruída de forma fortíssima devido à participação no euro".
João Ferreira do Amaral, no Jornal de Negócios
Para Ferreira do Amaral a salvação do país estava na despesa pública e nos grandes, médios e pequenos investimentos do Estado. Como, seguindo tal conselho, a despesa aumentou, a economia e o emprego deviam ter crescido. Mas, pelo contrário, o país estagnou, perdeu competitividade e o desemprego aumentou. Agora, a culpa é do euro.
Acontece que a economia nunca obedeceu às análises do Professor Ferreira do Amaral.
Claro que as análises estão certas, a economia é que está errada.
E deixa-me duas questões relevantes:
A primeira: como é que a economia ainda não obedece a tão grandes pensadores?
A segunda: como é que os alunos poderão sobreviver num mundo tão rebelde a tão doutos ensinamentos?

Efeitos da crise

Um dos lugares comuns mais frequentes é a afirmação de que as crises são momentos de oportunidade. Julgo que sim, que o são. Sobretudo para descobrir despesismos e irracionalidades que a inércia dos tempos em que as dificuldades não se faziam sentir como agora, manteve silenciadas e toleradas.
António Arnault, questionado pelo jornal i sobre os problemas do SNS, entende que "alguns hospitais têm administradores a mais, que se atropelam uns aos outros". Não sei bem qual é a realidade da gestão hospitalar, mas admito que Arnault tenha razão. Até porque conheço razoavelmente outras realidades do sector empresarial público e sempre questionei a necessidade dos 5, 7 e mais administradores de empresas cujo escopo social e a concreta actividade não justificam objectivamente tanto gestor.
Pode ser que a crise desperte ou acentue o sentido patriótico dos decisores, e que este se imponha ao clientelismo partidário, afinal o factor que explica a dimensão dos órgãos sociais das empresas públicas. Pode ser que se comece, corajosamente, a introduzir economias onde elas nem sequer têm impacto negativo no funcionamento das organizações (pelo contrário, torna-as mais ágeis). Comece-se por aqui, pelo sectores empresariais do Estado e local, e inicie-se um movimento de contenção que contagie toda a Administração Pública. Sei que os aparelhos partidários reagirão mal, mas os contribuintes agradecerão muito.

Sim, também conheço bem a minha ingenuidade...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Do outro lado do mundo...




Peter Nicholson - Melburne - Austrália

É só mais uma brincadeira VII

Aguardo ansiosamente o anúncio do Governo sobre a construção da quarta travessia sobre o Tejo...

O "PEC" da saúde...

As crises trazem muitas vezes oportunidades e desafios e podem constituir momentos de racionalização e reestruturação de organizações e instituições.
A pressão para a redução de custos desnecessários e para o combate ao desperdício pode constituir uma oportunidade de mudança que em situações normais parece ser mais difícil de conseguir.
Vem isto a propósito do “PEC” do ministério da saúde, com a ministra da saúde a determinar aos hospitais que apresentem planos de redução das despesas. Segundo a governante "Pretendemos baixar cinco por cento a despesa com horas extraordinárias, dois por cento a despesa com fornecimentos e serviços externos e assegurar o cumprimento da meta orçamental de crescimento de apenas até 2,8 por cento da despesa em farmácia hospitalar".
Este tipo de medidas levanta, no entanto, algumas dúvidas. Vejamos o caso das horas extraordinárias:
1ª Havendo falta de médicos, situação que tende a agravar-se com a oferta do sector privado e com o fluxo significativo de pedidos de aposentação antecipada, e havendo a necessidade de melhorar a acessibilidade e a qualidade dos serviços, não se entende como pode ser estabelecido um corte desta forma. Porquê 5% e porque não 10%?
2ª Se há desperdício no custo com o recurso a horas extraordinárias, então manda a boa gestão que, com ou sem crise, seja reavaliada e corrigida a situação.
Qual é o quadro de incentivos estabelecido pelo ministério da saúde à gestão dos estabelecimentos de saúde, em particular dos hospitais, para que a qualidade dos serviços seja prestada a custos eficientes? Como é que são premiados os gestores com bons desempenhos? E como é que é responsabilizada a gestão que não atinge os objectivos?
Se há desperdícios – as “estatísticas dizem que os hospitais têm um desperdício na ordem dos 20 a 30 por cento” - é porque há problemas de gestão. É necessária uma crise para impor medidas para os combater?
Não estando em causa que o ministério da saúde contribua com um “PEC” próprio para o plano de austeridade, devemo-nos questionar porque é que as medidas agora anunciadas não fazem parte das preocupações de gestão corrente do Serviço Nacional de Saúde e, em particular, dos estabelecimentos de saúde.
Enfim, problemas que não são de agora e relativamente aos quais é fundamental encontrar boas respostas a bem da sustentabilidade do SNS.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Portugal ou exporta mais ou afunda-se na crise...

1.A frase em título foi título de 1ª página da edição de ontem do Público, que dedicou várias páginas, de leitura interessante refira-se, ao problema central que a economia nacional enfrenta: o excessivo endividamento, em especial ao exterior, que ano após ano se vai acumulando numa sucessão aparentemente indefinida...
2.Este título é todavia bastante enganador, uma vez que só tem em conta um dos pratos da balança do nosso desequilíbrio externo. Falta o outro, bem mais importante – o excesso de despesa.
3.Com efeito, quando se faz a história dos desequilíbrios da economia portuguesa, uma história com cerca de 15 anos como Medina Carreira, por exemplo, tem assinalado, facilmente se conclui que a actual situação se ficou a dever a uma explosão da despesa, tanto privada como pública, que se arrastou ao longo de vários anos e que prosseguiu até aos nossos dias.
4.E que prossegue…
5.O desequilíbrio económico crónico que agora nos está a estrangular financeiramente, tem pois como causa fundamental o excesso de despesa.
6.A despesa de correcção mais difícil é a despesa pública: os particulares começaram a “apertar o cinto” há algum tempo e vão continuar a fazê-lo nos próximos anos já se percebeu.
7.É pura ilusão pensar que o desequilíbrio das contas com o exterior se pode resolver simplesmente exportando mais – com um “clique” os exportadores desatam a vender e “safamo-nos” desta aflição.
8.Não é assim, não pode ser assim.
9.Para exportar mais, são precisas pelo menos de duas coisas (i) produzir mais bens e serviços transaccionáveis; (ii) conquistar novos mercados ou ganhar quota nos mercados tradicionais.
10.A satisfação de qualquer destas condições é muito árdua, REQUER muito trabalho, investimento, confiança no futuro - e SUPÕE uma política económica que estimule o investimento e a produção.
11.Face a este enunciado, basta olhar à nossa volta para perceber que nos próximos anos não é por aqui que o problema se vai resolver.
12.A simples análise da balança de pagamentos com o exterior (por exemplo no 1º trimestre do corrente ano, recentemente divulgado) mostra que a correcção do desequilíbrio externo é um quebra-cabeças: o défice dos rendimentos absorve na totalidade os superavits dos serviços (turismo essencialmente) e das transferências unilaterais (remessas de emigrantes).
13.Assim, o défice comercial já não tem qq compensação nestas rubricas , está completamente NU, ao contrário do que sucedia no passado.
14.É bom termos presente que enquanto não houver uma redução “a sério” e não meramente cosmética na "monstruosa" absorção de recursos dos diferentes sectores públicos – Central, Regional, Local, mais o imenso cortejo de empresas adjacentes, tudo a devorar recursos e a produzir muito pouco – o défice externo não tem solução.
15.Assim, se o País se afundar, como sugere o Público, por favor não culpem os exportadores!

Para português ver...

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Decidi dar um passeio pela comunicação social espanhola da última semana.
O motivo era o TGV, já que Espanha tem um plano muito ambicioso para a alta velocidade: criar uma rede com 10.000 Km até 2020 (em Espanha o TGV designa-se por AVE que quer dizer Alta Velocidade Espanhola).
Sucede que por lá a crise também obrigou a muitos cortes e vários adiamentos.
À medida que fui avançando nas pesquisas e nas leituras, encontrei algumas notícias que muito nos podem interessar.
A norte, no País Basco, as notícias da crise provocaram a reacção do Parlamento Basco já que estarão em causa as ligações de alta velocidade a Bilbao e Santander.
Um pouco a sul, na Cantábria, a bronca estalou devido a já anunciada paralização das obras em Palência.
As ligações da alta velocidade à Galiza previstas para 2015 não podem continuar a ser garantidas segundo fontes do próprio Ministério do Fomento.
Pelas bandas de Castilla Y Léon, Burgos vai ser afectada com a atraso na construção da alta velocidade.
No extremo oposto da Península o sonho da província de Almeria em ter alta velocidade também vai ter que esperar.
Ali ao lado, pelas bandas de Valência os protestos já se fazem ouvir.
E para os que queriam a alta velocidade em Múrcia a data de 2012 já se tornou uma miragem.
E em plena Andaluzia, Granada vai ficar à espera do comboio.
A ligação de Sevilha a Cadiz deixou de ser uma certeza imediata.
Nem a Catalunha escapa com o adiamento da ligação a Tarragona.
E em Badajoz, o Presidente da Câmara já fala num atraso de pelo menos três anos.
Por toda a Espanha sucedem-se os adiamentos dos projectos de alta velocidade, na maior parte dos casos sem nova data marcada.
Mas em Portugal não há dúvidas sobre as prioridades de Espanha!
Cabe então perguntar, porque é que teve que ser o governo português a garantir que, do lado espanhol, se mantêm os prazos de construção do TGV Madrid-Lisboa ?

Velhos são os trapos

Sempre tive na minha família pessoas de muita idade, mais de 80 anos, todos os avós, vários tios e tias e, como convivíamos muito com eles, habituei-me não só a gostar de os ouvir falar longamente das suas vidas mas também a apreciar o modo como avaliavam os acontecimentos que iam ocorrendo ao longo dos anos. Conviver com pessoas de idade é uma forma de aprender a ver o mundo com outros olhos, a evitar juízos de valor definitivos e, sobretudo, a duvidar dos que dizem que só a nós é nos acontecem as coisas, azares ou sortes, êxitos ou desgraças. É uma pena desperdiçarmos com tanta ligeireza o muito que estas pessoas nos podem ensinar, em troca de um pouco de atenção.
Um dos meus tios, que tem agora 91 anos, foi médico cirurgião e viveu sempre com um entusiasmo extraordinário a sua profissão. Sempre me lembro de como ele falava das novas descobertas, da sua sofreguidão de saber, da quantidade de revistas que lia e das viagens que fazia para aprender com outros médicos e noutros hospitais o que por lá se passava. Foi sempre o médico da família toda e muitos lhe deveram mais anos de vida ou o atenuar de muitos sofrimentos. Deixou de operar muito antes de deixar a clínica, não fosse falhar a absoluta firmeza de mãos, mas manteve-se a dar consultas até aos 80 anos.
No entanto, ainda hoje é ele que nos dá as novidades da medicina, não perde um programa de televisão sobre os avanços da ciência e aproveita sempre para comparar como são hoje as condições de exercício clínico com as de que dispunha há décadas atrás, casos terríveis que hoje seriam banais, como acontece com as úlceras do estômago, contou ele hoje, cuja origem foi desconhecida durante muito tempo e que tornavam a vida dos doentes um suplício e uma angústia permanentes.
Hoje, no passeio que demos todo o dia, não se cansava de falar na descoberta que o pasmou, a criação artificial do genoma humano, uma descoberta impossível, uma coisa inimaginável, dizia ele, já viste as possibilidades que isto abre, é claro que vai trazer outros problemas, a ética tem que ser uma constante, não pode haver medicina sem ética, como é que o mundo vai saber lidar com isto? Mas é fantástico, fantástico, dizia ele, maravilhado como um jovem, grato por ainda poder assistir a tais prodígios.
No turbilhão da sua fantástica memória, contou como todas as novidades criam resistências e dúvidas e lembrou o episódio que se passou com ele quando, jovem médico apaixonado pela gastrenterologia depois de um estágio na América, propôs que se criasse em Portugal essa especialidade, que na altura era tratada pelos clínicos gerais. Contou que expôs a sua ideia frontalmente a um grupo de clínicos mais velhos e que pensou que a sua tese ia ser bem recebida, vinha cheio de fôlego com o que aprendera e parecia-lhe que seria um avanço enorme se a especialidade fosse criada, não duvidava do êxito do que propunha. No fim, um professor muito mais velho levantou-se, irado, e apontou-lhe um dedo acusador:
- “ Gastrentrujice, é o que isso tudo é, grastrentrujices é o que o senhor andou a aprender, para que é preciso essa especialidade, há muito mais a fazer!
É claro que mais tarde a especialidade foi criada e ele foi dos primeiros cirurgiões a inscrever-se, e dentro dessa outras especializações foram chegando, numa evolução científica muito rápida, um médico que pare de estudar em poucos tempo fica na pré história, insistia ele. Depois parou um pouco e, como se falasse para si próprio, acrescentou: -“Eu só podia ter sido médico, não tinha valido a pena a vida se tivesse sido outra coisa qualquer. Fui sempre um apaixonado da medicina, e ainda sou, vê lá tu agora esta descoberta de um tal Venter, um americano, criar vida artificial, inimaginável, e eu a ver isto tudo…”
Velho, o meu tio, com 91 anos? Velhos são os trapos.

domingo, 23 de maio de 2010

Marcelo Rebelo de Sousa sempre em forma...

Marcelo Rebelo de Sousa regressou aos serões de Domingo. Regressou hoje ao comentário político na TVI, num formato algo idêntico ao formato da RTP1, com algumas novidades em termos de conteúdos, num ambiente diferente, talvez mais mediático. Apanhou-me de surpresa!
Já faziam falta os seus comentários, os seus pontos de situação semanais sobre o que de mais relevante, do seu ponto de vista, nos aconteceu, para concordar ou discordar.
Durante o seu afastamento da televisão, muita coisa aconteceu em Portugal, mas Marcelo Rebelo de Sousa está igual a ele próprio. Bem disposto, bom sentido de humor, muito expressivo, sempre actual, claro, crítico e acutilante, com boa comunicação, muito interactivo com ele próprio, o jornalista Júlio Magalhães que o vai acompanhar no novo ciclo de “conversas” e os telespectadores, diversificado nos temas, entre outras características que nos habituámos a conhecer-lhe. Sempre em forma!

Juízo e esperança

Viver sem sofrimento, viver sem doenças, viver sempre jovem e vencer a morte constituem desejos do homem que estão bem documentados, a todos os níveis, desde a noite dos tempos. Entretanto, face às limitações das respostas, e a perturbantes interrogações sobre a sua existência, atribuiu, e muitos creem, que é fruto de uma vontade divina.
Um dia, ao acordarem, o casal, talvez depois de uma noite bem passada, sentiram uma sensação estranha: existiam. Deve ter sido um choque dos diabos, ou, então, foi mesmo uma malandrice do próprio diabo. Deus não gostou e não esteve com meias medidas: rua! Despejados do paraíso, sem direito a recurso, nem a indemnizações, nada. A força divina não teve mercê. E lá foram os dois pataratas, meio atordoados, a trabalhar e a ganhar a vida com o suor do rosto. Foram levados a comer o fruto da árvore do conhecimento. Mas devem ter comido muito pouco, porque foram precisam muitos comprimentos de um tempo que não sabiam que existia para adquirir o restante conhecimento que hoje demonstram de uma forma inequívoca. Mas também não deixam de ser ambos peritos em asneiras e em violências. Já se aperceberam que a sua criação não foi perfeita. Paciência! Agora não podem voltar atrás e se pudessem, às tantas, ainda poderia ser pior.
A sua sede do conhecimento é pior do que um diabético em pré-coma. Bebem muito, sem dúvida, mas precisam de domesticar as suas descobertas, caso contrário, ainda podem ficar sem a tal consciência, ao entrarem em estado de coma, quem sabe se irreversível. Muitas têm sido as situações de risco, mas, felizmente, têm conseguido ultrapassá-las.
Quando foram expulsos do Paraíso, estou convencido de que, ao passarem pela árvore da vida, chateados com o “patrão”, pifaram algum "fruto" e, bem escondido, andam agora a lambê-lo com uma satisfação dos diabos. Raio de palavra que está sempre associada às coisas que “não deve” fazer mas que lhe dão prazer!
Sabem onde está a vida, como nasceu, quais são os tijolos da mesma, como se transmite, sabem qual é a sua linguagem, sabem interferir nas suas falas e, agora, até já sabem como imitá-la, sintetizando cromossomas sintéticos e originar espécies inexistentes.
O cientista Craig Venter não criou vida desde o nada, limitou-se a sintetizar algo que depois passou a comportar-se como um ser natural.
As perspetivas que se abrem nestas técnicas para melhorar a vida dos homens e da mulheres são imensas, assim como os riscos de um mau uso. Mas nem tudo o que nasce das nossas mãos é intrinsecamente bom ou mau. O problema está na sua utilização, reflexo de uma natureza imperfeita, em que somos capazes do melhor e do pior.
Vamos entrar numa nova era em que irão surgir lutas “encarniçadas” entre os que defendem a nova descoberta e os que veem a mão do demónio.
Mas não há nada a fazer. Podem criar legislação, emitir pareceres éticos e outras coisas que tenham como objetivo travar a progressão de certas conquistas “perigosas” mas nunca irão impedir o seu percurso. Há muito que passámos o ponto de não retorno. Há muito, mesmo. Não sei onde precisar esse momento, mas não me incomodaria muito se o colocasse naquele bíblico momento da expulsão do Paraíso, em que Adão e Eva tiveram que ir à vida, e um deles, qual?, às tantas deve ter sido a Eva, porque já tinha alguma experiência, furtou o fruto da árvore da vida. Mas também pode ter sido o Adão, não digo que não. E agora? Agora? Juízo e esperança, coisas que, como muitos sabem, andam muito arredias nos tempos que correm...

sábado, 22 de maio de 2010

Vida sintética





Não é vida artificial. Craig Venter não criou vida. Venter limitou-se a imitar. A partir de agora, quando começarmos a saber escrever genomas, então, é possível ver novas e interessantes surpresas.
Para já o incómodo começa a surgir. Domenico Mogavero, jurista da Conferência Episcopal Italiana, afirmou a este propósito: “O homem procede de Deus, mas não é Deus”. Pois, pode ser que não seja, mas não sei se não quererá ser! E depois? Se Deus, segundo alguns, “criou” o homem, então por que é que não vetou esta “ousadia”?

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dá pelo nome de "trapalhada"...

Alguém me sabe explicar como é que vão funcionar efectivamente as taxas adicionais do IRS do plano de austeridade?
Que taxas vão ser aplicadas?
A que rendimentos se aplicam? A todos os rendimentos de 2010?
Mas vai haver retroactividade? Mas não é uma prática inconstitucional?
A partir de que mês são aplicadas? A partir de Maio, Junho ou Julho?
Quantos meses vai ter o segundo semestre?
E como é que vão ser consideradas as taxas para efeitos do imposto a pagar no âmbito da declaração anual de IRS? Vai haver taxas diferentes para dois períodos distintos do ano, um antes e outro depois da sua entrada em vigor? Ou não?
Como é que é possível que numa matéria tão grave e sensível, que mexe com o rendimento disponível das famílias, não haja uma resposta inequívoca por parte do governo sobre o que se vai passar!
Sendo a receita adicional da aplicação das taxas adicionais do IRS uma parcela importante da redução do défice, tinha pensado que as regras de aplicação estariam bem estabelecidas. Como é óbvio as regras não são indiferentes no cálculo do nível da receita prevista, assim como são determinantes no nível da carga fiscal.

“A Morte de Portugal”

A situação do país é muito grave. Ando com os cabelos em pé e sinto uma ansiedade crescente. Ao congeminar nestes problemas, esbarro num escaparate e, ao olhar para um livro, “A Morte de Portugal”, de Miguel Real, senti uma valente e dolorosa farpada.
Já comecei a ler. Vale a pena. Para já fiquei a saber que existem quatro complexos que atingem os portugueses!
Por uma questão de comodidade, e com base numa transcrição de uma recensão (sempre evito ter que repetir o que já foi feito), cito uma passagem.

“OS QUATRO COMPLEXOS DE PORTUGAL


Desenhando os quatros pontos cardiais por que Portugal se tem movimentado na sua História, Miguel Real apresenta quatro complexos culturais. O primeiro, da ORIGEM EXEMPLAR, é o complexo viriatino, que «emerge na segunda metade do século XVI», radicado na imagem de Viriato, «herói impoluto, puro, virtuoso, soldado modelo, chefe guerreiro íntegro, homem simples, pastor humilde que se revolta contra a prepotência do ocupante estrangeiro» que só pela traição é derrotado.
O segundo, o da NAÇÃO SUPERIOR, o complexo vieirinho, que irrompe depois de D. João III, Alcácer Quibir e a decadência do Império, com o Padre António Vieira a semear a esperança, anunciando-nos o Quinto Império «dourando-nos o futuro com o regresso anunciado às glórias do passado», e que «nos determina a desejarmos mais do que nos pedem as forças e nos exigem as circunstâncias, pulsão social que orientou as caravelas portuguesas;»
O terceiro, da NAÇÃO INFERIOR, o complexo pombalino, radicado no ímpeto de Pombal, o da nação humilhada pelo seu atraso e sequiosa das luzes europeias, «hoje acefalamente política dominante do Estado português, que a segue como “bom aluno”.
Por fim, o do CANIBALISMO CULTURAL, o complexo canibalista, «que alimenta o desejo de cada pai de família portuguesa de se tornar súbdito do chefe ou do patrão, “familiar” do Tribunal da Inquisição, sicofanta da Intendência-Geral de Pina Manique, “informador” de qualquer uma das várias polícias políticas, carreirista do Estado, devoto acrítico da Igreja, histrião da claque de um clube de futebol, bisbilhoteiro do interior da casa dos vizinhos, denunciador ao supremo hierárquico», aludindo-se, na actualidade, à «perseguição a funcionários públicos rebeldes pelos poderes partidários instituídos pelo governo de José Sócrates/Cavaco Silva.».
«Se a vitória europeia de Portugal se consumar, terá sido a geração nascida entre 1940 e 1960 a matar D. Sebastião pela segunda vez», diz, sem que, no entanto, antes desafie:
«Resta aos homens de bem virarem as costas a esta nova elite tecnocrática que assaltou e se apoderou do Estado português (..) e, se puderem, emigrarem, clamando que aos homens-técnicos leva-os o Tejo e o Douro nas enxurradas de Inverno, os homens-cultos, esses, permanecem, recriando a nova imagem literária, estética e cultural por que Portugal posteriormente se reverá no espelho da História.».

Abertas as inscrições

Dizem que o futuro passa pelo domínio de várias línguas...

Já não há pachorra!

O PM e secretário-geral do PS defendeu em campanha eleitoral que não agravaria a carga fiscal. Ganhou as eleições também à custa desta promessa. Manteve-a na discussão do programa de governo, do orçamento e na primeira versão do PEC. Mudou agora de opinião porque, diz, o mundo se transformou nos anteriores 15 dias. Durante todo este tempo o Engº Sócrates manteve a mesma opção relativamente aos grandes projectos de obras públicas, designadamente ao TGV. Hoje, no Parlamento, o mesmo PM que defende que o mundo se desfez em 15 dias e obrigou a mudar, sustenta que não muda de opinião quanto ao TGV porque o PSD tinha a mesma posição em ... 2002!
Começa a não haver pachorra para tanto atentado à inteligência...

O Euro precisa ou não de ajuda? Quid juris?

1. Em entrevista reveladora de uma serena mas aguda análise da realidade nacional, editada há 3 dias, o PM afirmou que as medidas de austeridade agora anunciadas tinham como justificação, não única mas primordial, “ajudar o Euro”.
2. Ontem o Comissário Europeu das Finanças Almunia declarou que o Euro não precisa de ser ajudado...
3. Estamos pois perante posições antagónicas, duas visões distintas sobre a necessidade de ajuda ao Euro, que justificam breve reflexão.
4. De um lado o PM de um País generoso e confiante no futuro – levando a sua generosidade ao ponto de estar disponível para suportar sacrifícios para ajudar o Euro – do outro lado um Comissário Europeu convencido da auto-suficiência do Euro que, segundo ele, viverá bem sem essa e porventura outras ajudas.
5. Não sei o que deve merecer mais o nosso encómio: se a visão internacionalista e solidária do PM luso, se a exibição de confiança do Comissário Almunia.
6. No meio dessas duas posições temos um Euro cujo estatuto de moeda forte, ao que parece, muito fica a dever à ajuda das políticas de restrição financeira de Portugal, da Grécia e da Espanha, sobretudo.
7. Julgo que Almunia não tem razão: não fora o contributo da Grécia, de Portugal e também da Espanha, o Euro não seria o que é hoje.
8. E também custa ver que muitos comentadores domésticos (para não falar de Roubini, Rogoff, Krugman e outros) - já esquecidos de que tem sido exactamente a preocupação de defender o Euro que tem comandado a nossa política económica e se não fosse isso até poderíamos estar muito melhor do que estamos - não reconheçam esse sofrido contributo para reforçar a credibilidade da moeda única europeia.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Para levar a sério...

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... o estudo do IMD (International Institute for Management Development) que mostra o estado a que chegámos.
O ranking de competitividade agora publicado, fez-nos descer 3 posições.
Para pagar a dívida monstruosa de Portugal, nós e os nossos filhos vamos penar até 2037.
Estamos mais pobres.
Continuamos a empobrecer.
Os próximos anos vão ser um desatre para a vida dos portugueses.
Só o BURRO é que continua sem perceber!

Há mais problemas para além do défice...

Foi hoje divulgado o estudo “Violência e armas ligeiras, um retrato português” realizado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra que vem mostrar que existem em Portugal 2,6 milhões de armas de fogo - sem contar com as que pertencem a forças de segurança e militares - das quais 1,2 milhões são ilegais. Resulta uma média de uma arma por cada quatro habitantes, mais do dobro que na média dos países desenvolvidos. Se retirarmos as crianças e as pessoas idosas chegamos a números ainda mais impressionantes.
São números que nos deveriam fazer reflectir sobre o que justifica este estado de coisas e conduzir a uma actuação séria que contrarie esta perigosa dimensão.
O estudo vem também revelar que nos últimos cinco anos triplicou o número de crimes cometidos com recurso a armas de fogo. No ano passado, houve um total de 7.060 casos com este grau de violência - a uma média de quase um crime por cada hora - enquanto em 2004 esse número foi de 2. 546.
Não conhecendo o estudo, não sabendo se o mesmo conclui sobre os factores que explicam estes sinais de “violência”, acho que não é demais concluir-se que o País está doente e que as pessoas estão inseguras. Será legítimo questionar se este fenómeno não terá que ver com a percepção que as pessoas têm de não eficácia de actuação das autoridades policiais.
Já tenho mais dificuldade em estabelecer uma correlação directa entre este surto de armas de fogo e o número de crimes com recurso às mesmas. É claro que alguém com intenções criminosas na posse de uma arma de fogo poderá mais facilmente passar da intenção à prática.
Fico perplexa com tantas armas de fogo legais. São 1,4 milhões. Será que temos assim tantos caçadores? Uma questão que me coloco é porque é que não há um combate efectivo à actividade de transacção ilegal de armas de fogo? O que é que de errado está a ser feito que permite este estado de coisas? Será assim tão difícil?

Os novos "Certificados do Tesouro"...

Aí estão os novos "Certificados de Aforro". Foram baptizados de "Certificados do Tesouro" e destinam-se a captar a poupança das famílias.
Segundo o comunicado do Conselho de Ministros "pretende-se criar um novo instrumento de captação de poupança familiar cujas condições de remuneração tenham em conta o custo marginal da dívida pública com referência aos instrumentos que são apenas acessíveis directamente aos operadores especializados de dívida pública, aumentando, por esta via a atractividade da dívida pública portuguesa junto dos particulares, nas actuais condições de mercado, e acautelando, igualmente, os interesses dos contribuintes, tornando indiferente o custo de emissão da dívida pública independentemente da natureza dos respectivos subscritores."
Termino como ontem terminei. Mudou o nome e retocaram-se as condições financeiras. Mais vale tarde do que nunca. Veremos agora qual a sua receptividade...

O vendedor de fruta e os efeitos do marketing

O Vendedor de Fruta*
Era habitual, ao fim de semana, passar por aquele tractor velho parado na berma da estrada, com o atrelado cheio de fruta e legumes e o par de velhotes sentados à sombra do chapéu de sol montado no passeio, à espera de fregueses. O quadro era irresistível, a mercadoria muito arrumada por espécies e tamanho, as laranjas a pintar de cor gritante aquele troço cinzento do asfalto e a ardósia preta, talvez rescaldo de uma escola longínqua, agora transformada em tabuleta com os preços escritos a giz, numa letra penosa. E eles, o casal de camponeses, mudos e quedos na sua cadeiras a adivinhar sem sobressalto qual o carro que iria parar para se abeirar deles e da sua mercadoria. Parei lá muitas vezes, naquele exemplo vivo da transacção directa, do produtor ao consumidor, a fruta era raquítica e deformada mas cheirosa e gostosa como já não nos lembramos, os legumes ainda vinham com terra ou mordidos dos insectos e era frequente a senhora dizer, “leve os espinafres, ainda os apanhei esta madrugada” ou então “os limões são rugosos mas ainda hoje estavam na árvore”. É claro que os preços também eram conformes à humildade dos frutos, gostava especialmente de comprar as maçãs reineta, todas deformadas e cada uma de seu tamanho mas excelentes para fazer doce ou tartes ou mesmo para perfumar a cozinha nos dias de maior calor, leve, leve, são só 50 cêntimos o quilo! E lá vinha eu com um carrego por poucos euros, várias vezes me perguntei se lhes compensava aquele trabalho todo, plantar, tratar, colher, arrumar e meterem-se à estrada. Uma vez lá falaram um pouco, que tinham um terrenozito, que tinham que ocupar o tempo, aquilo era mais o gosto de andar entretido que o lucro, quando deixassem ficava a terra ao abandono, os filhos e os netos nem ligavam.
Até que um dia, há poucos meses, parei mais uma vez, cumprimentei os dois que nem se mexeram nas cadeiras, e nem reparei nos preços, toca de escolher e pedir para pesar. Quando perguntei quanto era, o velhote, meio hesitante, ditou um preço absurdo. Fiquei espantada e ainda comecei a calcular de cabeça, olhando os sacos, com receio de ofender o homem a dizer-lhe assim de repente que ele se teria enganado. Mas ele percebeu logo a minha hesitação e avançou: “Agora as maçãs são dois euros e meio, a senhora leva 3 quilos, mais as cenouras, que são tanto, e os espinafres…” e cada preço era uma exorbitância, mesmo sem comparar com o que era habitual. “Mas o que é que aconteceu?, perguntei, estas coisas já não são do seu terreno, teve que as comprar?” – Não senhora, é que são produtos biológicos, agora é o que toda a gente quer e valem muito, se for ali ao supermercado veja lá os preços na prateleira dos biológicos! Se tiverem bicho ainda valem mais, é a prova que não foram tratados!” E lá fui eu carregada de marketing biológico servido num tractor à beira da estrada e vendido a peso de ouro, nem consegui protestar com medo de largar a rir com aquele inesperado exemplo de capacidade de adaptação à modernidade.
Mas a verdade é que não me surpreendeu ter deixado de ver o tractor parado à beira da estrada, pelos vistos o nicho de mercado biológico não está ao alcance de todos.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Surdo e “duro” que nem uma porta!

Por vezes certos estudos causam apreensão ou falsa segurança quando transmitidos pela comunicação social. A forma como fazem é preocupante. Mas não é o momento para dissertar sobre o tema. Hoje tive acesso a duas dessas notícias.
A primeira diz respeito a um estudo sobre telemóveis e cancro que foi inconclusivo. Ainda não tive acesso ao trabalho original - esqueci-me de ir à biblioteca da faculdade ler o artigo -, mas, para já, atrevo-me a adiantar uma explicação para algumas, aparentes, incongruências. Os cientistas detetaram, segundo a notícia, “uma ligeira diminuição de risco de cancro cerebral nos utilizadores de telemóvel” e, “no outro extremo, os resultados também sugerem que, para os utilizadores mais intensivos, o risco é maior do que para os não utilizadores”. À primeira vista, não vejo que haja incongruência se interpretarmos estes achados à luz da hormesis. De acordo com esta teoria, já demonstrada no caso das radiações ionizantes e da exposição a alguns químicos, a exposição a baixas concentrações a um produto perigoso pode ser benéfico ao estimular os mecanismos de reparação e de proteção celular. Deste modo, poderia ser uma explicação plausível para o a prevalência mais baixa nos utilizadores moderados ou ligeiros de telemóveis. Tal fenómeno não se verifica nos expostos a tempos mais prolongados no uso de telemóveis. Sendo assim, o aumento de risco do cancro cerebral, por exposição prolongada, pode ser uma realidade. Conselho: usar o telemóvel só quando for necessário e em “doses baixas”, não vá o diabo tecê-las.
A segunda notícia diz respeito ao aumento do risco de surdez nos homens que andam a tomar medicamentos para a disfunção erétil. Pois é! Uma chatice. Já estou a ver um dia destes um diálogo do género: - Eh pá, estás cada vez mais surdo! – Ah? Não ouço! – Estás surdo que nem uma porta! – Pois estou. – É da idade? – Ah? – É da idade? – Não. É do Viagra! Surdo e “duro” que nem uma porta!

Imparidades

O Dr. Fernando Ulrich veio dizer ontem numa conferência, que batemos na parede, que o País não tem mais condições para se financiar, incluindo nesse País de que falava, a banca. Pode ser que sim porque o Dr. Fernando Ulrich governa um banco e tem especial informação. Mas também tem, por isso, especiais responsabilidades de contenção no que diz publicamente, sobretudo se a situação é como a descreve, isto é, à beira de um gravissimo colapso na obtenção de financiamento no exterior. Acresce que o Dr. Ulrich, que diz que não há mais crédito para ninguém, é a mesma personalidade que está à frente do banco que anuncia crédito fácil ao consumo com a seguinte lapidar frase: "O Crédito Pessoal BPI permite-lhe ter tudo o que precisa, sem ter de fazer um grande esforço".
Intemperança, incongruência e imparidades no comportamento é o que mais se vê! Pouca sorte a nossa...

O mundo, afinal, não mudou em 24 horas...

«questionado sobre se os subsídios de férias pagos antes da aplicação da nova taxa seriam afectados, sérgio vasques respondeu que a taxa será aplicada "ao rendimento anual"». esta é a notícia do jornal i que fez soar, de novo, os alarmes. afinal o governo que, pelas vozes do ministro das finanças e do primeiro-ministro, tinha dito escassas horas antes que o agravamento fiscal tinha hora certa para se fazer sentir (junho de 2010), só não sabiam a hora de terminar (ao contrário do que o engenheiro sócrates dissera dias antes no final do conselho de ministros), voltava agora atrás na palavra dada e o aumento das taxas sobre os rendimentos aplicava-se desde o inicio deste ano.
se isto se confirmasse seria  um escândalo? não o seria. nem o seria no plano jurídico porque a violação da constituição em matéria fiscal, com desrespeito pelo princípio constitucional da não-retroactividade da lei fiscal, tornou-se coisa comum. e o vulgar nunca é escandaloso. mas também não seria de espantar que em 24 horas o governo tivesse mudado radicalmente de posição, bastando para o efeito vir explicar que o que mudou radicalmente em 24 horas foi o mundo. o senhor primeiro-ministro já veio explicar que não, que o mundo afinal não mudou em 24 horas. e o que se mantém verdade (acrescento eu, até ver...) foi o que ele e o ministro das finanças anunciaram.
fica deste episódio mais um sinal de desacerto e desorientação do governo. sérgio vasques, o secretário de estado dos assuntos fiscais, passa por ser um especialista na matéria. por isso não pode acusar, desta vez, de ter sido mal interpretado ou de se ter exprimido mal. o que faz legitimamente suspeitar que o que secretário de estado disse não foi fruto nem de desconhecimento nem de distracção, mas da sua convicção firmada, quiçá (especulamos aqui), em instruções que lhe foram transmitidas e que pressurosamente cumpriu. porque se assim não foi, perante a desautorização do primeiro-ministo torna-se incompreensível porque é que, todas estas horas volvidas, não conhecemos ainda o pedido de demissão do secretário de estado, nem a notícia da sua compulsiva exoneração.

nota: o meu computador recusa-se a colocar maiúsculas nos nomes e nos cargos citados no post. não é falta de respeito, é inteligência artificial.

Os novos "Certificados de Aforro"...


Nada tenho contra a proposta da SEFIN de criação de títulos de dívida pública destinados à poupança das famílias, muito pelo contrário, subscrevo os seus motivos.
As vantagens são óbvias para os contribuintes, para as finanças públicas e para a economia. Captar poupança interna estável, substituir uma parcela do endividamento externo por endividamento interno e reduzir os encargos financeiros da dívida colocando-a com um prémio inferior ao prémio exigido pelos mercados internacionais são vantagens importantes. Os pequenos aforradores agradecem.
É igualmente importante que os novos títulos de dívida pública tenham liquidez e a remuneração seja indexada a taxas de juro de mercado, a contrário de preços fixados administrativamente.
A proposta a ser aceite seria uma forma de recuperar os moribundos "Certificados de Aforro", depois da injusta "sentença de morte" que lhes foi aplicada. Se for preciso mudar o nome e retocar as suas condições financeiras pois que assim seja. Mais vale tarde do que nunca.

É só mais uma brincadeira VI

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Aqui temos uma nova forma de dançar o tango à maneira de José Sócrates...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Sócrates

A entrevista do primeiro-ministro deu-me uma ideia de um país diferente da realidade. O país está bem. Uma pequena maravilha, tirando alguns problemas que os “outros” andam a causar. Falou, falou, não deixou que a Judite de Sousa lhe fizesse perguntas incómodas, deu a entender que está tudo bem. Enfim!, não seria esperar outra coisa. Há algo de compulsivo no seu discurso.

Promulgar ou não promulgar?

Tenho dificuldade em compreender as afirmações de certos políticos. Ontem, ouvi o Presidente da República. À medida que o senhor ia lendo o discurso pensei: vai vetar a lei. De facto, os argumentos que produzia eram de tal forma tão evidentes que não deixava dúvidas. Mas não! Afinal vai promulgar, para não provocar instabilidade! e não ter que “engolir” a promulgação após nova votação na Assembleia da República. Eu estou de acordo com a lei. Mas não estou de acordo com a atitude do Senhor Presidente. Deveria ser coerente com as suas palavras e se fosse obrigado a promulgar, promulgaria. Qual era o problema? São as regras do jogo. Não as aceitou, quando se candidatou à Presidência da República? Repito, qual o problema de ser coerente com as suas ideias? Nenhum. Eu não entendo as pessoas que querem estar bem com Deus e com o Diabo ao mesmo tempo. Mas foi aplaudido porque, conforme li hoje, “poupou o país a uma guerra política inútil e entendeu que não fazia sentido reabrir uma questão que foi decidida por quem tem legitimidade para o fazer” (in Público). Eu, depois de matutar algum tempo, concluí não vislumbrar razões para o aplaudir.

Administrações Públicas e Competitividade

A Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego organizou no dia 17 de Maio as III Jornadas de Administração, Competitividade e Voluntariado. A Direcção teve a bondade de me convidar para falar. Organização impecável. Auditório atento. Entre académicos e políticos, voltei à defesa do ponto de vista em que recorro há muito, como aquele santo que pregava aos peixinhos: as Administrações Públicas só serão activo de competitividade quando se retirarem da competição em sectores produtivos de bens e serviços e se instalar uma cultura de verdadeiro combate à ineficiência administrativa. A não ser assim, continuarão a ser sorvedouros de recursos. Recursos a menos nas contas das famílias e das empresas significa continuarmos na senda da perda progressiva de competitividade.
A avaliar pelos narizes torcidos, houve quem não tivesse gostado da modesta prédica. Mas aos poucos, infelizmente, se vai despertando para a realidade. E o que é pior, não pela doutrina mas pelos efeitos sentidos na pele...

Dívida pública dispara, Certificados em evaporação...

1. Divulgados hoje os dados da dívida pública directa do Estado para o final de Abril - outras dívidas públicas ficam por contabilizar - constata-se o seguinte:

- A dívida pública total passou de € 132.746 milhões no final de 2009 para € 139.947 milhões no final de Abril, um aumento de € 7.201 milhões, ou seja € 1,8 milhões/mês;
- O “stock” de Certificados de Aforro caiu em Abril € 82 milhões, acumulando uma perda de € 258 milhões em 2010 e prolongando uma quebra quase ininterrupta desde o início de 2008, cifrando-se agora em € 16.613 milhões, equivalente a 11,87% da dívida directa total (16,24% em Janeiro de 2008).

2. Quanto ao primeiro dado, da dívida directa total, deve admitir-se que o padrão de crescimento do 1º quadrimestre não se vai prolongar até final do ano...se assim fosse, teríamos um crescimento da dívida superior a € 20.000 mil milhões, muito acima da previsão do OE/2010...aguardemos para ver.

(Um parêntesis para dizer que leio agora mesmo uma declaração de F. Ulrich, segundo o qual os valores porque o Estado se quer financiar até 2013 “são impossíveis, não poderão ser financiados”...e também que “o dia em que batermos na parede não está muito longe, talvez por semanas”...)

3. Relativamente ao fenómeno da evaporação dos Certificados de Aforro, a situação já se afigura um tanto caricata, depois de tanta gente – também nós aqui no 4R – ter chamado a atenção para a incongruência da política de remuneração deste tipo de dívida de longo prazo.
4. Impressiona sobretudo a insensibilidade e o aparente desinteresse dos responsáveis face à necessidade de incentivar a poupança interna e de recorrer tanto quanto possível à emissão de dívida pública subscrita por residentes.
5. No contexto actual, a hemorragia dos Certificados de Aforro só pode ser compensada por outras formas de dívida, dirigidas em boa parte a subscritores não residentes, agravando o já “alarmante” fenómeno do endividamento externo.
6. Mas pior do que isso: esta substituição de dívidas significa também amortizar dívida interna mediante a emissão de nova dívida (muito) mais onerosa...
7. Em artigo de opinião recente, um responsável governativo pretendeu sustentar esta estranha política afirmando, entre outras coisas, que não faria sentido o Estado subsidiar mais do que já faz as poupanças de particulares...
8. Confesso que me intriga bastante ver como é que os particulares renunciam tão voluntariamente a um generoso subsídio do Estado, desfazendo-se a este ritmo dos Certificados de Aforro...
9. E também se for verdade que o Estado subsidia os subscritores de Certificados quando lhes paga um juro anual de pouco mais de 0,7% nas condições actuais de emissão, acrescido de um prémio de permanência anual (cumulativo) de 0,25%...então o que dizer da emissão de obrigações (a 10 anos) a taxas de 5%, dirigidas a não residentes sobretudo?
10. É nestas incoerências da política económica que a credibilidade, tal como os Certificados, se vai evaporando...

Lágrimas de crocodilo

Todos os dias o Governo afirma que as medidas que foi obrigado a implementar, por força do ataque especulativo infundado contra o euro, representam uma «equitativa» distribuição dos sacrifícios entre os portugueses e procuram salvaguardar as classes de mais débeis rendimentos.
Para além da falácia da justificação, o que o Governo diz não é verdade.
As classes mais pobres nunca ficam salvaguardadas e são sempre as que mais sofrem.
É que a verdadeira causa não é o ataque ao euro ou a especulação, mas está nas políticas demagógicas que o Governo levou a cabo, para se manter no poder a todo o custo.
Sabendo, como sabia, que o resultado só podia ser sacrifício e empobrecimento colectivo. E miséria para os mais pobres.
Lágrimas de crocodilo, que não podem ter perdão.

As queixinhas e o dedo em riste

... E nestes dias o extraordinário aconteceu!...

Os mesmos que se queixaram das queixinhas de Paulo Rangel fora do País (Parlamento Europeu) queixam-se agora da minha falta de queixinhas… também para fora do País. Muitas queixinhas, portanto. Tenho sentimentos mistos quanto a este assunto. Por um lado, fico agradado com a importância que os reports do ES Research merecem. Por outro, gostava que essa importância não fosse utilizada para fins indevidos.

Tudo começou na passada sexta-feira, durante a gravação do programa Parlamento, quando fui surpreendido pelo dedo em riste do deputado do PS João Galamba. A determinada altura, julgou oportuno lançar mão de um relatório destinado a agentes (investidores, analistas, clientes) externos (e redigido em inglês).

Entre acusações e, para meu pasmo, insultos, tratou de prosseguir a sua demanda acusatória sem sequer ouvir o que tinha para dizer. Pensei que se tratava de entusiasmo pueril, próprio de quem tem imensas certezas. E, por isso mesmo, assim que terminou a gravação do programa, entrei em contacto com o Dr. Francisco Assis, Presidente do Grupo Parlamentar do PS.

Fiquei à espera de uma retractação por parte de Galamba, mesmo em privado, e sabendo eu que o mal, em termos públicos, tinha já sido feito. Estava enganado. E de que maneira. A actuação no programa era só o princípio. A reportagem do Diário de Notícias era o fim.

Para efeitos de memória futura deixo aqui algumas notas que podem ser úteis ao deputado Galamba:

1. Subscrevo integralmente o relatório do ES Research (como, aliás, seria de esperar). Trata-se de um documento para promover a economia portuguesa no exterior. E se é difícil encontrar aspectos positivos para a nossa economia, devido à forma como temos evoluído!...

2. Trata-se de um documento que em nada colide com o que tenho afirmado em termos internos e na esfera política. Muitas vezes disse que “Portugal não é a Grécia”. E outras tantas vezes acrescentei “mas para lá caminhamos se não arrepiarmos caminho muito rapidamente”. Tal como muitas vezes disse que o défice foi efectivamente reduzido entre 2005 e 2008. Mas da maneira errada. Sobretudo aumentando os impostos e cortando no investimento público. Mas foi reduzido.

3. Na próxima semana estarei em Wall Street numa acção de promoção da economia portuguesa organizada pela Euronext Lisbon, integrado numa comitiva em que também estará o Ministro das Finanças. Ora, nas reuniões que irei manter com investidores e analistas norte-americanos, passa pela cabeça de alguém que eu faça alguma coisa que possa objectivamente prejudicar o nosso país?... Pela minha não passa de certeza.

4. Por todas estas razões estranhei a reportagem do Diário de Notícias. Desde logo, é estranho que o jornalista que assina a peça nem sequer tenha assistido ao programa. Confiou excessivamente na fonte. De tal maneira que tratou de esquecer a esmagadora maioria das minhas declarações...

5. Obviamente, não confundo o comportamento do deputado Galamba nem com o Partido Socialista, nem com a esmagadora maioria dos seus quadros e deputados.

Que o deputado Galamba fique admirado por me recusar - sobretudo no perigoso contexto que vivemos - a dizer mal do meu país diz muito do próprio. E diz ainda mais da sua maneira de estar nestas coisas da política e na vida.

Recuperação de serões

Há dias cheguei a casa e reparei logo que a fada do lar que se ocupa das limpezas cá em casa tinha decidido dar uma grande volta nas estantes e recolher os livros pelos vários cantos onde vão encontrando espaço, na fila para serem lidos. O resultado era caótico, de repente pareceu-me que nunca mais iria encontrar nenhum livro que me apetecesse ler porque realmente não havia um único que se tivesse mantido no seu sítio adquirido.
Primeiro fiquei furiosa comigo mesma por me ter esquecido de recomendar que os livros vão-se tirando, limpando e voltam ao sítio, nunca me passou pela cabeça que ela se lembrasse de esvaziar as prateleiras todas de uma vez e depois os arrumasse ao calhas. Depois, já disposta a gastar umas longas horas a recuperar a memória da estante, comecei a olhar para ver por onde começar. Reparei logo num livro que tinha comprado há meses e que não cheguei a ler, depois outro de que já nem me lembrava que tinha, depois vários que tinha tanto interesse em ler mas que afinal ficaram no meio dos outros…Ao fim de pouco tempo já tinha um montinho de livros a rirem-se para mim, a fazer troça de eu nem me lembrar que os tinha comprado muito entusiasmada e que depois foram esperando um dia e outro e outro, sempre qualquer coisa a adiar o sossego e o prazer de mergulhar num bom momento de leitura.
Dantes, há uns bons anos atrás, ficava escandalizada com as pessoas que compravam livros e não os liam logo de seguida, não conseguia compreender como é que era possível resistir, se não iam ler para que é que os compravam, mas a verdade é que entre a televisão, as notícias, os jornais, os telefonemas ao serão e a quantidade de coisas que sobram para o fim de semana, some-se aquele tempo de qualidade que nos permite pegar num livro, começar a ler, continuar no dia seguinte e só largar quando se chega ao fim. Tudo visto, a maior parte do tempo livre que se gasta é bastante inútil e desinteressante, ver telejornais em várias versões, ouvir debates estéreis entre as mesmas pessoas, conversar ao telefone sobre quem disse o quê nesses debates ou nessas notícias, enfim, muito tempo e pouco proveito.
De modo que a zelosa desarrumação da minha estante obrigou-me a uma severa atitude crítica em relação à televisão, agora vejo no jornal o que me interessa e só ligo para ver exactamente o que pretendo. Foi abolido o zapping tão irritante e tenho-me poupado às sucessivas dissertações sobre a crise, as causas agora evidentes da mesma e às novas ondas de certezas que o mundo de repente descobriu para lhe por termo. E estou a ler um livro fantástico, “A Ponte sobre o Drina”, de Ivo Andric, que recomendo vivamente que procurem, não vá dar-se o caso de estar esquecido na estante lá de casa à espera que acabem os Prós e Contras…

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sorriso dourado

Apareceu um dia lá na terra oriundo da vizinhança. Bem-parecido, detentor de uma voz suave mas não muito alta, expressava-se através de uns lábios em perpétuo estado de sorriso de felicidade mais do que suficiente para criar empatia com os recém-conhecidos. Tinha o condão - sempre que ouvia ou via alguém com necessidades -, de oferecer, imediatamente, os seus préstimos ou encontrar alguém mais adequado à resolução do problema. De solícito passou, rapidamente, a ser solicitado e respeitado por todos. A nível profissional não havia ninguém que não quisesse ser atendido por ele, ao ponto de mostrarem algum aborrecimento quando outros funcionários se lhe antecipavam. Nunca discordava de ninguém, embalava-se com uma facilidade dos diabos nas orientações das conversas, concordando e reforçando as sentenças e opiniões de qualquer um, mesmo que as mesmas divergissem de uns para outros. Ninguém se apercebia deste camalear opinativo e, mesmo se dessem conta, também não se importariam muito porque a força das suas convicções sobrepunha-se às discrepâncias. Muitas vezes, as opiniões pareciam-se mais como bênçãos sorridentes acompanhadas de um balancear frenético da cabeça e um conjunto de sons suaves mas inaudíveis que não eram mais do que grunhidos mentais de aparente subserviência aos interlocutores. Este processo era de tal forma eficiente que ninguém era capaz de reproduzir fielmente as suas ideias. Nunca manifestava tristeza ou raiva, e ar carrancudo foi coisa que nunca se lhe viu, antes pelo contrário. Era incapaz de falar alto e de estar calado, saltitando de discurso para discurso de acordo com a batuta do interlocutor. Chegava, nalguns casos, a ser um chato da pior espécie. Para conseguir algum intervalo tinha que mudar de assunto. Enquanto não engatasse no novo tema, então, era possível dissertar livremente. Mas era sol de pouca dura, porque logo em seguida, prestável, queria fazer as honras de acompanhamento com pompa e circunstância. Nessas alturas ficava com os cabelos em pé e com taquicardia.
Os anos passaram-se. A folha de vencimentos pouco ou nada mudava e não oferecia passagem para o El Dorado. Foi então que num ápice se meteu num negócio. Nunca tinha feito nada na área em questão, mas isso não era impeditivo, porque o que tinha a fazer era muito pouco, apenas disponibilizar os produtos a troco de dinheiro vivo, cheques e transferências bancárias. Manteve sempre o mesmo estilo, agora reforçado pela necessidade de aumentar o negócio, o que não foi difícil, como se compreende. De súbito, os maços de notas tornaram-se verdadeiros troncos, as gavetas abarrotavam de cheques e a conta bancária crescia, quase que me atreveria a dizer, desmesuradamente. Como corolário do novo status passou a pavonear sinais de riqueza. Estes sinais expressavam-se sob as mais variadas formas. Mais do que os bens materiais, o que mais me chamava a atenção era a forma de querer resolver os diferentes tipos de problemas, utilizando expressões do género: “Eu pago, o que for preciso”, “Não se preocupe com as despesas”, “Dinheiro não é problema”. Conseguia reduzir quaisquer necessidades ou problemas ao denominador dinheiro. E fazer ver que muitas coisas não tinham nada a ver com mais ou menos dinheiro? Impossível. Quando se alcança o El Dorado, o mundo vira de cor e de cheiro. Ao transpirar ouro pelos poros levou, naturalmente, alguns amigos a invejar a sorte ou a audácia em negócios que contrastavam com os seus, muito mais duros e menos bem cheirosos. Até que um dia, sempre solícito, e atento às necessidades e gula dos amigos, abriu-lhes a possibilidade de ganhar alguma guita com o negócio. Com o pretexto, maníaco, de aumentar a empresa com mais unidades não lhe foi difícil obter empréstimos os quais seriam compensados chorudamente com mais-valias de truz. E, assim, os troncos de notas engrossavam como se fossem milenares sequoias. Ao mesmo tempo, as promissórias, algumas avultadíssimas, eram assinadas de cruz pelos crentes. Afinal, precisava de dinheiro porque se “esquecia” de pagar os produtos que vendia, além de ter enveredado por falsas vendas. O que é certo é que continuava a ser uma pessoa bem-parecida, de voz suave, e não muito alta, expressando-se constantemente com sorrisos que jorravam felicidade mais do que suficiente para criar confiança aos recém-financiadores. Nunca mostrou qualquer sinal de insegurança e muito menos de preocupação. À medida que o tempo ia passando, os subscritores das promissórias começaram a sentir que tinham caído a um poço. Para um deles o poço era tão fundo que, para evitar a longa queda, preferiu tomar a vida nas suas mãos libertando-se da fantasia de um El Dorado que teimava em chegar. O promotor desta viagem apressada para um outro mundo, o do esquecimento, continuou sempre com a sua simpatia e fala suave. Passou pelo purgatório da justiça, acabando por entrar, mais tarde, num qualquer reino extraterrestre, talvez o verdadeiro El Dorado, muito provavelmente, com o seu sorriso dourado. Um sorriso que recusou sempre tratar...