terça-feira, 23 de junho de 2009
Teorias sem prática de um dia 12 - Parte II
- Bom, creio que o que acontece com a gente é o mesmo que ocorre com as ondas. Você sabe o que é isso, né? Lembra de ondas sonoras, magnéticas, na água, etc?
- Lembro, sim. A luz também é um tipo de onda não é mesmo?
- Isso aí. Mas indo logo ao que interessa, essas ondas podem sofrer interferência. E esta pode ser construtiva ou destrutiva.
- Han... Não faço a menor idéia do que seja, mas pelo andar da carruagem, nosso caso é a destrutiva. – Duda diz, com uma cara de quem não acredita no que está ouvindo.
- Você também não espera eu explicar, poxa. – Juliana reclama – A Interferência de ondas ocorre quando duas ou mais ondas estão “em fase”, ou seja, têm a mesma frequência, pense ritmo que fica mais fácil de entender. Quando essas duas ondas se encontram, cruzam uma com a outra, ocorre a chamada interferência.
- Huuuuum, tá clareando Ju, tá clareando. Continue.
- A Construtiva ocorre quando um vale, a parte baixa de uma onda encontra com o vale da outra, ou crista com crista, a parte mais alta. Quando isso ocorre é como se elas se somassem e ficassem maiores, entende? Já na Destrutiva, ocorre o encontro de vale com crista e nessa região não tem essa soma, é como se não tivesse passado nada ali.
- Nossa, captei vossa mensagem! Então, com essa aula toda, você quis dizer que os nossos relacionamentos estão sendo como Interferências Destrutivas. Eu, onda 1 encontro com onda 2. Durante um pequeno espaço de tempo nós pensamos que estamos na mesma frequência, mas logo depois, o “romance” acaba e ficamos como se nada tivesse acontecido, é isso?
- Exatamente, por isso que eu gosto de você. Pega a idéia rápido. – Juliana diz, satisfeita por ter sido entendida.
- E como solucionar isso, Ju? – Duda pergunta.
- Ah, não sei se tem solução não, viu. Acho que é só achando a nossa crista, se formos crista também, ou seja, alguém que combine conosco. Ou então aplicando a Difração.
- Difra o quê???
- Difração, Duda. É a propriedade que uma onda tem de contornar obstáculos ao ser interrompida parcialmente por ele. Sendo assim, quando você se deparar com problemas, seja de qualquer espécie, dê seu jeito, passe por cima e siga em frente.
- Interessante, já vinha praticando isso há anos e nem sabia. Mas também, não sou onda né.
- Sabe, a Física pode ser aplicada ainda mais nas relações. Eu ando “viajando” nisso há um bom tempo. – Juliana olha pra cima e começa a pensar.
- Que o seu professor ou qualquer pessoa relacionada ao ramo, não te escute. Amém. – Duda dá seu toque irônico a conversa.
- Pensa comigo, Duda. Newton explica as interações entre os corpos muito melhor do que qualquer sexólogo que você já encontrou. – diz Juliana enquanto toma seu quinto copo de chopp.
- Amiga, você já está bêbada? – Duda diz, brincando.
- Tô não, merda. Você pediu pra sair comigo, agora vai escutar o restante dos meus devaneios.
- Tudo bem, Ju. Desembucha logo, vai.
- Inércia. 1ª Lei de Newton, descoberta também por Galileu. Na ausência de forças, um corpo em repouso tende a permanecer em repouso e um corpo em movimento tende a se mover em M.R.U. Pronto, se nós ficarmos paradas esperando uma força externa vir e nos “mover”, vamos ficar eternamente no mesmo estado, sempre à espera de um empurrãozinho. É lei, amiga, lei. Deu pra entender? – Juliana diz, quase intimando Duda a concordar com ela.
- Caramba, pior que faz sentido mesmo. Me dá um pouquinho do psicotrópico que você anda tomando? Quero ficar doidona também.
- Você vai ver o que eu vou te dar. Hunf. – Juliana faz um gesto obsceno muito esclarecedor – Não posso esquecer da 3ª Lei de Newton também. A mais conhecida das 3, Ação e Reação. Quando um corpo A exerce uma força sobre B, este reage sobre A, com uma força de mesma intensidade e sentido contrário.
- Não tô acreditando que eu saí de casa pra aprender Física com você. Eu ia falar que suas aplicações na vida são muito interessantes, mas estou com medo que você se empolgue mais ainda . - revela Duda, já com a cabeça ancorada nas mãos.
- Vou fingir que não ouvi isso e prosseguir, ok? – diz Juliana enquanto dá um tapa em Duda para que ela “acorde”. – Se ninguém exerce uma força sobre você, em quem você irá reverter essa força? Ninguém, ou seja, está sozinha, sem nada para interagir. Lembrando que a 3ª Lei, só é aplicada em corpos diferentes. Não existe ação e reação em um mesmo corpo. Isso daí seria o chamado 5 contra 1. – Juliana ri sarcasticamente, ao passo que fica toda corada quando diz bobagens.
- Quando eu acho que você já imaginou tudo o que era possível, vem esse tipo de coisa e me surpreende ainda mais! – Duda começa a rir e pede mais um chopp para brindar a bela explicação de Juliana.
- Não há nada pior do que coisas estáticas, Duda. Lembra da Inércia? Então...
- É mesmo amiga. Mas agora acabou, né? O Dia 12 está indo embora, Newton, Galileu e Einstein já morreram e não podem fazer mais nada por nós. Vamos mudar de assunto? Olhar ao redor, o que acha? – sugere Duda, piscando o olho.
- Vamos sim, Duda. Mas só pra finalizar. A única força que anda me atraindo é a força da gravidade. Tá me puxando e muito, amiga. Sabe como é né, a tal da força Peso.
- Maldita força Peso! Agora muda de assunto ou eu vou ter que forçá-la a parar de emitir ondas sonoras e praticar a ação e reação, empurrando o chão para que ele me empurre pra fora deste lugar. Em outras palavras, vou-me embora daqui.
- Tá bom, amiga. Agora vou me utilizar das ondas da luz e dar uma verificada no ambiente. Afinal o dia ainda não acabou, não é mesmo? Mas como diria Einstein, "a ciência não tem sentido senão quando serve aos interesses da humanidade."
Peço perdão aos físicos pelo modo leviano que tratei a ciência de vocês. É apenas uma historinha sem nenhum fim didático.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Teorias sem prática de um dia 12
Sexta – feira, dia 12 de junho de 2009, 20 horas, o celular de Juliana toca.
“Duda chamando”.
- Fala fia. – Juliana atende o celular.
- Ju, ‘bora fazer algo hoje?
- Vamos Duda, não estou nem um pouco a fim de passar ESSA noite em casa, vendo televisão.
- Então vamos naquele barzinho no centro, o que você acha?
- Demorô, já está perto aqui do cursinho mesmo. Só vou terminar de assistir a aula de Física e vou pra lá, pode ser?
- Beleza, negócio fechado. Até mais então.
As duas amigas se encontram, sentam e logo percebem um fato já esperado por elas. De cada 10 mesas, 9 tinham casais de namorados, só havia as duas sem um parceiro ao lado. Afinal, era dia 12, nada fora do comum.
- Aí Duda, tô começando a pensar que era melhor ter ficado em casa comendo brigadeiro. Olha em volta, amiga. – Juliana diz, se escorando na mesa como se tentasse esconder o que dizia.
- Ah, relaxa sô. Pede um chopp aí e vamos brindar ao Dia dos Namorados sem namorado! – Duda finge uma certa empolgação, mas não deixa de olhar em volta.
- Uhu. Viva a nós. – Juliana responde sem nenhuma animação - Garçom! – acena para o atendente mais próximo.
O garçom se aproxima e pergunta:
- O que desejam?
- Dois chopps, por favor. – Juliana responde.
- Vocês não querem mais duas cadeiras? – ele diz.
- Não, por quê? Parece que nós estamos esperando por alguém? – Duda responde com seu tom ácido característico.
- Não, é que...er, é que eu pensei que...hoje é dia 12,né.
- Tá, tá bom, pensou errado. Nós estamos nos acompanhando, ok? – disse Duda encerrando o episódio.
- É amiga, essa foi pra fechar o dia. Será que sempre temos que ter alguém ao lado? Essa é a regra hoje em dia? – Juliana pergunta.
- Se é a regra eu não sei, mas que tá na moda namorar, ah isso tá!
- Malditos! Só porque todo mundo tem namorado eu também tenho que querer ter um? Não dá pra ser feliz solteira, não? - Juliana se revolta frente à essas situações.
- Ah, fala que você não quer um? Mas dá pra ser feliz sim, olha pra gente amiga. Eu não ando por aí chorando, você anda?
- Não, não mesmo. Mas querer namorar, eu até quero sabe, o problema consiste em achar a tal pessoa.
- Taí, falou uma coisa certa... – Duda começa a refletir – Mas Ju, você não se acha bonita, inteligente e bacana o suficiente pra atrair alguém? Por que eu me acho, e até penso isso de você também. – ela diz rindo.
-Acho. E também sei que somos bem modestas. – Juliana responde com seu jeito irônico habitual.
- Pois bem, se nós somos tudo isso. Por que estamos sozinhas então?
- Primeiro, nós não estamos sozinhas. Temos uma à outra. Puta que pariu, que lésbico foi isso. – Juliana começa a rir. - Além da família, é claro, mas enfim, nós também somos mega exigentes e chatas na escolha.
- Ai amiga, que lindo! “Uma à outra”. Hahahahah. – Duda responde euforicamente – Mas voltando ao assunto. A gente até pode ser chata, mas ultimamente nós nem estamos tendo o que escolher. Hahahahah. Caralho, que deprimente isso.
- Sabe, nem te contei, mas há uns dias atrás, eu andei formulando teorias que explicam a nossa solteirice com base numa ciência exata.
- Solteirice você foi gentil, né não? Pode falar "encalhamento" mesmo. - Duda infere novamente sua acidez.
- Tá, chame do que quiser. Mas como eu estava falando, nada de psicologia e antropologia. Fui direto aos números e experiências que são comprovados na prática, sabe como é?
- Ah não! Lá vem você e suas viagens. Mas me conta aí, quem sabe eu não encontro a solução hoje ainda. – Duda responde, se acomodando para a história por vir.
- Então tá, preste bastante atenção que o negócio é complexo. – Juliana diz com um tom de suspense no ar.
Continua...
Post dedicado à duas Anas queridas, Ana Maria e Ana Carolina.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
Fuga inútil
Juliana não podia acreditar no que via. Seu coração pulsava freneticamente, sua respiração falhava, seus olhos brilhavam de um jeito que todo o seu corpo denunciava a qualquer mero observador, que algo mexia com ela, algo a desconcertava fortemente. E ele não era um mero observador, ele perceberia seu "efeito" mesmo que Juliana estivesse dormindo. Não porque fosse presunçoso, mas sim porque as reações dela eram sempre as mesmas. Sempre intensas.
Ela via há não mais de dez metros à sua frente, tudo aquilo que havia recusado a ver e sentir durante muito tempo. Foram três anos vazios de emoções, nos quais Juliana se recusara a sentir algo além de "passageiro", como ela mesma definira. Três anos em que tudo o que lhe trazia rubor à face, fora escondido, guardado à chaves em algum canto do seu subconsciente, deixando-a assim viver sem os fantasmas das lembranças e seguindo uma vida considerada normal.
Mas ali, com toda aquela proximidade, seus esforços foram em vão, e tudo o que fora escondido veio à tona. E mesmo com sua respiração falhando, ela pôde perceber que estava viva. Que realmente respirava, e sim, ela tinha um coração. E suas batidas doíam tanto, como se fosse um músculo atrofiado que começava a ganhar movimentos. Já fora de controle, Juliana começou a relembrar momentos, que antes eram duramente reprimidos.
Rapidamente eles estavam em seu quarto, numa conversa habitual, olhando fotos, comentando as poses, os fatos antigos. Até ali, eles eram apenas amigos. E de repente ele diz:
- Tenho saudades de passar dias inteiros rindo de você, me fazia bem.
- Eu também, é tão doído lembrar disso tudo. - ela disse.
E foi só o que disseram. No mesmo instante eles se abraçaram com um desejo incontrolável de se tornarem um só, seu olhares se encontram intensos, querendo mostrar o que não se podia ver, como se através deles cada um pudesse entender o que um significava para o outro. Seus lábios se tocaram com tamanha ansiedade. Um buscava ao outro como se aquilo doesse, mas também como se fosse vital. E assim, eles se amaram ardentemente durante toda a noite. Não havia perversão em toda aquela ânsia selvagem de prazer, eram apenas atos reprimidos que finalmente tinham sido libertados. Fora a primeira vez deles, como um casal.
Depois daquela noite, como que por instinto protetor, o contato entre os dois se cessou, não se falaram, nem se viram mais. Tanto ela quanto ele, fugiram do amor que sentiam, com medo de sofrer (mais). Pois, um amor que lhes tirava o fôlego e a razão de ser, senão pelo outro, não podia ter um final muito feliz. Alguém sairia irremediavelmente machucado se aquilo tomasse proporções maiores, ou seja, um relacionamento oficial. Assim pensara cada um dos dois, em todas as noites em que tentaram esquecer "aquela noite".
Agora eles estavam ali, próximos. Não mais em pensamento e sim em um ambiente real.
E coreograficamente, como se ambos tivessem se desprendido das mesmas lembranças e recuperado o equilíbrio, foram dando passos adiante, enfim se aproximando, até que pouco mais de vinte centímetros os separavam.
Os olhares se encontraram, os corações disparavam e as mãos se tocaram. De repente ele diz:
- Tenho saudades de passar dias inteiros rindo de você, me fazia bem.
- Eu também, é tão doído lembrar disso tudo. - ela disse.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
O parque e o chocolate
Eu estava caminhando no Parque Municipal, num momento típico de filme meloso, no qual a protagonista anda sozinha pela cidade enquanto reflete sobre sua pacata vida. E este momento assim como nos filmes, acabou com alguém me acordando pra realidade.
Era uma criança, com no máximo 10 anos de idade. Um menino moreno de olhos castanhos intensos, cabelos lisos e raspados. Não aparentava ser um menino de rua, mas também não parecia ser de uma família rica. Ele estava sentado no banco à minha esquerda, e o modo como ele havia me olhado quando eu estava passando. Com um ar de curiosidade, mas também com um jeito de quem deseja algo, havia me desconcertado de tal forma que eu virei e me sentei ao seu lado.
Agora ele fitava o lago a sua frente, fingindo não me ver. Enquanto eu o observava e me perguntava por que uma criança estaria ali, sozinha. Sim, porque se alguém estivesse com ele, já deveria ter aparecido há muito tempo. Foi então que tentei iniciar uma conversa, pra ver se encontrava respostas.
- Olá – disse, com um tom ingênuo muito mal disfarçado.
- Oi – ele respondeu em um sussurro, que não teria escutado senão fosse a minha repentina atenção dedicada a ele.
- Eu me chamo Juliana, e você?
- Felipe – respondeu olhando para seus pés.
- Han... é... sua mãe escolheu um belo nome! – Meu Deus, eu falava igualzinho minha avó.
- Eu não conheci minha mãe – ele disse.
Nesta hora, eu quis mudar de assunto, pois sua última resposta tinha me deixado sem palavras. O que eu deveria dizer? “Olha, foi mal, eu só estava curiosa sobre você”, e deixá-lo ali? Não, não era isso que eu queria.
- Ah, sinto muito - foi o que consegui dizer – Qual é a sua idade?
- 9 – errei por apenas um ano!
- E quem está aqui com você? – Só mesmo uma criança para continuar conversando comigo, eu poderia muito bem ser uma psicopata ou pedófila, fazendo tantas perguntas a um estranho.
- Ninguém, moça, eu sou sozinho – ele abaixou os olhos novamente, como se estivesse envergonhado.
Agora sim, eu estava sem palavras. O modo como ele havia dito “eu SOU sozinho” ao invés de “estou”, tinha me feito sentir uma dó tão grande por ele, mas ao mesmo tempo me intrigara. E eu queria de uma maneira bem egoísta, ir mais fundo na conversa, saber da vida de Felipe, mesmo que isso lhe causasse dor. Então simplesmente prossegui com meu relatório.
- Como assim, Felipe? Onde está sua família?
- Eu não tenho família – ele respondeu olhando para baixo, como sempre.
- Mentira sua! – eu rebati – Como você chegou aqui, vestido, de banho tomado, alguém com certeza cuida de você!
- Moça, eu fugi... – agora ele finalmente olhara pra mim. Foi aí, que eu percebi que eu o estava torturando, porém sem razão alguma, eu não conseguia parar.
- Fugiu de onde? Da sua casa?
- Eu também não tenho casa. – agora ele passara a olhar fixamente para as minhas mãos.
- Felipe, dá pra me explicar tudo direito, por favor?! – eu realmente mandara, como eu era curiosa!
- É que eu cresci em um orfanato, nunca conheci nenhum parente meu.
- Continue. – foi o que eu consegui dizer, eu sempre fui curiosa, mas desta vez estava passando dos limites com um pequeno estranho e não fazia o menor esforço para me controlar.
- Eu não gosto de lá, as “Tias” nunca me levam pra sair. Os meus amigos têm padrinhos, sabe, aqueles que nos dão ajuda e fazem passeios com a gente, mas eu não tenho um. Todos eles já vieram aqui e me falaram que era muito legal, por isso eu sempre quis conhecer. Aí ontem à noite quando as “Tias” dormiam, eu pulei a janela e fugi.
- Meu Deus, Felipe, como você é danado hein! – estava perplexa, só não sabia se era mais com a história dele ou com tamanha esperteza.
-É, as “Tias” falam isso pra mim. – ele sorriu pela primeira vez – Aí quando saí de lá, eu fiquei perguntando as pessoas aonde era o Parque Municipal e consegui chegar aqui – novamente ele fitava minhas mãos.
- E você gostou daqui? – já satisfeita com sua história, resolvi mudar de assunto.
- Sim!É legal! Tem brinquedos! – ele olhou para onde estavam os brinquedos eletrônicos. Eu sabia que ele queria brincar, mas não tinha dinheiro pra isso.
- Felipe, você quer ir lá? – de uma forma inexplicável, um senso de superproteção havia tomado conta de mim, e eu já me sentia responsável por ele.
- Quero, mas não posso – sempre olhando para baixo.
- Pode sim! – eu gritei e o levei para brincar.
A felicidade estampada naquele rostinho e o sorriso de criança, tinham me dado tamanha alegria, a qual eu nunca sentira.
Depois de brincar, nos sentamos na grama e ele voltou a olhar minhas mãos.
- O que você tanto olha, hein?
- O que é isso aí? – ele apontou para a sacola que eu segurava.
- Ah! É minha barra de chocolate. – havia me esquecido que tinha comprado para ir ao parque. Sempre comia quando estava triste.
- Hum, eu já vi na TV, as “Tias” dizem que faz mal.
- Faz nada, sempre como quando estou mal e fico bem.
- Eu fico triste ás vezes, mas nunca tive um pra comer.
- O quê?! Você nunca comeu chocolate?! – no meu mundo chocólatra, isto seria um absurdo. Acho que não só em meu mundo, mas ele vivia em outro completamente diferente do meu, e eu esquecera disso naquele momento.
- Não. – ele disse envergonhado, acho que meu espanto causara isso.
- Ah, hoje você irá comer! Toma, é toda sua, coma. – pela primeira vez na vida, eu dava meu chocolate à outra pessoa de bom grado.
Ele pegou a barra de minhas mãos e a abriu com tanta voracidade e rapidez, que eu comecei a rir. Então ele disse:
- Você não vai comer um pedaço?
- Não, eu não preciso mais desse chocolate.
- Então você não está mais triste? – como ele era espertinho, prestava tanta atenção nas minhas palavras quanto eu nas dele.
- Não. – mal sabia ele, que tinha salvado meu dia e sabe-se lá se muito mais. Vê-lo feliz tinha me feito esquecer o porquê eu estava ali, sozinha no parque.
- Que bom, moça. Eu também não estou mais triste. Acho que é o chocolate – ele riu– Vou falar pra “Tia” que não faz mal, não.
- Ah, mocinho! Você se lembrou de que tem que voltar, não é?
- Ah...é, tenho – acho que isso cortara o efeito do chocolate.
- Sua “Tia” não deve estar nada feliz com o seu sumiço! – eu o lembrei.
- É, eu devo ficar de castigo por isso.
- Vai mesmo. – como eu era péssima para confortar crianças.
- Moça, como é ter uma casa, uma família? – eu já começava a gostar de se chamada de “Moça”
- Ah, é bom. – foi só o que consegui responder. Não sabia como dizer a ele o quanto era maravilhoso sem deixá-lo triste. – E no orfanato?
- Meus colegas são legais, algumas tias também, mas é tudo dividido, eu queria ter uma mãe e um quarto só pra mim. – ele disse.
Era tão desconcertante, agora que ele estava me contando tudo. Era o que eu estava procurando desde o começo, mas não esperava esse tipo de reação minha.Não esperava me apegar a ele.
O dia estava escurecendo, foi então que olhei o relógio. Eram 17:40, não tinha percebido o tempo passar.
- Olha, Felipe, faltam 20 minutos para o parque fechar, então a gente tem que ir embora, tá bom?
- Tá bom. – ele murmurou. Seu rostinho angelical ficara triste e aquilo encheu meus olhos d’ água.
- Vamos indo? – peguei sua mão e fomos em direção a saída.
- Moça...
- Sim?
- Me leva pra “casa”? – ele me pediu com um olhar, que me lembrou o gatinho do Shrek.
- Levo, só me diz aonde é.
- É no Orfanato São Mateus.
Milagrosamente, eu sabia onde era. Porque eu nunca sabia onde eram os lugares na cidade.
Pegamos um ônibus e fomos contando sobre nossas vidas, no caminho. Cada um ouvindo e aprendendo histórias sobre mundos totalmente diferentes, ele da sua vida de órfão e eu de “moça de família rica”. Eu escutava atenta, parecendo mais criança do que o próprio Felipe. Para mim, era muito interessante descobrir um novo modo de vida. E o mais impressionante para mim, era ver, que mesmo com uma vida difícil, ele estava longe de ser digno de pena. Não chegava a ser a criança mais feliz do mundo, mas também não tinha ar de derrotado. Algo nele me dizia que ainda seria um grande homem.
Finalmente, havíamos chegado ao orfanato. Já estava me dirigindo a entrada, quando Felipe segurou a minha mão.
- Por favor, não entre. – ele pediu.
- Por quê? Eu quero conhecer as “Tias”.
- Não. Elas vão querer que você se explique. São muito chatas com isso. E você vai ficar de castigo também!
Com essa última frase, eu me lembrei de que ele tinha apenas 9 anos, mas que também estava certo. Se eu aparecesse, teria de explicar o que estava fazendo com ele o dia todo. E isso atrapalharia futuras visitas.
- Está bem, Felipe! Dá cá um abraço, vai!
Ele me abraçou, e eu senti um carinho imenso por ele, como se ele fosse meu irmão caçula que estava indo embora.
- Juliana, promete que vem me ver de novo? – ele me chamou de Juliana, pela primeira vez, isso deveria significar um pedido sério.
- Prometo, Felipe! Você agora é meu “chocolate”, esqueceu? – ele riu – Vou vir vê-lo sempre que puder, ok?
- Vou ficar esperando – ele disse olhando para meu rosto, não mais para baixo.
- Agora, anda que já está tarde. Tchau! – eu disse lhe empurrando.
- Tchau! – disse. Me deu um beijo no rosto, daqueles que só crianças sabem dar e se foi.
Mal sabia ele, que havia ganhado a tão sonhada madrinha, e eu uma alegria que não engordava e era muito mais real.
A partir daquele dia, eu desejei sempre ter as alegrias de Felipe. Aquelas, inocentes, simples e sinceras.
E eu voltaria ao orfanato o mais breve possível. Afinal, eu não vivo sem chocolate.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
A 2ª noite
Tinha tudo para ser uma ótima noite mas não foi.
Sabádo á noite e Juliana já estava pronta pra sair. Suas expectativas eram as de sempre. Dançar, zuar, beber(nada de cair e levantar), enfim, se DIVERTIR.
A festa havia começado. A música eletrônica a envolvia, os risos a distraíam, e ela entrou no clima. Pegou seu "companheiro inseparável", o copo de cerveja, e não o largou mais. Da sua boca apenas saiam "Enche aqui, por favor". E assim a noite foi passando.
Dessa vez nada de surpresas, nada de querer provar que não está ligando para o que as pessoas pensam. Juliana já não tinha mais controle sobre suas ações, muito menos para provações.
Vai até o freezer em busca de mais "combustível". Quando olha pra trás,aquele que fizera a outra noite valer a pena, estava ali, fitando-a com um olhar de "quero repetir aquele encontro". Juliana não conseguiu nem ao menos pensar se queria ou não, pois seu "companheiro" já estava comandando sua mente. Ela o beijou como se não tivessem ficado sem se ver e falar, era apenas uma continuação, sem pausas.
A essa altura ja havia largado seu "companheiro" e o trocado pelo cara. Parecia mais interessante,afinal, mesmo longe, o "companheiro" ficaria no controle por um bom tempo.
Foi embora com o "cara" e depois de algumas horas se lembrou que não era independente. Que tinha casa, e mais do que isso, tinha um pai indo lhe buscar no local da festa.
Eram 5 e meia da manhã e seu celular toca: "PAI CHAMANDO". "E agora? Fudeu tudo!"
E realmente,. ela estava sem saída. Depois de pensar em uma desculpa. Atende o celular: "Pai,me busca na rua tal tal tal". Porque você não está na festa?" tututututu. Sua desculpa não colou.
Juliana foi embora. Dessa vez, não foi sentindo o gosto do beijo e a delícia de não se controlar pelos pensamentos alheios, mas sim com o amargo da vergonha, a sede da ressaca e as pesadas consequências de uma irresponsabilidade.
sábado, 16 de agosto de 2008
A Noite
Tinha tudo para ser uma ótima e noite e foi.
Era uma grande festa, muita bebida, músicas animadas e muita azaração. Diante de tudo isso, Juliana pensou: "Será que eu faço parte mesmo desse mundo?" Mas a música logo afugentou esses pensamentos existenciais e ela caiu na dança. Pegou uma lata de cerveja, não para entrar nesse mundinho, ela gostava mesmo daquilo. E assim a festa ia rolando, risos, gritos, palhaçadas, balanços, samba, rebolados e um BEIJO.
Aquilo fez tudo em volta parar, e no momento da agarração, Juliana só pensava em porque estava beijando aquele garoto. Não encontrava a resposta, e enquanto isso, continuava a beijar para ver se a resposta viria. Tudo em volta havia parado, não porque estava gostoso, mas sim porque não houve a tal da "química", não se encaixaram. O beijo acabou e a festa voltou a rolar.
"Mais cerveja, por favor!",ela disse. Foram uma,duas,três,quatro...Mas, todo aquele líquido ingerido precisava ser colocado pra fora. Foi ao banheiro, percebeu que alguém ia junto com ela, mas não deu importância. Na fila do banheiro, a música tocando, ela começou a se mexer, solta e livre, sem olhar ao seu redor. E novamente música, risos, agora um pouco de álcool e outro BEIJO. Não era o mesmo cara, e dessa vez a festa dela não parou, ela havia começado agora. 5, 10, 15 minutos, uma hora sem parar. Acabaram ficando a festa toda juntos.
Quando pensava estar tudo bem, ela descobre que os dois caras eram amigos. E aí vieram as bocas hipócritas a jogarem a reputação dela no lixo por apenas uma noite. Era 1% de pré-conceito e 99% de hipocrisia, pois naquela festa, ninguém era de ninguém. Bom, isso foi o que Juliana pensara, mas, na verdade, as mulheres eram de um só e os homens de todo mundo.
Deixou essa parte podre da noite de lado e voltou para aquele que fez a festa valer a pena.
Foram pra um lugar reservado, e ali estavam longe dos olhares daqueles que a julgaram.
Depois de incontáveis beijos, foi embora pra casa, sentindo o gosto do beijo e a delícia de não se controlar pelos pensamentos alheios.