sábado, outubro 30, 2010
11 razões para não votar Cavaco
segunda-feira, outubro 25, 2010
domingo, outubro 24, 2010
quarta-feira, outubro 20, 2010
As leis da hospitalidade
- Olha lá! Íamos a passar aqui ao pé - explica o exuberante Primo Artur logo ao apear-se, - e a vai Isaltina e disse: «olha, não é para além que mora aquele teu parente meio maluco...?» E vou eu e digo: «olha lá! é mesmo; bem lembrado!»
Pronto, deita-se mais um pucarinho de água na sopa, tira-se do congelador os bifes que eram para domingo que vem e, quando há sorte, alguém faz à pressa um espera-maridos.
Cá em casa as coisas, às vezes, são menos complicadas: os bifinhos ainda vá, mas do resto, pode ser que alguém trate enquanto eu arranjo o queijo, umas tostinhas, e abro a garrafa do tinto aqui da região.
- Olha lá! - diz o Primo, a mastigar o primeiro gole. - Boa pomada! Também lá tenho em casa umas caixas, mas é dali de Palmela, ou o que é! O Duas Quintas, dois mil e qualquer coisa, um ano muita bom. Ha-des provar, pá. Também é cá uma pomada! Eu trago-te quando cá viermos. Mas duas ou três, que a gente não somos de nos ficar só por uma, olha lá!
E a gente, olha lá que não olhássemos.
Por exemplo, há dias andava aí por casa, poisada lá no alto das paredes, uma osgazita. Elas são assim mesmo, parece que estão coladas lá no sítio com um prego, como as lagartixas de loiça do Bordallo Pinheiro, sabem? E, de repente, olhamos e já está no outro canto, e depois, como diria o Primo Artur, «olha lá! A gaja desapareceu.»
- Pois, elas são mesmo assim, respondo eu. - Chegam discretamente, discretamente se vão embora...
A esta última só a voltei a ver dias depois, do lado de fora da janela, numa das primeiras chuvas deste Outono. Lá ficou tempos infindos, deliciada com o banho, como nós, às vezes, debaixo do chuveiro.
Não era a mesma? Bom, seria uma irmã gémea, talvez, é um problema à Bertrand Russel: se um gato passa por baixo da mesa e a gente deixa de o ver, como é que sabemos que é o mesmo quando reaparece do outro lado?
Mas, pronto, esqueçam.
E também há uns ratitos por outros.
Daqueles muito pequeninos, não são como o Primo Artur que não cabe numa carripana qualquer: tem de ser um V-12, no mínimo. E onde os ratitos roem uma pontinha de toucinho, o Primo Artur engole um paio inteiro, decilitro e meio, além de quatro azeitonas e um queijinho de Niza, está bem de ver. No pão não toca: está de dieta, pelo menos até à hora do almoço.
Foi, aliás, uma pontinha de toucinho o que perdeu este meu ratito.
O que eu tinha não era assim tão mortífero como uma panela de caldo a ferver.
Nem era sequer uma daquelas ratoeiras que apanham o desgraçado pelo pescoço e lho partem, ou como aqueles iscos envenenados que, só de olhar para eles a gente pensa logo na Assembleia da República, sabe-se lá porquê.
Quando nos apercebemos do novo conviva que tínhamos a morar connosco, deu para perceber que era ao contrário do Primo Artur.
Em vez de comer e beber, dormir uma sesta e ir-se embora com a Prima Isaltina «para não atrasar o jantar, olha lá», este montava o acampamento como que para ficar, roeu a tampa da caixa do arroz, abriu um buraquinho muito redondinho numa caixa de tostas, acartou tiras de uma esfregona para fazer um ninho.
Não, tinha de se tomar medidas, foi o que pensámos. Ainda se fosse só ele! Mas atrás de um ratinho vem sempre uma ratinha e depois mais uma dúzia a fazerem os seu ninhos nas mangas das camisolas...
«Como? Que não matasse os ratos?» Via-se pelos sorrisos que achavam que eu era mesmo parvo. Ou lisboeta, pronto!
Pareciam o Tio Zé Damião, grande caçador dos tempos em que «aquilo é que era!»
- Os ratos? Isso são coisas daninhas, jovem! Quantos mais a gente matar, menos crescem para o ano. É como os peneireiros e as cobras que nos andam a comer os coelhos! Ah que estão em vias de extinção! Pois que se extingam, fazem cá alguma falta?
Não valeu de nada falar do equilíbrio das espécies. Os argumentos do Tio são irrespondíveis:
- Pois. Havias de ter um ninho de vespas dentro da retrete e eu queria ver como é que lá te sentavas!
Mas pronto. Estava eu na Casa de ferragens não era?
- São criaturinhas de Deus, argumentei eu na loja, assim timidamente, como que a pedir desculpa. - Se calhar também têm direito à vida...
- Ehhh... lá isso... - concedeu o encarregado com um discreto encolher de ombros para o ajudante.
Demorou ainda um par de dias. Mas, suponho eu, lá chegou o momento em que a tentação foi mais forte: o meu visitante foi à procura de uma refeição mais pertinho, se calhar estava cansado das correrias pela casa toda...
Fui soltá-lo lá a cima, ao pé do poço, o mais longe possível dos gatos da aldeia e, de vez em quando, passo por lá a deixar umas migalhinhas.
- E olha lá! - perguntaria o Primo Artur se eu lhe contasse esta história. - Como é que sabes que é ele quem vem comer essas merdas? Podem ser os pardais, sabes lá!
- Pá, não interessa - tinha eu de responder. - São as leis da hospitalidade, é assim e acabou-se.
- Psst! Cala-te e bebe!
Mas sei que, depois, já a caminho de Lisboa, naquela espécie de viatura anti-tumulto a que ele chama carro, há-de dizer para a Prima Isaltina:
- É pá, olha lá! Aquele gajo está mesmo, pá...! Vai-se a ver, ele nunca foi muito bom, mas agora, porra, pirou de todo!
E eu ralado, hem?
quinta-feira, outubro 14, 2010
Danilo
Já com filhos a crescerem, tirou o curso de Direito e fez-se advogado, partiu numa última viagem para S. Tomé; só voltou passados alguns anos.
Entre a sua colecção de recortes - de «coisas chinesas», dizia ele - uma ou outra cartada de bridge para ensinar os filhos, muitos livros (alguns escritos por ele próprio), e a profissão de advogado veio terminar os seus dias em Lisboa, em Campo de Ourique, em 1994.
Se perguntarem a quem o foi conhecendo, aqui ou ali, por tudo quanto é lado, qual a sua mais interessante característica, a que nele mais cativava, provavelmente obterão a mesma resposta:
- O Danilo?
- O Dr. Barreiros? Isso é que era um conversador!
Conversador brilhante e mutíssimas coisas mais.
No dia 11, quando faria cem anos, o seu filho Pedro publicou-lhe a biografia com título Danilo, No Teatro da Vida.
A sessão solene do lançamento do livro e a celebração do primeiro centenário do Danilo foram no Instituto Camões, numa sala que se mostrou exígua para tanta gente.
segunda-feira, outubro 11, 2010
Passou a ter legenda: Banksy, por exemplo...
Pois é.
Azares umas vezes, sorte outras.
Cliquem aqui em baixo e logo vêem.
Graças a Deus não sou fundamentalista.
Quando digo que detesto a cultura americana, não acrescento que detesto os americanos cultos. Só detesto os ignorantes americanos ou russos, pretos, brancos, árabes ou judeus e, sobretudo, confesso-vos: os ignorantes portugueses. Mas esses, valha-me Deus, conseguirão ser artistas?
Não me estou a referir nem a prémios Nobel, nem, sobretudo aos sublimes e badalados Óscares da Academia.
Não tenho paciência para desmontar aqui um filme como, por exemplo, Milion dollar baby que ganhou quatro, nem menos.
Basta lembrar que é a história de uma jovem, acidentalmente branca, está bem de ver, que deseja subir na vida, deixar o seu empregozinho mixoruca. Nada de novo: também muitos de nós gostaríamos.
Sendo um filme de Clint Eastwood, porém, só a luta, o combate, a energia física a poderão guindar às alturas do sonho americano. A jovem envereda pela nobre arte; podia ter ido para uma universidade, por exemplo. Ou para uma escola de arte. Mas não: vai para um ginásio de boxe, como se a ascensão na sociedade, como se a realização pessoal dependessem dos murros que se consegue dar.
Cuidado porém: a traição espreita. Uma adversária, acidentalmente negra, está bem de ver, ataca-a à traição, pelas costas, malevolamente, já depois de o gong ter interrompido o round e o árbitro ter mandado as adversárias para o seu canto.
[Onde é que eu já vi este tipo de ideias (se de ideias se tratar)? Tenho de rever um ou outro político de que fui ouvindo falar: Poujade, por exemplo. Ou um tal Le Pen... Ou um cineasta holandez, creio...]
Mas este post, inicialmente, era sobre outra coisa. Era sobre os Simpson, que, para mim, juntamente com o L'l Abner de Al Capp, representaram sempre o melhor que a América teve e vai tendo: a capacidade de se ver a si mesma com olhos mais impiedosos do que os dos seus piores inimigos.
E justamente, os autores dos Simpson encomendaram, segundo julgo ter percebido, uma nova abertura para os seus episódios a um inglês, o graffiter mais famoso do mundo e, acrescente-se, também o mais politizado: Banksy.
A Twentieth Century Fox, porém, ciosa dos seus direitos, tem-nos impedido de ver a magnífica caricatura que resultou desse encontro de criadores. É só uma censurazinha. Não chega a ser o pior da cultura americana. Há mais e bem mais agressivo.
Mas é incómodo. Tenho perseguido o filmezinho pela internet e, de cada vez, me dizem que o vídeo não está disponível para a minha área, ou que foi desactivado por este ou aquele motivo. Outras vezes reaparece. A última vez que o consegui ver foi no Gawker, porque aqui ainda não estava de volta. Julgo que agora estará.
Experimentem aqui no Portugal, Caramba! ou vão até lá. Pode ser que tenham sorte.
terça-feira, outubro 05, 2010
Viva a Bela Adormecida!
Não sou o republicano mais convicto do mundo, é verdade.
A bem dizer, nem sei muito bem o que é isso, uma república.
Claro: já não há reis.
Os marquezes e os condes deixaram de merecer tratamento de favor expresso na lei. Alguns, mas não muitos, até empobreceram.
Mas e depois?
As grandes famílias, cruzamentos do poder económico e do poder simbólico como sempre, continuam por aí. Estou até em crer que olham com irónica indulgência os salazarecos que se agitam diante das televisivas câmaras a julgar que decidem alguma coisa.
E a Igreja Católica, com a Opus Dei, quem sabe, com as Misericórdias, com as suas escolas, foi separada do Estado, mas, se calhar, levou consigo muito do melhor que a gente tinha, e isto sem nunca abdicar inteiramente de de coisa alguma.
Não tenho a certeza, mas foi como se uma fada má tivesse condenado esta Bela a picar-se num fuso e dormir durante cem anos.
Quem quer ser o Alfaiatinho Valente que a vá despertar? (1)
Mas, perguntareis: então e a República não fez nada de jeito? Estes anos todos?
Sei lá. E que é que interessa?
O Eça de Queiroz não era um republicano. O Camões ainda menos e o Pessoa também não. Mas foram pontos altos na nossa cultura. E o que seria o Saramago numa monarquia? Republicano à mesma, não?
Olhem, uma república a sério, para mim, é isto e ponto:
_
(1) Nste blog, sendo laico e republicano, os Príncipes encantados são convidados a absterem-se. Obrigado.