Carta de Amor Pasárgada, 12 junho de 1900.
Pseudônimo: CAPITU
Meu querido Abelardo
Hoje, Dia dos Namorados, não
tenho versos nem metáforas... Tenho lembranças, profundas lembranças...
Escrevo-te para recordarmos da estranha estrada que naquela noite nos levou
para o amor. Não nos falamos, mas muito nos sentimos, não nos enganamos e muito
nos dávamos no silêncio da entrega oculta, na dor do amor proibido. Cada
segundo era muito importante, pois a despedida, sombra-mortal, sinistra, nos
esperava.
Eu me extasiava só de olhar
teus olhos. Tímida me calava para sentir teu corpo junto do meu. Desejava que o
tempo parasse e me premiasse com a tua companhia. O vento manso soprava nos
acariciando. Tentávamos pensar, falar, mas o espaço que nos separou levou-nos
também as palavras e secou os nossos pensamentos deixando apenas que nos
sentíssemos um ao outro, infinitamente... Daria tudo para deitar ao relento,
dormir teu sono, soluçar teus soluços chorar o mesmo pranto ou saborear a mesma
gargalhada.
Alguém nos velava em silêncio
para amenizar a dor da despedida naquela noite que nos cercava, fria e
assustadora! Ali, entregávamos nossos fardos, nossas lutas, nossas amarguras,
nosso cansaço. Eu me completava contigo na experiência de me fazer tua, de
corpo e alma. Era preciso coragem para seguir os teus passos rumo ao
desconhecido, pois a estrada era enganosa, sombria e duvidosa. Depois da curva,
o que me esperaria?
Tomei tuas mãos e ensaiei a
caminhada! Essa caminhada engasgada que tinha dentro de mim e que só a ti
pertencia. Tentei acompanhar teus passos, mas o caminho era curto e frustrada
voltei ao ponto de partida, contemplando a paisagem que dormia na noite
misteriosa. Desejava dizer-te grandes coisas... Contar da minha saudade, das
minhas penas, da minha sensação de abandono e da tua ausência cruel. Mas, se
falasse, minhas emoções me trairiam e dos meus olhos lágrimas tristes fruiriam
Procurei as tuas mãos pequenas, busquei o teu olhar amigo, desejava os teus abraços que me amarravam nos teus laços. Confesso que queria morrer alie e que me fizesses a última carícia, para só depois, fechar as pálpebras, já sem vida... Morrer sim, aos poucos, bem junto do teu coração, com o meu último olhar posto no teu. E, lá bem de longe, levar comigo o amor que cultivei por toda a vida, desde a minha meninice. Que grande privilégio seria encher agora a alma inteira de alegria. Embriagar-me de ti e contar-te todos os meus segredos. Quanto sofrimento, o de esconder o próprio rosto!!! E o que me perguntarão? Importa? O que perguntarão se estamos na contramão? Diria serenamente que ninguém poderia silenciar meu coração... A vida é teia de sentimentos maravilhosos onde nos prendemos à pessoa amada para sempre... Estou à tua espera no umbral da mesma janela. Não sejas como a ponte, parada, serva, assistindo calada o passar do tempo... Sejas como a água intrépida do rio que corre pelas pedras vencendo todos os obstáculos.
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