Friday, January 15, 2010

O Xantarim fechou...E agora?

Dificilmente o encerramento de um bar em Santarém terá causado tanta tristeza como o do Xantarim. Não tanto por ser um dos mais antigos e pelo seu carisma arquitectónico - foram várias as 'faces' que já assumiu, conforme as suas gerências e clientelas - mas pelo ambiente que ali se criou nos últimos anos, mérito, sem dúvida, do Artur, o mais recente gerente deste mítico bar escalabitano.
Situado em pleno centro histórico, numa rua praticamente sem saída, espaço de porta fechada, discreto para quem passa e (re) conhecido para quem nele já entrou ou dele ouviu falar, o Xantarim tornou-se numa verdadeira instituição da noite da Scalabis, à qual nunca se pôde atribuir verdadeiramente a vertente mais mundana desse conceito: Noite.
Nos últimos tempos o Xantarim passou a ser o (único) sítio onde se ouvia boa música, nova ou velha, alternativa, indiscutivelmente, aos circuitos mais comercias da boémia ribatejana. Não me lembro de noutros tempos haver DJs de serviço neste espaço. Com ela, a música, cativou muitos que provavelmente procuravam antes outras paragens para se divertirem, trouxe mais vezes de volta à cidade os 'migrados' nas faculdades da capital e não só, e malta de fora, que normalmente recebia os escalabitanos e não o contrário.
De alternativa o Xantarim passou a ser um 'must go'. Toda a gente se caí lá, mas em regra o ambiente nunca descambou. Tal como também não mudou a simpatia e o antendimento das caras da casa. Mesmo para habitués como nós, cujo consumo muitas vezes não ultrapassava os 2 euros, mas se estendia por largas horas de conversa de surdos (a música sempre se impôs e as discussões eram muitas vezes sobre ela -'quem é que canta isto?', ou 'o original não é destes' e ainda 'vêm a Portugal este ano') nos bancos ou sofás iluminados àquela media luz misturada com fumo, de fazer arder os olhos ao mais resistente dos fumadores. Fazia tudo parte do charme de um espaço que pela sua história e características arquitectónicas era ocasionalmente referenciado por alguns ilustres professores da cidade.
Seguiram-se festas e concertos com a marca Xantarim. Festa dos anos 80, bandas amadoras da zona, mas de rock. Santarém nunca teve tradição, nem espaços, na divulgação das bandas de garagem locais, ao contrário de outras cidades da região. O Xantarim conseguiu furar um bocadinho isso. Também era ponto de encontro da malta no final dos espectáculos no Sá da Bandeira. Eram os dias em que frequentemente ficávamos de pé. Sabiamos que já não iriamos arranjar mesa, mas iamos à mesma.
Mas o Xantarim fechou. E agora?

Monday, January 4, 2010

A minha curta aventura pela crítica literária.

Fiz isto como teste para uma eventual colaboração. Mas fiquei-me pelo teste, que apesar de tudo me presenteou com um belo livro.


Para além da guerra

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Prós: uma escrita intensa e cinematográfica, emocionante e simultaneamente reflexiva.

Contras: a opção por parágrafos com uma frase torna-se factor de distração na leitura, em alguns casos.

Os «dias sem fim» da guerra colonial são contados neste novo romance de Luis Rosa. Autor e narrador, é através dele e das suas memórias que percorremos e vivenciamos os episódios passados na Guiné-Bissau de há mais de três décadas atrás. Episódios, esses, que vão muito além das operações militares. O teatro de guerra oferece-se como palco para a observação de costumes, crenças, valores, religiosidade, fé, amor e, sobretudo, de reflexão constante sobre a condição humana, do tipo de homem que se revela em cada homem face à crueza da guerra e à luta pela sobrevivência. «A aprendizagem dos dias sem fim iria mostrar-me até onde chegaria a bruteza dos actos e a selvajaria das situações», antecipa-nos assim o autor os exemplos que surgirão no desenrolar da acção e que medirão isso mesmo. É nessa dinâmica que Luis Rosa vai desfiando as suas memórias. Os diferentes episódios são descritos de forma dramática e intensa, com um desenrolar quase cinematográfico, onde cada capítulo surge como uma cena diferente, retrato das variadas experiências: os combates, a guerra psicológica, as gentes e os costumes, os lugares, os cheiros ou o tempo. Mas as contradições, as questões e as reflexões acompanham a acção, enquadrando o significado dos acontecimentos para o autor. Mais do que o que viu importa aqui o como viu, o entendimento para lá das palavras, as sensações à flor da pele, o sentido de dever, a sobrevivência, deixar um filho.
Neste belíssimo romance, Luis Rosa dá-nos uma perspectiva simultaneamente social e profundamente pessoal da nossa história contemporânea, de uma guerra que «nunca foi uma guerra de ódio» nem de valores, dos que são intrinsecamente humanos, como mostra nas páginas do seu livro.
Memória dos Dias Sem Fim
Luis Rosa
Romance
Editorial Presença
15,80 €