Beijo Carmim
Por vezes deitado
Sinto-me do meu corpo exteriorizar
Algo em mim não se preza parado
E deixo-me vaguear
Por entre sombras esquecido.
Algo em mim finge um contentamento
Que por não ser verdade
Aumenta meu aborrecimento
Efémera dor de saudade
Que cai como lenço ávido de lágrimas
Sobre minha negra entidade
Rogo e desejo em suplício
Que passes depressa
Pois não aguento mais tamanho ofício
Estar só nesta travessa.
Encruzilhada de reflexão
Graças a deus ainda algo remanesce
Perante tamanha solidão.
Pensamento debandante
Revolvo ideias com esperança
De encontrar a tua alma distante.
Eis te finalmente aqui impetuosa
Cerca de mim a dor escura
E banha-me na lembrança da tua rosa.
Em mim velado
Já nada existe
Que a ti não te tenha revelado
Liberta então este manto doloroso
Para que possa por fim
Dar-te o tão ambicioso
Beijo carmim.
Luz
Foto por: JP Henriques
Existes e fazes nascer
Sombras de recantos
Sem ninguém se aperceber
És vida em ruas securas
Tombam em ti mendigos
Sendo eles mesmo sem saberem
Teus fieis amigos
És farol para marinheiros de calçadas
Como eu que hoje passei
Nestas ruas por ti clareadas
Em minhas penosas passadas
Sem ti seria escuridão
Toda esta imensidão
És grande no entanto és sozinha
Vives de momentos apagados
Tendo apenas por companhia
Momentos por poetas relatados
Viajas com magia
Criando seres escravos
Que peregrinam sem alegria
Agarrados a outros passos
Como podias ter em ti alegria
Se apenas vives até ser dia.
Mas agora te reconheço
Pois sou por ti abrigado
Enquanto neste trilho permaneço.
Por isso te dou o meu muito obrigado.
AMOR & ÓDIO
Foto por: Flávio CoutoExistem entre nós humanidade
Dois guerreiros ancestrais
Quando verdadeiros nunca combatem por vaidade
São verdadeiros nossos conhecidos
Mas apenas os lembramos
Quando estes são sentidos
Por isso raramente os recordamos.
Lutam lado a lado
No entanto lutam isolados
Por algo que nos é muito estimado
Vivem juntos e jamais puderam ser separados.
Em muito são iguais
De tão vivos
Até se tornam banais
No entanto passam esquivos
Pois ambos podem ser mortais.
Lutam até à morte
Se assim for de sua sorte
Ambos vivem assim
Amor e Ódio tão perto de mim
Por um ser belo o outro torna-se ruim
No entanto caminham lado a lado até ao fim.
Não Me Deixo Morrer
Foto por: Luís Costa
Vagueio nas memórias
Que nem mãos de crianças na lama,
Procuro peças aleatórias.
Um rosto a lembrar,
Algo que acenda a chama
Para fazer arrebitar
Novamente esta alma.
Não me deixo morrer
Por razões finitas de fingimento
Que nos levam sem certo de saber.
Por teias de pensamento
Julgamos controlada
Esta vida que nos atormenta,
Mas para lá da alvorada,
Vem no entanto a morte prevista.
E agora que tudo se adivinha no fim da vida
Que nem reverso do cair duma cadeia de dominó,
Levanta-se grande contenda
Vamo-nos deste mundo ou cá permanecemos em pó.
Mas tudo se constrói por uma razão
Não importa o que acontece,
Pois sem sentido ou emoção
A vida cai e esmorece.
Mas eis que algo nasce e dá-nos a emoção
Outrora extinta e já esquecida
E que nos levará pela mão
Até ao fim da nossa vida.
Por isso acreditemos, nada está perdido
Enquanto não se antever
O nosso sorriso sumido
Na hora de morrer.
Algo Existe
Foto por: João Viegas
Olho os teus olhos grandes e manchados
Como se de um lago se tratasse
Onde não consigo entrar.
Agitas as águas,
Não me deixas aproximar.
Aos teus ouvidos calados
Murmuro palavras surdas,
Apenas compreendidos
Pelas tuas mãos fechadas.
Mas algo existe, como a lua
Que deixa cair seu reflexo no mar.
Tu a vês, eu a vejo.
Mas não a conseguimos chegar.
Pois embora perto, antevejo,
No presente não se encontrar.
O vento proferido
Pela negação dos teus lábios
Fazem-na dissolver.
Olhos marejados
Não voltam a se esconder.
Agora olhamos para cima,
E vemo-nos na verdade,
Enfim juntos num olhar,
Unidos por um vértice Eu, Tu e o Luar.
Boémia Coimbrã
Foto por: Rui Costa
Cidade viva por tradição
De segunda a quinta em alvoroço
Por boémia paixão.
Mas restos dias em calabouço.
Feita de saudades que ficam
E remorsos que persistem
Desta forma nunca cá voltam
Amores que nestas ruas subsistem.
Outros não que tais
Levam no seu regaço
Imagens que servem de vitrais
Para vidas no longo contínuo espaço.
Cidade velha e pesada
Ainda está por vir
Menina imaculada
Que faça as esferas cair
Pela grande escada.
Repercutem memórias
Por mundo fora
Que tudo cá são videiras
Pois sabem em má hora
Que aqui não se fazem só bebedeiras.
Um dia vou partir
Talvez até amargurado
Mas muitas coisas me fizeram subsistir
Para cumprir este meu legado.
Voltarei a ver seu dilatado troço
Quando cá voltar,
Entretanto traço a capa com esforço
Pois tenho algo para acabar.
Insónias
Foto por: HipnozUm cigarro a minha mão acende
Para me fazer acompanhar
De algo que me desprende
Da hora de me ir deitar.
Por entre bafejos de fumo
Relembro este dia passado
Como outros tantos por mim contado.
Reparo agora nas sombras
E no fumo que circula no ar
São imagens duras
Com quem não dá para falar
Alguém deu um nome a isto por que passo
Chamaram-lhe insónias.
E eu chamo-as todos os dias
Com elas vagueio neste espaço
São as minhas fiéis companhias
Não as desprezo
No fundo acho que as invejo
Pois sou eu que as chamo
Para fazerem parte do meu rejo.
Estão comigo sempre que reclamo
Por um pouco de companhia.
Por isso as chamei hoje.
E voltarei as chamar com certeza noutro dia
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