A mim, peço que me deixes num terreno baldio
e espere que os bichos venham e devorem minha face.
Depois, olhe bem em meus olhos e pergunte:
"Quem és tu, poeta descartável!?
Atado ao nada de ti mesmo
e fadado a um ato assim tão podre?
Agora, só contaminas esse lote com tua química
e daí, bem sabes,
só brotarão tumores."
Depois, me amarre em suas costas
e carregue até tua casa,
só por delicadeza,
me apresente a todos teus amigos:
"Olhe, este era meu amigo,
era como um irmão para mim
ou o pai que nunca conheci!"
A outro diga:
"Não te envergonhes,
pode olhar sua boca aberta...
Por que não encarar os tapurus em seus lábios?
Por favor, não se reprima!
Vomite se achar necessário!"
Então, quando me considerares inútil
até para os teus chegados,
recite um poema meu qualquer,
cante uma canção que eu gostava
sobre os porcos nas nossas asas,
ou o brilho dos diamantes,
uma dessas que me fazia lembrar que estava vivo.
E se por acaso eu me mexer
ou aparentar dançar com meu cadáver torto,
não se preocupe, saberei: "ainda estou morto"
e não voltarei para dizer-te nada
ou assustar-te nas noites mais frias,
mas é que a música ficou gravada em meus pés
e a dança era uma parte mais fluida em mim do que a palavra.
Porém, se nada disto acontecer
não tenhas medo,
acalme teus companheiros
meu corpo seguirá vazio,
tão desalmado quanto sempre.
Não gastes mais teu tempo a recordar o inexistente,
passe para o próximo momento:
a vida é isto.