A “alternativa”
orçamental de Paulo Trigo Pereira, para além de ser uma dura crítica ao
Programa de Estabilidade 2017-2021, ignora a evidência empírica das últimas
décadas, para além de esquecer a verdadeira razão porque fomos obrigados a
pedir ajuda à troika: a gigantesca
dívida externa.
Até 1995, a política económica portuguesa enfrentou a
necessidade de respeitar o equilíbrio das contas externas. Quando esta
restrição não era respeitada, éramos forçados a pedir ajuda ao FMI, como
aconteceu em 1978 e 1983, devido a respostas erradas aos choques petrolíferos
de, respectivamente, 1973 e 1979.
Com o governo de Guterres, embalados pela perspectiva de
entrada no euro, criou-se a ilusão de que poderíamos ignorar as contas
externas, e tentou-se estimular o crescimento económico com base no aumento da
procura interna, aumentando a despesa pública. Os resultados desta política não
podiam ter sido mais desastrosos: o potencial de crescimento da economia foi
diminuindo até passarmos a divergir da UE a partir de 2000, tendo Portugal
registado o terceiro pior desempenho económico deste espaço desde então, menos
mau apenas do que a Itália e a Grécia; passámos a ter elevados défices
externos, em torno de 10% do PIB (o que anteriormente nos teria levado a pedir
ajuda ao FMI), e a dívida externa explodiu de uns insignificantes 8% do PIB em
1995 para 110% do PIB em 2011.
Pela n-ésima vez é necessário repetir isto: não foram as
contas públicas que nos obrigaram a chamar a troika, foram as contas externas, que nos colocaram numa posição de
extrema vulnerabilidade perante os investidores estrangeiros. A Itália tinha,
então, uma dívida pública claramente superior à portuguesa, mas uma dívida
externa pouco significativa, dependendo sobretudo dos investidores nacionais
para se financiar. Acresce que grandes investidores que queiram investir em
dívida pública da zona do euro, dificilmente podem deixar de investir em
Itália, pela dimensão da sua economia e da sua dívida, enquanto a dívida
portuguesa é claramente dispensável, pela sua pequenez e risco elevado.
O documento do deputado Paulo Trigo Pereira, de Ricardo
Cabral, Luís Teles Morais e Joana Andrade Vicente, “Estratégias orçamentais
2017-2021: as opções de política”, do Institute of Public Policy, apresenta uma
via “alternativa”, com défices públicos mais elevados, mas maior crescimento do
PIB e dívida pública semelhante ao do Programa de Estabilidade 2017-2021.
O que há de errado com este documento, que nos promete o
paraíso? Em primeiro lugar, imaginar que o problema de crescimento português é
um problema de falta de procura, quando os estrangulamentos se encontram do
lado da oferta. A evidência empírica do país dentro do euro é que viveu sempre
com elevado excesso de procura (uma outra forma de designar os défices
externos) e isso traduziu-se em dívida externa e não em crescimento.
Em segundo lugar, partir do dogma de que mais despesa
pública significa mais crescimento, o que é contrariado pela experiência dos
últimos anos. Em terceiro lugar, e eticamente mais grave, a ausência de uma
secção sobre as consequências sobre as contas e dívida externas, que têm uma
elevada probabilidade de apresentar problemas, como já estamos a assistir em
2017, em que o maior crescimento económico está a reduzir fortemente o
excedente externo. Tem ainda que se acrescentar que o saldo positivo nas contas
externas é extremamente frágil, porque se baseia num nível de investimento
muito abaixo da média histórica, enquanto a poupança das famílias está em
mínimos. Para além disso, a reposição de rendimentos conduz à compra de bens de
consumo duradouro, com uma componente importada da ordem dos 90%, que no caso
dos automóveis é ainda superior.
Aliás, esta estratégia de só falar nas vantagens e se
esquecer – muito convenientemente – de qualquer contra-indicação ou efeito
secundário, já tinha sido utilizada por este deputado do PS, aquando do
documento de proposta de reestruturação da dívida.
No texto sobre a “alternativa” salvam-se as duras críticas
ao irrealismo do Programa de Estabilidade 2017-2021 nas promessas de contenção
da despesa, em contradição com as promessas eleitorais.
[Publicado no jornal online ECO]