Vou comparar os programas de António José Seguro (“Contrato
de confiança”) e de António Costa (“Uma agenda para a próxima década”) na sua
dimensão económica, em apenas duas vertentes: 1) crescimento económico; 2) sustentabilidade
das contas públicas.
Em relação ao crescimento, Seguro percebe que o caminho são
as exportações e não o estímulo da procura interna, o que se saúda, já que há
imensa gente – alguns com responsabilidades – que imaginam que o crescimento brotaria
naturalmente do fim da austeridade, ignorando olimpicamente que Portugal quase
não cresce há 15 anos e durante a maior parte desse tempo não fez outra coisa
senão estimular a procura interna à custa de endividamento externo.
Pretende lançar um “Plano de reindustrialização 4.0”, com
boas intenções, mas com uma certa confusão entre objectivos e instrumentos.
Falar em objectivos é muito bonito, todas as candidatas a miss Mundo o fazem,
mas definir instrumentos concretos, eficazes e eficientes para os alcançar é
muito mais difícil. Logo no início das 80 medidas temos “Reforço da produção
nos setores ditos tradicionais, com enfoque na qualidade e na produção de
pequenas séries” (p. 17). Isto não passa de um objectivo, aliás de utilidade
duvidosa (mas porquê as “pequenas séries”?), de uma intromissão abusiva e
despropositada do Estado nas escolhas das empresas. Mas, sobretudo, nem se
percebe como poderá ser concretizada. Teme-se a criação de mais lugares para
funcionários públicos, que nunca geriram uma empresa, para mandarem bitaites
sobre o que estas devem fazer.
Há uma lista infindável de promessas de intervenção pública
e uma cornucópia de subsídios para isto e para aquilo e nem uma palavra sobre a
redução dos obstáculos do Estado à iniciativa privada, em particular na
justiça.
A proposta de António Costa é muitíssimo mais vaga, só fala
em objectivos, embora tenha um tom menos burocrático do que a de Seguro. Também
reconhece a necessidade de o crescimento se basear na procura externa, vá lá.
No entanto, há aqui um aspecto preocupante: “As empresas devem ter também
obrigações e responsabilidades perante os seus trabalhadores, os utentes e
consumidores e a comunidade local ou nacional em que se inserem.” Esta ideia
soa muito bem em teoria, mas temo que estejamos na pior conjuntura possível
para a colocar em prática.
Dada a actual fragilidade das empresas e o nível
elevadíssimo de desemprego, tenho muito medo que se crie um conjunto de novas
responsabilidades às empresas que acabem por matar as mais frágeis. Não me
parece nada boa ideia termos uma “modernização” empresarial que atira o
desemprego para os 20%. As ideias defendidas por Seguro poderão trazer
crescimento económico, mas duma forma ineficiente. Já as de António Costa,
contêm o risco de mais recessão e desemprego.
Passando agora ao tema da sustentabilidade das finanças
públicas, a proposta de Seguro conduz exactamente ao oposto. Quer “27. Não
aumentar a carga fiscal durante a próxima legislatura”; “28. Não efetuar mais
cortes nos rendimentos dos trabalhadores e dos pensionistas”; “29. Acabar com a
“Contribuição de Sustentabilidade” (p. 20). Basicamente, só isto equivale a
fazer subir o défice. Se somarmos todas as outras promessas de subsídios para
isto mais aquilo teríamos mais défice e mais dívida.
As promessas de aumento da receita ou são ínfimas (“taxa
sobre transações financeiras”, p. 20) ou miríficas (“plano de combate à fraude
e à evasão fiscal”, p. 20).
Algumas ideias do Objectivo 4, “Construir um Estado
sustentável e de confiança”, são já instrumentais e interessantes, como a
reforma da Administração Pública, através de uma “auditoria integral de
processos”. No entanto, não parece haver aqui qualquer preocupação com a
poupança de recursos, pelo que é de concluir que o programa de Seguro é
incompatível com o cumprimento do Tratado Orçamental.
Como as propostas de António Costa são muito mais vagas, não
é possível uma avaliação tão taxativa do (não) cumprimento dos nossos
compromissos internacionais em termos de finanças públicas. No entanto, dado
que só fala em investimento e coesão social, que custam muito dinheiro, e em
lado algum fala em cortes na despesa nem em aumentos de impostos, temos que
concluir que também não cumpriria o Tratado Orçamental. Imagina-se que espera
que o crescimento económico apareça de repente, por milagre, após uma ausência
de 15 anos, permitindo pagar tudo e, especialmente, fazendo desaparecer uma das
escolhas políticas mais importantes: a das opções orçamentais.
Globalmente, a proposta de Seguro revela (muito) mais
trabalho de casa, enquanto a de Costa tem o verbo mais inspirado. No entanto,
estamos basicamente perante duas cartas socialistas ao Pai Natal.
[Publicado no Observador]