1. A ideia de que os cortes na despesa pública seriam
temporários, sempre foi uma enorme fantasia.
Em primeiro lugar, porque o crescimento económico posterior
ao programa de ajustamento nunca geraria as receitas fiscais que substituíssem
os cortes na despesa. Em segundo lugar, porque a redução do défice teria que
continuar até atingirmos um deficit estrutural de 0,5% do PIB, imposto pelo
novo tratado orçamental.
Em terceiro lugar, porque aquele tratado previa a
necessidade de redução posterior da dívida pública para todos os países em que
esta fosse superior a 60% do PIB. Mesmo que o ritmo imposto por este tratado
seja irrealista, alguma redução na dívida terá que ser conseguida, para evitar
que uma qualquer recessão futura coloque de novo a nossa dívida num crescimento
explosivo.
Em quarto lugar, porque, durante as próximas décadas, o
envelhecimento da população continuará a exercer uma fortíssima pressão sobre
as contas públicas, quer nas pensões, quer na saúde.
Por tudo isto, a ideia de que os cortes impostos pela troika eram “temporários” foi, desde a
primeira hora, uma “história da carochinha” que o governo contou e que o
Tribunal Constitucional (TC) engoliu, nesta farsa colectiva em que tornou a 3ª
República.
Com as novas condições impostas pela troika, tem de se acabar com esta ficção e esclarecer, preto no
branco, que os cortes são definitivos. Por isso, espero que a primeira decisão
do governo seja enviar estas condições para o TC. Se o executivo insistir no
estratagema de empurrar os problemas com a barriga, espero bem que outras
instituições contestem rapidamente a constitucionalidade desta medida. Não
porque deseje que o TC discorde das medidas, mas para acabar com o delírio do
ajustamento “temporário”. Ou então, que o TC as recuse e caiamos rapidamente em
bancarrota, para destruir de vez a 3ª República e todas as suas instituições, a
começar pelo TC.
2. Klaus Regling, presidente do Mecanismo de Estabilidade
Europeu, pressionou recentemente Portugal a evitar um programa cautelar, porque
seria um “programa mais duro”. Isto é absurdo, porque o essencial da ajuda do
FMI em 1978 e 1983 não foi o dinheiro que nos emprestaram, que não foi muito,
mas o selo de garantia que o seu envolvimento trazia.
Por isso, sem o conforto que um programa cautelar traria aos
investidores, Portugal terá que realizar mais austeridade se enfrentar sozinho
os mercados. Existe, de facto, na cabeça dos menos esclarecidos, a ideia que,
na ausência de um programa com a troika,
não teremos que aplicar tanta austeridade e poderemos voltar aos velhos hábitos
da despesa insustentável. Pois podem ter a certeza que, sem a figura tutelar da
troika, o menor deslize será
duramente castigado pelos mercados.
A irracionalidade da argumentação de Regling é um disfarce
que confirma a indisponibilidade europeia para continuar a ajudar Portugal. Já
todos percebemos que os políticos europeus estão aflitíssimos com as eleições
europeias de Maio próximo, com a subida nas sondagens dos partidos
anti-imigração, anti-euro e anti-UE, mas escusam de nos tomar por atrasados
mentais.
[Publicado no Jornal de Negócios]