sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O quadro. Crônica por Edna Costa. 20.10.2005

Algumas vezes ainda se encantava ao andar pelas ruas
de Manhattan; outras, se questionava o porque estava
ali e até quando. Coisas do destino, diria sua mãe.
Fazia um calor abafado e úmido, o que era raro nessa
época do ano pois já estavam no outono e o vento
frio deveria estar soprando para anunciar a
chegada do rigoroso inverno. Ah! o inverno, lembrou
ela, enquanto empurrava enfadonhamente o carrinho de
bebê. Não gostava do frio tão intenso que lhe trazia a
companhia de algumas dores da idade.

Sacudiu vigorosamente a cabeça para espantar os
pensamentos desagradáveis, e atravessou a rua
rápidamente. Ao alcançar a calçada diminuiu o passo,
limpou o suor da testa com as costas da mão, ajeitou
os óculos e já no meio do quarteirão parou, e
abaixou-se ao lado do carrinho para dar água para o
menino. Afagou seus cabelos dourados e deu-lhe um
beijo na bochecha rosada. Sorriu com ternura ao
constatar como o amava depois de dois anos e meio de
convivência.

Ergueu-se lentamente e fitou a vitrine da loja de
artes. Havia tantas coisas lindas para serem admiradas,
mas seu olhar fixou-se num grande quadro colorido.
Era uma pintura a óleo que retratava uma janela aberta
com um vaso apoiado no parapeito. Desse vaso saia uma
profusão de miosótis incrívelmente azuis. Abaixo, por
dentro da moldura, podia-se ver um console antigo com
um serviço de chá para duas pessoas, que lembrava
porcelana inglêsa em seus detalhes tão delicados.

E então, a vista da janela descortinava-se para uma
vila a beira-mar. Era deslumbrante! Pequenas casas,
talvez de pescadores, pontilhavam de colorido a orla
do mar. Nos rochedos estavam incrustadas como pérolas
as casas maiores e mais bonitas. Dava quase para
sentir a diferença dos estilos de vida das casas.
Além das areias brancas da praia, surgia o mar
verde-esmeralda intenso e cristalino pontilhado de
pequenos barcos completando aquela beleza toda.
Algumas gaivotas brancas plainavam graciosamente no ar
parecendo prontas a dar o bote para a refeição do dia.

Sentiu-se transportada para aquele lugar mágico e por
momentos esqueceu-se dos problemas do dia-a-dia. Meu
Deus, pensou ela, como pode alguém transpor para um
simples quadro, tanta poesia e beleza? Voltou à
realidade com o chamado do menino. Sentiu uma leve
tristeza ao pensar que talvez não pudesse jamais
comprar uma obra tão linda. Mas voltaria a passar (e
parar) mais vezes em frente a loja e sonhar por alguns
breves instantes.