Uns metros à esquerda da saída do albergue, entre a Igreja de Santo
António da Torre Velha e o padrão românico-gótico que serve de Capela ao Anjo,
que nos guarde, viramos as costas ao burgo e penetramos pelos campos e regadios
marginais ao Lima; a fartura de água, no entanto, havia galgado as margens e
inundado o caminho, transformando-o num trilho lamacento quase intransponível,
mas nada nos demovia, a nós e a quantos connosco peregrinavam.
Batiam as oito badaladas quando passávamos à igreja de Arcozelo e
daqui seguimos, marginando e transpondo, no Arco de Geia, o rio Labruja, até à
aldeia do mesmo nome.
Após restabelecimento obrigatório dos índices hídricos
na Fonte das Três Bicas, enfrentamos a Labruja!
A partir da capela de Nossa Senhora das Neves, sempre com o som do rio
como “música suave em nossas orelhas”,
vislumbramos o trilho do nosso suplício. Imagino o cortejo dos penitentes por este
rio acima, de Fausto Bordalo Dias, onde “vão
culpados pecadores da gula, vão culpados da sensualidade, vão os tíbios e
frouxos no amor, vão culpados por abstinência, vão culpados das suas carências…
e cantam louvores ao Deus”, até à Cruz dos Franceses ou Cruz dos Mortos,
como de seguida se verá:
"Após a 1ª invasão francesa, perante a situação caótica em que
se encontrava o exército português desmantelado por Junot, a Regência
entretanto constituída para governar o País
“solicitou ajuda ao Reino Unido no sentido de indicar um oficial que levasse a cabo a
tarefa de reorganização do nosso exército, sem a qual não estaríamos em
condições de enfrentar qualquer nova ameaça. Foi nomeado para essa tarefa o
major-general William Beresford que, ao chegar a Portugal, recebeu o título de Marechal do
Exército Português.”
Aquando da 2ª invasão, em 1809, as forças britânicas que
tinham ficado em Portugal para nos auxiliar receberam reforços e um novo
comandante, o tenente-general Wellesley,
que veio a libertar, entre outras, a “Invicta e Sempre Leal” cidade do Porto.
O general francês Soult levara então uma grande sova nesses combates,
onde as suas tropas terão sofrido cerca de 4.000 baixas, e retirou em debandada em direção à Galiza. “Era sua intenção seguir para Braga, mas foi informado de que
as forças de Wellesley já ali tinham chegado. Resolveu então seguir por Chaves,
mas esta praça tinha sido ocupada pelas unidades de William Beresford. As
principais estradas estavam portanto cortadas para a sua retirada e, desta
forma, tinha de continuar a marcha pelos itinerários mais difíceis. Atravessou
o rio Cávado em Ponte Nova e daí iniciou a subida da Serra do Gerês em direção a Ourense, em Espanha.” (in pt.wikipedia.org)
Muitos dos soldados retardatários do exército de Soult, doentes e
famintos, esfarrapados e mutilados, fugiram pela serra da Labruja, e, aqui onde
está esta Cruz dos Mortos, foram
vítimas de uma emboscada da população local."
Que Deus Nosso, Senhor de infinda Misericórdia, feito homem para vencer o
mal e nos resgatar da morte, me perdoe, a mim, persistente pecador, que,
incapaz de seguir os passos de Quem nos abriu os caminhos do Bem, sempre me
meto “por maus caminhos”!...
A Jesus Cristo, sem mácula de pecado, obrigaram-no a levar às costas,
subindo o Gólgota, o pesado madeiro no qual havia de ser crucificado,
tropeçando amiúde e caindo três vezes; a mim, contados os meus pecados, assaz
leves me são, afinal, a bicicleta e os alforges que carrego até à Casa da
Guarda, calvário desta minha peregrinação!...
Nesta Cruz nos detivemos uns cinco minutos e ao cabo deles partimos e fomos ter a uma casa da Guarda Florestal, em cujo eido brota uma
bica de água fresca, reabastecedora das carências do corpo e retemperadora da
força do ânimo.
- Uff!... Que alívio!... E que gozo esta Labruja!...
CAPÍTULO V
DO QUE PASSAMOS DEPOIS QUE DOBRAMOS A LABRUJA E
DOS CAMINHOS QUE FIZEMOS ATÉ VALENÇA, ANTES DE ATRAVESSARMOS O RIO MINHO
Dobrada a encosta da Labruja, enfrentamos novo tormento. Agora era uma
descida íngreme, com ela à mão, agarrada pelos travões, para não irmos nós e
bicicleta em rapa cu até Lamalonga. Daqui rolamos por chão quase raso, obra de
meia légua, até Rubiães, na qual terra entramos ladeando a igreja românica.
Logo abaixo e no mesmo correr, a menos de cem pedaladas,
está o albergue de peregrinos, onde a chancela está à disposição para se carimbar a Credencial.
E
tornando-nos a “embarcar”, continuamos a
descer até à ponte romano-medieval de três arcos, sendo que os dois laterais
apenas servem para escoar as águas do leito das cheias, no Rio Coura.
Atravessado o Coura, em cujas águas ainda é possível ver alguns
exemplares de truta fário ou truta comum, peregrinamos em direção a Cossourado,
freguesia de Paredes de Coura, com pausa no Santuário de S. Bento da Porta Aberta, homónimo do santo milagreiro da minha
terra, às portas do Gerês, embora este santo courense não goze da reputação de
atrair mais de dois milhões de peregrinos por ano.
(Num certo maio de 1986 - recordo o ano porque a matrícula era NN-19-86
-, vim aqui na companhia de meu saudoso tio Nel do Paço recuperar o Datsun
1200, vermelho ferrari, jantes especiais, volante de competição, rádio Sharp,
que me havia sido roubado dias antes, em Lisboa. Fora informado pela G.N.R. de
que um carro com as características do meu tinha sido abandonado em S. Bento da
Porta Aberta. Inicialmente, jurei tratar-se de um milagre, que os ladrões,
pesada a consciência, mo haviam trazido a casa, e rumei até Rio Caldo. Porém, o
S. Bento a que o guarda se referia não era aquele, ali mesmo ao lado, mas este,
em Coura. Cá chegados, nem o santo se revelou tão milagreiro como jurei, nem o
carro era da cor do meu: vermelho, sim; ferrari, não!...
Desiludidos, voltamos para Terras de Bouro. O carro viria a aparecer dias
depois em Queluz, sem Sharp, mas impecável. Talvez tenha sido mesmo o São
Bentinho que, perante tão crente devoto, me tenha dado a graça de ter aberta a
porta da sorte!
Não sei se prometi cá voltar, mas se o fiz, só hoje cumpri tal promessa,
a este, que, ao da minha terra, todas as semanas o visito.)
Seguindo o
caminho deste Santuário para diante, num trilho fabuloso entre barrancos e matos, fomos por Fontoura e Cerdal até às muralhas da cidadela de Valença, na qual entramos pelas Portas do Sol (ou Portas de Santiago), selamos a Credencial na belíssima Pousada de S. Teotónio, e saímos pelas Portas da Gaviarra, em direção a Tui.
Valença é a última povoação portuguesa antes de feita a travessia do Minho, província e
rio.
CAPÍTULO VI
DO ATRAVESSAMENTO QUE FIZEMOS DO RIO MINHO, DO QUE
VIMOS EM TUY E NAS TERRAS GALEGAS QUE SE SEGUIRAM, ATÉ PORRIÑO
“A Galiza mais o Minho
São como dois namorados
Que o rio traz separados.”
Com estes versos no pensamento, os únicos que fixei do poeta monçanense João Verde, daqui vizinho, atravessamos
o rio Minho pela faixa lateral da ponte rodo-ferroviária internacional de Valença-Tui, e entramos em terras de
Espanha.
Não
teríamos daqui andado nem meia légua adiante e já éramos chegados ao casco velho da monumental cidade de Tui.
São imensos
os factos da história comum de Tuy com Portucale. Não tem aqui cabimento
enumerá-los, mas recordo que foi nesta cidade que o nosso primeiro Rei, D.
Afonso Henriques, assinou tréguas com o rei de Leão e Castela, pelo Tratado de
Paz de Tui, no qual prometeu obediência ao primo, Afonso VII.
Claro que
não cumpriu!... Enfim, coisa de português… de primeira!...
A Diocese
de Tui, hoje Tui-Vigo, estendia-se, pelo menos até meados do séc. XIV, desde o
limite sul da Arquidiocese de Santiago de Compostela até ao rio Lima, dominando
todas as terras por que hoje passamos, provando que os limites religiosos estão
distantes das fronteiras políticas. Seria curioso o comportamento da igreja de
então junto a este território, submetida politicamente ao rei de Portugal e
religiosamente ao bispado galego!
O centro
histórico de Tui está repleto de construções que demonstram a forte
religiosidade do povo galego. São capelas, igrejas, conventos, cruzeiros,
estátuas de santos, enfim, a omnipresença de elementos religiosos, exemplo
clássico de uma urbanização medieval.
Na parte mais alta da cidade, na coroa do antigo Castellum Tyde, está a Catedral de Santa
Maria de Tui, cujo Pórtico gótico exibe duas representações
católicas clássicas: a adoração dos Reis Magos, na parte superior, e o
nascimento do Menino Jesus, na parte inferior. Além disso, nas colunas laterais
existem oito esculturas: as da esquerda mostram Moisés, Isaías, São Pedro e São
João Batista; as da direita, Salomão, a Rainha de Sabá, Jeremias e Daniel.
Outro monumento de referência obrigatória é a Igreja de São Telmo, santo
dominicano que desta diocese foi Bispo, hoje padroeiro da cidade e dos
navegantes, que aqui perto morreu de peste, no regresso de uma peregrinação a
Santiago, como adiante se saberá, chegados que formos à Ponte das Febres.
E
continuando nossa viagem, depois de cerca de uma hora aqui nos termos deixado ficar, bem providos de mantimento, furamos pelo Túnel do Convento das Clarissas em direção a Porriño.
Vários peregrinos, genuínos peregrinos, que, a pé, partiram
de Braga ou do Porto, um até de Lisboa, impressionam-me pela firmeza do passo, pela
curiosidade da descoberta, pela alegria da partilha, pela glória do esforço!...
Nós
temos de avançar, não posso parar muitas vezes para recolher informações ou
fazer fotografias....
Um pouco mais adiante, retomamos a estrada romana, a Via XIX, que desde Prado nos havia guiado até Ponte de Lima, e que nos haverá de acompanhar em muitos troços, doravante.
Daqui, sem seguirmos a dita, ladeamos a ponte pela esquerda e penetramos num frondoso bosque , até à Ponte de S. Telmo ou Ponte das Febres.
Adiante pouco mais de meia légua daqui, onde é recordado ao “CAMINANTE” que “Aqui
enfermó de muerte San Telmo, en Abril de 1251. Pídele que hable com Dios a
favor tuyo”, encontramos a histórica ponte de Orbenlle, que, cruzada, nos leva a um antigo caminho de terra que sai à esquerda depois das primeiras casas.
Entramos assim no novo “Itinerário de
Peregrinos Orbenlle-O Porriño, polo Espazo Natural das Gândaras de Biduiño e
Rio Louro”, aprovada pelo “Xacobeo da Xunta de Galicia”, uma fantástica
alternativa ao temido e famigerado traçado pelo Polígono Industrial de Porrinho.
Conforme informação do blogue do Caminho Central (Português) a Santiago, “o traçado histórico do caminho Tui-Porriño, correspondia ao actualmente sinalizado no vale do
Louriña, seguindo a margem esquerdo do Louro. Ocorre, porém, que o dito traçado
se encontra sepultado pelo maior polígono industrial da Galiza, uma grande
auto-estrada e a estrada N-550 que, por Atios, leva a rota até Porriño. O que
acontece quando a “história” fica reduzida a uma zona industrial, um pântano,
uma auto-estrada, uma concentração parcelária, ou a uma rede de comboio de alta
velocidade? Que Caminho, que itinerário se pode oferecer aos peregrinos do séc.
XXI? Ora, cada época teve o seu Caminho, e, no Séc. XXI, os peregrinos têm
direito, como os seus antepassados, a ter os seus próprios Caminhos de
Peregrinação.”
As nossas
“muchas gracias”, portanto, às organizações “Xacobeas” que estudaram e
implementaram a nova “ruta”, absolvendo-nos da penitência que a travessia do
Polígono Industrial constituía, sujeitos que estávamos a serpentear por entre
um trânsito intenso de ligeiros e, sobretudo, de pesados camiões.
Por esta nova senda alternativa, cruzámo-nos com um conjunto patrimonial deveras
importante. Pontes, capelas e cruzeiros, muitos cruzeiros, testemunhos
da passagem de peregrinos ao longo de séculos, até Porriño, e, sabendo de
antemão que o albergue de Redondela e seguintes estavam super-lotados,
decidimos pernoitar no muito agradável albergue , onde, não eram dez
horas, já eu me acolhera nos braços de Morfeu.
PARTE III
CAPÍTULO VII
DESTA TERRA DE PORRIÑO E DO MAIS QUE NOUTRAS
TERRAS VIMOS, PASSANDO POR REDONDELA ATÉ PONTEVEDRA
Como peregrinos vigilantes e sempre despertos, mal raia o dia e já estamos aprontados para
dar ao pedal, não sem antes focarmos a câmara nesta escultura do jardim fronteiro ao albergue, na margem direita do Rio Louro.
O caminho leva-nos pelo Pazo de Mos para testar as nossas forças, enfrentando a íngreme Rua dos Cavaleiros.
- Óscar, espera!... É só mais esta foto!...
E lá está ele a desmontar, a meio da subida, para que o momento fique gravado...
E trepamos, trepamos, sem o tirar do selim, até Chan de Pipas!...
Não há subida que, depois, não nos regale com uma descida. E a que se aproxima é não só reconfortante para as pernas, como também para os olhos. Assim recuperamos energias com a idílica panorâmica sobre a Ria de Vigo.
Entro pelo caminho das memórias e oiço o meu grande
mestre P.re Arlindo Cunha, “Ó Senhor ?!...”, e aquele seu timbre tão
característico a dizer-nos as cantigas de amigo galego-portuguesas, esta de Mendinho:
“Sedia-m'eu na ermida de Sam
Simion
e cercaram-me as ondas, que
grandes som!
Eu atendendo meu amigo, eu
atendendo meu amigo!”
E estoutra de Martim
Codax:
“Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo?
e ai Deus, se verrá cedo?”
Estamos já muito perto de Redondela onde chegaremos a meio da manhã. Dirigímo-nos ao albergue para carimbar. Não está ninguém, carimbamos no bar ao sabor de um cafezinho "à português".
Daqui nos partimos atravessando campos e pequenos bosques ao som do arrulho dos pombos torcazes, que são aos bandos por estas bandas, até Arcade.
Atravessamos o Rio Verdugo, em Pontesampaio, testemunha de um dos mais sangrentos confrontos ocorridos quando as tropas francesas se dirigiam para Portugal, comandadas pelo Marechal Ney. Foi tal a ferocidade, que
ainda hoje a população local põe aos cães os nomes dos generais Franceses.
Já vai longa e estimulante para mim esta aventura, fastidiosa para vós esta mal amanhada crónica!...
Ali vão seis sexagenários austríacos, três homens e outras tantas mulheres, a pedalarem a bom ritmo.
Não. Eu, afinal, não sou louco!...
Até Pontevedra cruzámo-nos com centenas de peregrinos a pé ou, como nós, em bicicleta, e, à face do caminho contemplamos cruzeiros, capelas, fontenários... e mais cruzeiros.
Foram os romanos que deram a Pontevedra o seu actual
nome: Pontis Veteris (ponte velha), mas uma lenda conta que a cidade é
várias centenas de anos mais antiga. O herói grego Teukros tinha fundado esta
cidade 1200 anos antes de Cristo, daí o seu nome ter sido atribuído à praça principal desta cidade capital de província galega, a par de Lugo, Ourense e Corunha.
Em frente ao Santuário de La Peregrina, refrescámo-nos um pouco e seguimos as vieiras que por esta cidade nos indicam, de vinte em vinte metros, o Caminho Português.
A Virgem Maria está
representada dentro da igreja como uma peregrina. É ela a patrona da cidade.
CAPÍTULO VIII
DESTA TERRA DE PONTEVEDRA E DO MAIS QUE NOUTRAS TERRAS VIMOS, ATÉ PADRON
Caldas de Reyes está próxima e mais próximo ficará Padron, destino desta tão longa jornada.
Duas simpáticas peregrinas portuguesa saúdam-nos quando passávamos pela Capela de Santa Lucia.
Ultreia et suseia,
Deus adjuva nos!”
Em Caldas de Reyes entramos ladeando a Igreja de Santa Maria e dirigímo-nos ao albergue local para selarmos a Credencial.
Antes de lá chegarmos, transpusemos mais uma ponte medieval de grande beleza: a Ponte do Rio Bermaña.
Esticamos um pouco por aqui as pernas, em tempo não mais que quinze minutos, e... “ala, que se faz tarde!...”
Arribamos por entre campos de cultivo, ao som de melros e pombos, pegas, muitas pegas, e corvos, para Padron.
Passamos junto
à Igreja de Santa Maria de Carracedo e, já com cerca de setenta quilómetros nas pernas só no dia de hoje, ainda pensamos pernoitar no albergue de Valga, um excelente albergue, uma autêntica pousada, mas em local bastante isolado e, como um homem não é só espírito, há também que alimentar o corpo... e o meu que precisa bastante!...
Despedímo-nos da Maria Teresa, a alberguista mais simpática de todo o Caminho, cujo nome, por razões minhas, não esqueci, e rolamos tranquilamente até Pontecesures, para passarmos o Rio Ulla, sabendo que, não havendo qualquer inesperado, chegaríamos a horas e com a energia bastante para degustarmos uns mejillones, um pulpo e, claro está, os famosos pimentos de Padron.
Terá sido por este rio que subiu a barca com o corpo de
Santiago, aportando em Padrón. E Padrón
fica, de facto, em frente de Pontecesures, na margem oposta do rio Ulla.
PARTE IV
CAPÍTULO XIX
DO QUE VIMOS EM PADRON E TERRAS QUE SE SEGUIRAM, E
DAQUELES QUE A NÓS SE JUNTARAM ATÉ COMPOSTELA
Aqui, vimos a Igreja de Santiago de Padron, onde, segundo a lenda, os seus discípulos Atanásio e Teodoro amarraram
a barca que trazia o corpo do Santo Apóstolo desde Jaffa, na Palestina, a uma coluna de pedra,
que se diz ser a mesma que está hoje sob o altar desta Igreja.
E subimos à Igreja do Carmo, cujas vistas sobre Padron nos oferecem uma panorâmica geral da cidade.
De Padron nos partimos, eram
7:30.
E lá vou eu cantarolando esta cantiga interpretada por Adriano Correia de Oliveira com poema de Rosalia de Castro, inscrito no monumento que a foto ilustra:
Este parte, aquele parte
e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
que possam cortar teu pão
Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm
filhos
filhos que não têm pai
Coração
que tens e sofre
longas ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém consolará
Deixamos a cidade dirigindo-nos até à Colegiade de Santa Maria de Iria Flavia, sede episcopal antes da sua transferência para Santiago de Compostela.
Curiosamente, são associados a este local os dois
maiores expoentes das letras galegas - a poetisa Rosália de Castro, aqui
sepultada, e o Nobel Camillo José Cela, aqui nascido junto à basílica. As duas imagens anteriores representam um e outro.
Passada Iria Flavia, percorremos um pitoresco enfiamento de aldeias - Romaris,
Rueiro, Cambelas, Anteportas, Tarrío e Vilar - até chegarmos ao magnífico "Santuário de La Esclavitud".
Batiam as oito badaladas quando por aqui passávamos, o que nos quer dizer que eram sete horas da manhã em Portugal...
Um simpático sacristão recebeu-nos e carimbou, pela penúltima vez, a nossa Credencial de Peregrinos.
Muitos vão a pé. Um, que não tem uma mão, sexagenário, cuja nação não tive oportunidade de saber, vinha, não sei há quantos dias, desde Lisboa!... Ainda o vi em Santiago!... Que louco!... Que extraordinário!...
CAPÍTULO X
DA NOSSA CHEGADA A SANTIAGO E DO QUE FIZEMOS PARA RECEBERMOS A COMPOSTELA, COROLÁRIO DESTA NOSSA PEREGRINAÇÃO
Com muita calma, já num processo de interiorização, lá vamos pedalando, pedalando...
Do Milladoiro, avistamos, vencendo a leve neblina, as Torres da Catedral.
Chegamos à periferia da cidade, e não será a árdua subida da Choupana que nos fará esmorecer. Aliás, não há obstáculo maior que a nossa vontade!...
Estamos a entrar no espaço Jacobeu, pelo Toural (que curioso!), dirigíndo-nos para a Alameda da
Ferradura, onde fica a porta Faxeira, entrada tradicional do Caminho Português
na cidade velha. E, pelo apertado labirinto de
uma malha medieval, chegamos, confesso que com uma no canto do olho, à praça do Obradoiro, em frente à Catedral.
Com um acumulado de 228.510 quilómetros nas pernas (contando as voltas para recebermos o carimbo).
Ocorre-me a primeira vez que vim a Santiago. A foto que se segue, quebrada já pelo tempo, regista os participantes numa excursão a Santiago de Compostela, organizada pelo Padre Faria, pároco de
Moimenta, Terras de Bouro, teria eu aí uns 6 anos. Ainda recordo algumas peripécias dessa
viagem. Fica aqui a saudosa memória daqueles que já cá não estão, principalmente do meu tio Manuel Cracel.
Em frente do mesmo hotel onde, há cinquenta anos, estive...
Hei de cá voltar, nem que seja daqui a outros cinquenta!...
Depois de nos termos dirigido à "Oficina de Acogida al Peregrino" para certificarmos a Credencial com a última chancela e recebermos a Compostela, circundamos o Altar Mor, sobreposto ao Túmulo do Santo Apóstolo, e rezamos a ORAÇÃO DO PEREGRINO:
Apóstolo Santiago,
escolhido entre os melhores,
Tu foste o primeiro a beber o cálice do Senhor,
e és um grande protetor dos peregrinos.
Faz-nos fortes na Fé
e alegres na Esperança,
neste nosso caminhar de peregrinos
seguindo o caminho da vida cristã,
e alenta-nos para que, no final,
alcancemos a Glória de Deus Pai.
Amén
OBS: A próxima, se Deus quiser, será a pé pelo troço final do "Caminho Francês", entre Sarria e Santiago.
Começarei brevemente os preparativos...