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quarta-feira, 17 de julho de 2024

Mais Solitários do que Supomos

 

                                              Foto: google


Mais Solitários do que Supomos

À força de estarmos conectados, numa disponibilidade indistinta e sem horário, acabamos por nos desconectar das pessoas a quem mais queremos. O resultado é este: ficamos mais próximos dos desconhecidos e mais desconhecidos dos que nos são próximos. São muitas as atitudes que podemos tomar para diminuir saudavelmente o nosso grau de hiperconexão à net, reconquistando espaços de qualidade, de reflexão, de governo de si, de partilha com os outros ou de necessário repouso.
A primeira atitude, porém, é afirmar o direito a desconectar-se. Só isso fará recuar a síndrome da «hiperconectividade» que nos condiciona a todos, indiferentemente de idades e contextos: mensagem chama mensagem, e com uma urgência que se sobrepõe a tudo; os pais atendem mais vezes o telemóvel do que aos filhos pequenos que vivem com eles; os amigos não conseguem dizer uns aos outros «gosto muito de ti, mas não vou responder a todos os teus whatsapp»; os namorados não sabem amar-se sem a mediação das redes sociais; gasta-se um tempo precioso a responder, replicar, retorquir tontices por monossílabos, alimentando a ilusão de que diante de um ecrã nunca se está sozinho. Mas aí estamos solitários mais vezes do que supomos.

José Tolentino Mendonça, in 'O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas'


sexta-feira, 28 de junho de 2024

Vivemos quase sempre fora de nós mesmos


                                              Foto: Google


Vivemos quase sempre fora de nós mesmos, e a vida é uma contínua dispersão.

Mas é para nós que tendemos, como para um centro em torno do qual, como planetas, traçamos eclipses absurdas e distantes.

 

Fernando Pessoa – Livro do Desassossego


segunda-feira, 17 de junho de 2024

O poema me levará no tempo


                                              Foto: Google


O poema me levará no tempo

Quando eu já não for eu

E passarei sozinha

Entre as mãos de quem lê

 

O poema alguém o dirá

Às searas

 

Sua passagem se confundirá

Com o rumor do mar com o passar do vento

 

O poema habitará

O espaço mais concreto e mais atento

 

No ar claro nas tardes transparentes

Suas sílabas redondas

 

(Ó antigas ó longas

Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará

Uma praia onde quebrar as suas ondas

 

E entre quatro paredes densas

De funda e devorada solidão

Alguém seu próprio ser confundirá

Com o poema no tempo

 

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto


domingo, 2 de junho de 2024

Aos jacarandás de Lisboa

                                              Foto: Google



 

Aos jacarandás de Lisboa

São eles que anunciam o verão.

Não sei doutra glória, doutro

paraíso: à sua entrada os jacarandás

estão em flor, um de cada lado.

E um sorriso, tranquila morada,

à minha espera.

O espaço a toda a roda

multiplica os seus espelhos, abre

varandas para o mar.

É como nos sonhos mais pueris:

posso voar quase rente

às nuvens altas — irmão dos pássaros —,

perder-me no ar.

 

- Eugénio de Andrade, do livro "Os sulcos da sede (2001)"/em "Poesia". [Posfácio de Arnaldo Saraiva]. 2ª ed., revista e acrescentada Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2005, p. 582.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

É tão fundo o silêncio…


Foto: Google



 

É tão fundo o silêncio…

É tão fundo o silêncio entre as estrelas.

Nem o som da palavra se propaga,

Nem o canto das aves milagrosas.

Mas lá, entre as estrelas, onde somos

Um astro recriado, é que se ouve

O íntimo rumor que abre as rosas.


– José Saramago, em “Provavelmente alegria”. Lisboa: Editorial Caminho, 1985.

sábado, 4 de maio de 2024

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Esta é a madrugada que eu esperava



Fotos: google


Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas, 1974