sexta-feira, 13 de março de 2015
Qualquer caminho leva a toda a parte
Foto: Google
Qualquer caminho leva a toda a parte.
Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
de ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito,
tudo é estático e morto. Só a ilusão
tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há estrada senão na sensação
é só através de nós que caminhamos.
Tenhamos pra nós mesmos a verdade
de aceitar a ilusão como real
sem dar crédito à sua realidade.
E, eternos viajantes, sem ideal
salvo nunca parar, dentro de nós,
consigamos a viagem sempre nada
outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e estrada.
Que importa que a verdade da nossa alma
seja ainda mentira, e nada seja
a sensação, e essa certeza calma
de nada haver, em nós ou fora, seja
inutilmente a nossa consciência?
Faça-se a absurda viagem sem razão.
Porque a única verdade é a consciência
e a consciência é ainda uma ilusão.
E se há nisto um segredo e uma verdade
os deuses ou destinos que a demonstrem
do outro lado da realidade,
ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem.
O caminho é de âmbito maior.
Que a aparência visível do que está fora,
excede de todos nós o exterior
não para como as coisas, nem tem hora.
Ciência? Consciência? Pó que a estrada deixa
e é a própria estrada, sem a estrada ser.
É absurda a oração, absurda a queixa.
resignar(-se) é tão falso como ter.
Coexistir? Com quem, se estamos sós?
Quem sabe? Sabe [...] que são?
Quantos cabemos dentro em nós?
Ir é ser. Não parar é ter razão.
11-10-1919
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990.
- 95.
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