Quantas vezes me ocorrem episódios que compartilhei contigo, ou outros que, embora os não tenha vivenciado, me foram relatados e por mim guardados com se guardam os objetos que nos transportam a memórias muito queridas…Este meu amor por histórias, a ti o devo…Como ninguém, tu foste uma contadora fabulosa, quer das histórias do “ Bocais”, como tu dizias, quer das histórias tradicionais, quer ainda de pessoas com as quais te cruzaste na vida. Mas, contadas por ti, estas histórias ganhavam uma vida, um fôlego, um cheiro, como em mais nenhuma outra voz…Eras uma humorista de mão cheia, e adoravas uma conversa brejeira…
Adoro lembrar-me das palavras que, no próprio dia em que morreste, proferiste para uma das várias vizinhas com quem durante anos e anos conviveste à soleira da porta, desfrutando das tardes de soalheiro. A mulher, quase tão entrada na idade como tu, ter-se-á queixado de uma indisposição na zona da barriga.
O teu comentário, risonho e insinuante, não se fez esperar:
— Estarás grávida!
A gargalhada foi geral. Elas, as vizinhas, ali estavam, fazendo-te companhia, uma vez que, adoentada, estavas de cama e não podias ir à rua.
A morte estava já à tua espera, no quarto, aguardando a altura propícia para te levar com ela. Depois dos ânimos se terem acalmado, pediste à tua irmã, e minha avó, que te chegasse um beirito de água. A minha avó acercou-se do cântaro, deixou escorrer para a caneca de esmalte um fio fresco daquele líquido de vida. Ajudou-te a soergueres-te da cama. Lambeste os beiços, e, quando a tua cabeça poisou na almofada, já havias partido. Aquele líquido que tu absorveste com tanto prazer, enquanto a vida te era tomada, serviu, certamente, para encetares a viagem, pronta para começares a contar as tuas histórias onde quer que tenhas chegado. Tinha treze anos quando partiste. Soube da tua morte à hora do almoço, depois de chegar do liceu. Primeiro fui assaltada por um sentimento de perda profundo. Quando me contaram a maneira como partiste, sorri. E tenho a certeza que quiseste deixar esta vida, da mesma maneira como a levaste a maior parte dos dias: sorrindo. Sorrindo à morte, tal como soubeste sempre sorrir à vida, apesar das partidas, algumas bem visíveis e dolorosas, que ela te pregou.
Acabei de visitar o seu espaço e, confesso, encantado com o que me foi dado ler.
ResponderEliminarAs suas historias, vividas ou não, tem um encanto muito especial pelo forma simples e clara como nos descreve os factos, as imaginações e toda a poesia que as envolve.
Feliz acaso que a levou ao meu Blogue.
Viu voltar sempre.
Agredeço as suas palavras, Manuel! Para mim foi também um momento de prazer poder partilhar das suas histórias. Esteja certo que serei também visitante assídua do seu canto.
ResponderEliminarGostei muito de ler este texto, na verdade, até me emocionei. Vou adicionar o endereço do blogue aos meus favoritos, para ir lendo os textos mais antigos. Convido-a a passar pelo meu.
ResponderEliminarObrigada, Diamantino!
ResponderEliminarPassei pelo seu espaço, e confesso que gostei do que li. Vou voltar.
Sinto-me orgulhosa de ti, mana ...e quiçá, inspirada para me lançar nas minhas escritas...bjs c muitas saudades
ResponderEliminarObrigada, mana!Sabes perfeitamente que te tenho estimulado a isso! Estás num local privilegiado, onde não faltará, certamente, motivo de inspiração!
ResponderEliminar