Saudade!,
gosto amargo de infelizes,
Delicioso
pungir de acerbo espinho,
Que
me estás repassando o íntimo peito
Com
dor que os seios d'alma dilacera,
—
Mas dor que tem prazeres — Saudade!
Misterioso
nume, que aviventas
Corações
que estalaram, e gotejam
Não
já sangue de vida, mas delgado
Soro
de estanques lágrimas — Saudade!
Mavioso
nome que tão meigo soas
Nos
lusitanos lábios, não sabido
Das
orgulhosas bocas dos Sicambros
Destas
alheias terras. — Oh Saudade!
Mágico
nume que transportas a alma
Do
amigo ausente ao solitário amigo,
Do
vago amante à amada inconsolável,
E
até ao triste, ao infeliz proscrito
—
Dos entes o misérrimo na Terra —
Ao
regaço da pátria em sonhos levas,
—
Sonhos que são mais doces do que amargo,
Cruel
é o despertar! — Celeste nume,
Se
já teus dons cantei e os teus rigores
Em
sentidas endechas, se piedoso
Em
teus altares húmidos de pranto
Depus
o coração que inda arquejava
Quando
o arranquei do peito malsofrido
À
foz do Tejo — ao Tejo, ó deusa, ao Tejo
Me
leva o pensamento que esvoaça
Tímido
e acobardado entre os olmedos
Que
as pobres águas deste Sena regam,
Do
outrora ovante Sena. Vem, no carro
Que
pardas rolas gemedoras tiram,
A
alma buscar-me que por ti suspira.
Almeida
Garrett "Camões"