A Metáfora I
À beira daquele lago, que na verdade era um rio, Lurmesh repousava. Os ramos de salgueiro formavam uma espécie de cortina verde, que agitada pelo vento filtrava o verde em mil tons. Era música o que via se lhe acrescentasse o saltar de infinitos gafanhotos, o rápido vibrar das asas de pequenas moscas e de quando em quando o saltar dum peixe dentro da linha do seu olhar. Aquele mundo aparentemente tão quieto vibrava vigorosamente. Salto de rã, voo de garça.
Um dia senti alguém tocar-me, senti como se fosse uma pedra na mão de um gigante.
A vista de Lurmesh perdia-se na superfície do lago e flutuava lado a lado com algumas memórias que lhe surgiam ali aparentemente sem razão.
O gigante lançava-o nas memórias e assim ia saltando de passado em passado, cada vez que tocava a superfície.
Nas nuvens deambulava um rebanho de antiquíssimas criaturas pastando o azul. Nos dentes asas de avião misturadas com sol.
Esperava pela Metáfora quando uma voz se ouviu nas suas costas:
-Creio que há aqui um abuso da metáfora, consigo adivinhar no teu sossego, na tua preguiça, esse abuso!
-Não és o primeiro a dizê-lo. - Respondeu virando-se para a voz.
Lurmesh olhava com espanto aquele senhor. Porque falaria de Metáfora? Que abusos seriam esses de que falava? O homem, alto e magro, parecia-lhe uma árvore e não deixou de sorrir ao pensá-lo. “ Uma árvore velha, um Inverno no Verão.”
-Venho aqui para o impedir de voltar à metáfora. A metáfora caiu em desuso…
-Nas margens deste lago, longe dos usos e desusos, a metáfora tem o seu lugar.
Uma garça branca poisava num dos ramos do chorão. Parecia-se com um leve saco de algodão escapado dum estojo de primeiros socorros.