Por onde passo ouço desejos.
Ou está tudo grávido de algo estranho, ou sou eu o estranho que não entende tanto sentimento desiderativo.
Os que tudo têm desejaram prendas, pela celebração do nascimento de Cristo, os outros desejaram que não lhes desejassem nada de pior. E vêm estes dias em que se deseja um "bom ano", e lá se empurram mais umas passas e lá se esquematiza outro punhado de desejos.
Ainda bem que me atafulho do que a mão consegue alcançar, tento entupir as ideias e calar a boca para que me saia apenas o mínimo indispensável de hipocrisias.
Pois não desejo eu afinal tudo de bom para todos durante todos os dias do ano? Não saberá quem me conhece que nada de mal consigo desejar em todos os dias que restam? O que tornará afinal estes dias mais sinceros que os outros? Que necessidade tenho de enviar votos do que quer que seja? Ainda se durante o resto do ano vos tivesse odiado, invejado, estigmatizado, ofendido; bem, ofendido talvez, mas não foi com intenção deliberada, talvez em autodefesa, ou porque me distraí...
Passarei, à laia de promessa, a desconfiar de quem me deseje coisas boas por esta altura; ter-me-ão sem dúvida desejado o pior em todas as outras.
Não foi a natureza quem pensou na divisão dos anos. Podiam dividir-se noutro dia qualquer que o resultado seria o mesmo. Reitero hoje como amanhã um desejo, este à laia de moda, vício da época, embora o deseje todos os dias:
Que este tenha sido o pior dia do resto das vossas vidas. E o "tenha sido" justifica-se pelo facto de que nada do que foi mau poderei alterar, que se pudesse... Talvez começasse por alterar a forma como celebramos estas passagens. Atribuiria a cada meu semelhante vivente uma medalha por cada período decorrido, essas insígnias trariam consigo a capacidade de nos recordar de um valor antigo, o respeito pelos anciãos. Talvez nos impedissem de seguirmos a moda consumista, talvez evitasse que os fossemos jogando fora aos poucos, com cada cabelo branco que lhes surge de novo, ou cada ruga que se lhes aprofunda na face. E no entanto, tantas vezes, são eles os primeiros a cumprir tradições e a encher-nos ainda a mesa, na ceia de Natal, e a ter desejos positivos para o nosso futuro, tantas vezes com a ingenuidade das crianças, e nós crianças tontas nem os ensinamentos deles seguimos; talvez porque não nos pesem muitas medalhas ainda, mas menos pesarão futuramente por mérito.
Mas somos bons nestas alturas, tão bons que o céu chora, tão bons que mesmo que ele não chorasse acharíamos que o mereceríamos, simplesmente porque proferimos alguns desejos como se babássemos por um manjar raro; que ridículos nos tornamos...
Que este tenha sido o pior dos vossos dias, esse é o voto que faço a cada renovação de um sol pelo outro, porque se este tiver sido o pior dos vossos, todos os meus no futuro não serão também tão maus assim.
E amanhã... Amanhã tentarei retomar a minha vida, sem promessas nem desejos.
© CybeRider - 2009