Entrevista concedida à revista "Portugal Mag", nº 21, outubro de 2011
Que posição tem a França tomado, no que respeita à crise em que se encontra o nosso país ?
Como é sabido, a França tem estado, juntamente com a Alemanha, no centro das propostas de decisão que, ao nível europeu, têm vindo a ser sugeridas para tentar ultrapassar a presente crise – que, como se sabe, esta é uma crise à escala internacional, nomeadamente europeia, e não apenas uma crise portuguesa. No que respeita especificamente ao nosso caso, posso afirmar que a França tem mantido uma grande solidariedade com os esforços que Portugal tem vindo a fazer, no sentido da recuperação do equilíbrio das suas contas públicas. Ainda há dias, durante a visita a Paris do Primeiro Ministro, Dr. Pedro Passos Coelho, quer o Presidente Nicolas Sarkozy, quer o Primeiro Ministro François Fillon, sublinharam o seu apreço pelo trabalho que Portugal está a desenvolver, no plano interno, para encontrar formas de ultrapassar os problemas que afectam a sua economia e as suas finanças. Temos sempre podido contar com a compreensão da França e, estamos certos, essa atitude de simpatia vai manter-se no futuro. Ela insere-se, aliás, no quadro da grande proximidade que os dois países mantêm entre si.
Nessa recuperação que Portugal procura fazer, nos dias que correm, que tipo de assistência está a ter pela parte das instituições internacionais?
Há alguns meses, Portugal fez um acordo com a FMI, com o Banco Central Europeu e com a Comissão Europeia. Esse acordo destinava-se a aliviar as necessidades de financiamento do país, num momento excepcional de crise. Através desse acordo, o nosso país teve acesso empréstimos com taxas de juro mais favoráveis do que aquelas que o mercado internacional de capitais nos proporcionava. Não se tratou de nenhuma dádiva, tratou-se simplesmente de um empréstimo, com datas de reembolso bem previstas. Em contrapartida, o nosso país comprometeu-se a levar a cabo um conjunto de reformas, quer na nossa economia, quer em áreas que têm directa incidência no funcionamento do nosso sistema económico-financeiro. Isso inclui mudanças no sistema judicial, nas leis de trabalho, na forma de gestão das empresas públicas e em muitas outras áreas da actividade do Estado que podem ter contribuído para as dificuldades com que nos defrontamos. O objectivo é tornar mais saudável o funcionamento da nossa economia, procurando que Portugal se converta num país mais competitivo e atractivo para o investimento estrangeiro, por forma a que a nossa economia possa ganhar competitividade e crescer. A aplicação dessas medidas será, para o nosso país, um período complexo, com custos sociais fortes, mas que tem como objectivo, a prazo, criar um Portugal mais rico e mais próspero.
Como é que a Embaixada acompanha esta problemática?
A Embaixada tem como obrigação manter uma estreita articulação com o Governo francês, com vista a dar conta da evolução do trabalho que desenvolvemos, para além de lhe competir, no diálogo com a sociedade e a imprensa francesa, esclarecer o sentido e os objectivos das medidas que são tomadas em Portugal.
Vamos falar um pouco de emigração. Como é que o Sr. Embaixador vê a evolução da comunidade, em especial nos novos dos emigrantes portugueses que procuram a França, à procura de um futuro melhor?
Infelizmente, estamos a assistir àquilo que parece ser uma nova vaga de emigração portuguesa, que é um produto das dificuldades que Portugal atravessa internamente no seu sector económico, com o aumento do desemprego e o encerramento de empresas. Como se sabe, Portugal é um país de onde, desde há muito, partiram, ciclicamente, vagas de emigração, sempre que a fragilidade da sua economia se fez sentir de forma mais acentuada. Nunca é uma boa notícia os portugueses terem de emigrar. Pelo contrário, quando isso acontece, é sinal que a sociedade portuguesa não é capaz de dar oportunidade aos seus filhos e que os obriga a sair do pais para encontrarem soluções para o seu futuro. Esta é a sina de um país que é pobre de recursos e que, até hoje, não pôde ou não soube encontrar o caminho para uma prosperidade sustentada. Ainda não temos dados muito concretos e quantificados sobre estes novos fluxos migratórios, mas há a ideia que a Europa é, manifestamente, um dos destinos desta nova emigração mais procurados. Verificamos também que, em certo tipo de profissões, há fluxos migratórios recentes para Angola, Brasil e Estados Unidos. Mas a Europa, até pela facilidade de movimentação dos cidadãos, continua a ser o destino mais fácil. E a França, como é óbvio, é um desses países. Esta nova imigração tem algumas características diferentes daquela a que se assistia, nos anos 60 e 70 do século passado. Em muitos casos, estamos perante pessoas já com melhor qualificação académica e profissional, que muitas vezes se deslocam, desde o início, acompanhados das famílias e que, muito mais do que no passado, mudam com frequência de local de trabalho, em busca rápida de uma melhoria de vida. Os nossos consulados em França têm instruções para estarem atentos a esta nova vaga migratória, para procurarmos ser úteis a esses cidadãos e dar-lhes, por parte do Estado, todo o auxílio que for possível.
Nesse sentido, o que é que está a ser feito para ajudar esses novos imigrantes a enfrentar os seus problemas, a trabalho, alojamento e ensino para os seus filhos?
Como se compreenderá, não nos compete tomar iniciativas de enquadramento sócio-profissional desses novos imigrantes, que vêm a título individual e cuja movimentação pessoal desconhecemos por completo. Porém, a partir do momento em que essas pessoas se fixam, logo que se inscrevem nos consulados, passam a poder dispor de uma maior protecção nacional, para além daquela que lhes advém pelo facto de serem cidadãos da União Europeia. Estimulamos, por isso, que essas pessoas façam a sua inscrição consular. Quanto ao ensino das crianças portuguesas, e para além daquilo que o Estado francês já proporciona, Portugal contribui, desde há muitos anos, com um largo contingente de professores, destacados em França, para o ensino da língua portuguesa. Neste momento são cerca de 130 profissionais pagos pelo Governo português, um pouco por toda a França. Pode-se argumentar que talvez essa malha de ensino esteja aquém do que seria necessário, mas, atendendo às nossas limitações orçamentais, creio que esse é já um esforço muito significativo.
Ainda no que respeita ao ensino, como está a decorrer a passagem do ensino do português no estrangeiro para a responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Houve alterações significativas nesta área?
Não me parece. Houve apenas uma mudança de tutela. Aquilo que antes era feito pelo Ministério da Educação passou a ser feito pelo Instituto Camões, que pertence ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas nada se alterou no perfil de funcionamento do ensino do português no estrangeiro. Esperamos que, a prazo, essa mudança possa ter efeito benéficos, quer para o ensino, quer para o trabalho dos profissionais nele envolvidos.
Como está actualmente o Instituto Camões? Temos visto poucas iniciativas da sua parte. Ao que se deve esta situação?
Não me parece que haja poucas iniciativas, o que pode é haver alguma menor visibilidade naquilo que o Instituto faz em França. O Instituto Camões apoia muitas acções culturais, ligadas a Portugal e à cultura portuguesa, que têm lugar por toda a França, organizadas por entidades francesas ou com ligações a Portugal: ciclos de cinema ou teatro, exposições, seminários e palestras, edição de livros, espectáculos musicais, etc. O Instituto mantém igualmente uma forte ligação às universidades onde se trabalha em temas de cultura portuguesa, promovendo e apoiando muitas das suas iniciativas, financiando cátedras, mantendo leitorados, etc. Além disso, aqui em Paris, o Centro Cultural que o Instituto Camões tem na rue Raffet, perto da Porte d’Auteuil, ministra cursos de português para adultos que têm uma grande procura. E, por exemplo, ainda recentemente levámos a cabo, na Embaixada em Paris, mais um concerto musical, de uma série que temos vindo a manter, com alguma regularidade, para a apresentação de artistas portugueses. Gostaríamos de poder fazer mais coisas, claro, mas os meios financeiros disponíveis são limitados.
Na área cultural existe também a acção das nossas associações. Como é que vê a vida associativa em França e que papel pensa que ela pode ter para a imagem da nossa cultura?
As associações portuguesas existentes em França têm um papel insubstituível e Portugal tem, para com elas, uma imensa dívida de gratidão. Graças a elas, e ao longo de muitos anos, foi possível proporcionar aos cidadãos portugueses espaços de convívio e ligação, fazendo subsistir na memória colectiva as expressões culturais do nosso país. Se os portugueses são, em geral, muito propensos a manter uma ligação afectiva ao seu país, a verdade é que foram e são as associações quem estruturou essa sua vocação e lhes deu expressão colectiva. Muitas associações, com escassez de meios mas com uma inquebrantável boa vontade, conseguem ter programas culturais muito ricos, que vão desde o ensino do português às manifestações musicais, do cultivo do folclore à promoção de actividades artísticas. Só podemos esperar que o movimento associativo português em França saiba ligar-se melhor entre si, sem rivalidades ou divisões, por forma a melhor afirmar a sua força. A Embaixada e os consulados portugueses terão sempre a melhor boa-vontade e disponibilidade para colaborarem com o movimento associativo dos portugueses em França. E, voltando àquilo de que falámos há pouco, contamos muito com as associações para ajudarem à integração dos novos migrantes que se deslocam para França.
Há dias, teve lugar na Embaixada uma cerimónia da Confraria dos Vinhos Transmontanos. Porque razão decidiu apoiar essa iniciativa?
Porque houve um pedido por parte da Confraria dos Vinhos Transmontanos para poderem organizar aqui uma promoção dos seus produtos regionais. Noto que, além do vinho, foram mostrados outros produtos alimentares portugueses, tendo podido contar com a presença de importadores de produtos portugueses, de proprietários de restaurantes e de outras figuras que podem ajudar a potenciar o comércio em França desses mesmo produtos. Mas esta não foi a primeira iniciativa do género. Já por cá tivemos acções promocionais do Alentejo, de Lisboa, do Douro, dos Açores. Outras haverá, no futuro, como uma sobre o Minho e, muito proximamente, uma outra ligada ao Porto. A Embaixada está aberta a ser utilizada para a promoção de todas as regiões portuguesas. Estimulo que nos procurem.
O Senhor Embaixador deseja deixar alguma mensagem para a nossa comunidade e, em particular, para os leitores da Portugal Magazine?
Apenas uma mensagem simples. Dizer-lhes que Portugal atravessa um tempo de grande exigência, por virtude da sua situação económica, num mundo que está, ele próprio, a atravessar um momento complexo. Estamos a viver um período que exige de nós um grande rigor, um grande controlo no modo como são gastos os dinheiros públicos. É uma crise face à qual se exige de todos os portugueses serenidade, coragem e um grande sentido patriótico. Esperamos poder sair dela, daqui a uns tempos, com um país mais moderno, mais atractivo para o investimento, onde os portugueses se possam sentir felizes e realizados. Até lá, todos temos de ajudar, de incentivar a exportação dos nossos produtos, de incrementar a ida de turistas, de captar novos investimentos. Portugal merece o esforço de todos, porque continua a ser uma terra de oportunidades, onde vale a pena investir, criar riqueza, adquirir propriedades. Os portugueses que vivem no exterior, que sempre deram mostras de grande patriotismo, devem também ajudar a este esforço, como sempre fizeram no passado. Somos um país com quase 900 anos, uma das mais antigas nações do mundo, já passámos por crises bem piores do que esta. Essencialmente, o que gostava de deixar aos leitores do Portugal Magazine é a ideia de que continua a valer a pena acreditar em Portugal.