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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Memórias esotéricas 5


Egon Schiele. Seu erotismo era apenas um sinônimo para ver o mundo com alegria. Na minha fase da mais aguda magreza, gostava de me sentar com o Pretinho no colo. Demoradamente minhas mãos ao longo de seu dorso faziam com que ele e eu ficássemos arrepiados. Meus olhos sempre manchados de tinta escura, o peito desnudo. Era capaz de ficar assim dias inteiros, buscando a pose adequada, sentindo a cauda entre as pernas, quente, quente.

O chapéu do início do século, que conseguira num brechó, deixava-me com ares de pequena puta – eu, moça de 25 anos, sabedora ainda dos poucos mistérios da vida. Com o Pretinho aprendi certas safadezas, principalmente nas artes a que ainda não tivera acesso e que me faria um ser completo, como usar os seios, quando o desejo de me despir se fazia necessário e urgente.

Usei muito os seios e as mãos em mim, nas mulheres e homens com que trepei. Para se aprender uma arte é importante praticá-la. Se não me engano foi o nosso poeta João Cabral quem disse sobre outro pintor –

Miró sentia a mão direita
demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.

Quis então que desaprendesse
o muito que aprendera,
a fim de reencontrar
a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-se
a desenhar com esta
até que, se operando,
no braço direito ele a enxerta.

A esquerda (se não se é canhoto)
é mão sem habilidade:
reaprende a cada linha,
cada instante, a recomeçar-se.

A experiência de Miró e as poses de Egon me fizeram aprender a usar o corpo para o prazer. Era ainda jovem, e o caminho que escolhera para vida me permitia algumas ousadias a que se chega apenas pelo entendimento sobre as artes. Tudo para que os bobocas e as bobocas ficassem de quatro por mim, sem saberem que o guizo lhes punha eu.


(Jurema Silva)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Memórias esotéricas 4


Fui moça do balacobaco. Os babacas me seguiam na rua com os olhos, um chiste aqui outro acolá me fazia sorrir, principalmente se acompanhada de alguém. Usava vestidos bem curtinhos, as pernas à mostra, feliz de provocar e poder escolher. Muitas vezes andava sem calcinha, fazia pose para que me vissem. Meu corpo dispunha de todas as artes liberais – era uma enciclopédia do sexo e gostava disso.

Comprei um Karmanguia vermelho conversível e deixava os cabelos – que os usava ondulados e soltos – ao vento. Ao chegar em Copacabana, recostava-me em seu para-lama e fazia cara de quem não quer nada e pode tudo, uma perna decaída para o chão a outra recolhida, abraçada por minhas mãos de unhas longas e vermelhas. Era moda fazer-se de pin up. Muitas tinham vergonha o que era uma vantagem a mais no combate feroz pela alegria.

A vida para mim sempre foi conduzida por essa busca; ainda agora neste exílio do mundo, busco reavivar as boas lembranças, afinal cri nelas e posso fazer com que as mocinhas de agora saibam que o importante na vida não é correr feito loucas atrás da tão maldita segurança – seja através do casamento ou do trabalho. Já dizia o Aretino, escritor libertino do século XVI, que a profissão mais atraente para uma mulher aceder ao poder é de cortesã.

(Jurema Silva)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Memórias esotéricas 3


Estava sentada na cama, velha pelancuda e nua em um quarto pequeno e pobre. Olhava para o nada, concentrada na memória que não estava ali. Fazia frio e o aquecedor velho chiava. O calor soltava pequenos fragmentos de brasa, mas meu peito estava ressequido, meu colo depunha camadas de colares naturais, como cascatas de pérolas sujas.

A pensão, como um retrato deste tempo que já não é o meu, estava vazia e silenciosa. Velhos como eu habitavam seus quartos e pouco saíam de suas camas. Os estudantes estudavam, os motoristas dirigiam seus carros, os condutores conduziam, trabalhadores trabalhavam e os relógios marcavam o tempo zero e nunca repetiam as cinco horas do chá nem deliquesciam as horas dúbias de dali.

Havia pressa e ninguém mais fazia do sexo sua arma fatal contra a hipocrisia das famílias, todos trepam mulheres homens gays em comunhão com o santo cristo e a família eclesiástica dos inventores da morte e do casamento de que pretendem herdar com a segurança dos que se pretendem eternos.

Estar sentada aqui nua, coma s pelancas fazendo-me as vezes de colar pode ser considerado um ato de resistência contra o mundo.

(jurema silva)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Memórias esotéricas 2

Aprendi a ser puta com balthus. Imitava, quando menina, as poses mais ousadas das putinhas das imagens que conseguia ver nas livrarias, nas reproduções com que topava, iludi muito, graciosamente. Fiquei ligada a vida toda a essas duas predições do paraíso. as mulheres mais velhas, senhoras, me odiavam. Viravam o rosto e diziam por entre dentes, para que eu as ouvisse, putinha. Quanto mais diziam, mais o gestual se aguçava como num quadro de varett – o das putas insólitas. Aliás, varett foi o último dos pintores com quem me familiarizei, já velha, mas nele me vi quando e quanto eu fui. Ser puta tinha a vantagem de mandar a puta que os pariu os poderes todos.
Já minha primeira trepada foi uma provocação – de que tirei mais prazer do que a foda em si mesma – trepei não por tesão, mas para exemplar os babacas que me cercavam. Queria convencer meus amigos que fossem para a rua em força e fizessem cair este regime de gordos e os expulsasse das estruturas do poder. Foi mais um ato político que me adiantou os desejos que sempre busquei ter nas imitações fáusticas da putaria. Levei um tabefe na cara, fui expulsa de casa – mas não vaguei como uma vadia pelas ruas – o babaca com que trepei me levou para sua casa, pensava em me comer de novo, mas não dei para ele nunca mais. Tiozinho escroto, o sujeito.

(Jurema Silva – Memórias Esotéricas)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

memorias esotéricas 1

determinados momentos fazem com que a gente se sinta mais desprotegida ou mais leve, inconclusa. Algo que mexe cá dentro nos torna mais solitárias, menos afeitas a aventuras. Os dias bonitos, o cheiro de novembro no ar ou uma dor de barriga tão insuportável que parece que vamos nos esvair em merda. Ou um telefonema. Qualquer espinha que aconteça – se você estiver atenta, pode ser mais uma juventude provecta que teima em não ir embora, mas pode também ser uma sordidez, aviso ou telegrama – tanto faz. Um buço não cairia mal nestes momentos, enfearia a cara e me faria ridícula como a monalisa de duchamp ou o bigodinho do trovador de miró.
estou aqui presa a meus livros e a algumas fotografias eróticas que não me servem de nada. O quarto é exíguo e sento-me nua na cama – há um colar de rugas em torno de meu pescoço, quase imperceptíveis. Uma lareira arde bem atrás de mim. Faz frio e eu aqui com num quadro de eduard munch. pentelho branco desponta sorrateiro em meu púbis. Se eu cortasse algumas palavras e escrevesse ou pensasse pen 1 te 2 lho 3 bran 4 co 5 des 6 pon 7 taem 8 meu 9 pú 10 bis teria inventado um decassílabo que também não serviria para nada, talvez para um soneto tardio e límpido como as manhãs de primavera – um soneto em que o eu lírico – que não sou eu – jurema silva – mas a juju do balacobaco – insistissem em sua vida de mulher airosa – de puta mesmo.

(Jurema Silva – Memórias Esotéricas)