quarta-feira, 30 de junho de 2010

"Crônica da Copa: Casos que Adamastor Contou Futuros"

VII
AO FIM E AO CABO CIDADE AVISTADA*
Castro Alves del Brasil, tú para quién cantaste?
Canto General, NERUDA


Terras de Espanha 1 x Areias de Portugal 0
No seio de África, lusitana condição em batalha selada.

Irmãos de costas um para o outro revoltados.
E contra a Pátria Mãe o filho em campo já se vira.

Com o sangue próprio da intestina guerra
o monstro horrendo o enigma da origem

traumática do Nome ao Pai devolvia.
Nem o Vasco da Gama tal partida sonhara.

O Condoreiro remenda a bandeira dos mares seus
escravos. Andrada levanta o pendão da vitória.

(Colombo entra de Cristo na História)
Luis M, o moço, o que dirá?

* Rio de Janeiro, 28 de junho de 2010: Brasil 3 x Chile 0
(Jorge Fernandes da Silveira)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

O livro não é de hoje, mas só li agora. Os fatos não são de há muito tempo. Melhor que os fatos, que se deram em 1987, é o que se lê narrado na elegia de um narrador por uma tal Cláudia que já se foi. A estória é dedicada a ela na forma de estrela no céu, “lá em cima sobre o Saara”, Argélia abaixo, descaminhos afora, o deserto visitado em caravana de jipes e motas. Quem conta o faz porque sente muito, muito, muito a falta dela. E diz assim. Porque sinto a sua falta, muitas vezes.

A elegia em prosa procura seu lugar no mundo autochamado de quase romance, com a ambiguidade do vivenciado e narrado, ora impresso diante do leitor que toma o rumo do fim e do regresso. A suspensão da importância do desfecho dá-se nas primeiras páginas, quando se sabe desde logo que Cláudia já morreu, como a Madalena de Paulo Honório, que se mata. Cláudia, porém não se sabe. Por que diabos morreu?

Uma foto de Cláudia com a inscrição “Sahara, 1987” motiva a escrita que se vai ler e encerra o assunto que deixa no leitor o sabor de poesia lírica sobre o que foi triste, belo e findo.

Cláudio Correia Leitão
Rio de Janeiro, junho de 2010

sábado, 26 de junho de 2010

"o que somos e como realizamos isto que somos?
Octavio Paz em "Labirintos da Solidão"

DEPOIS DA PARTIDA

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

(Jorge Fernandes da Silveira - apud Luiz de Camões)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

DURBAN REVISITED

E se Pessoa em Durban
amanhã
voltar
à partida
minha pátria é a língua portuguesa?

(Jorge Fernandes da Silveira)

terça-feira, 22 de junho de 2010

para Cristiano Ronaldo

a bola e o homem

a bola se deu
confiante
a quem sabia
que podia se dar


(elesbão ribeiro)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Trecho de O ENTEADO

O enteado

Nesse idioma, não há nenhuma palavra equivalente a ser ou estar. A mais próxima significa parecer. Como tampouco têm artigos, ou que uma árvore é uma árvore dizem parece árvore. Mas parece tem menos o sentido de similitude que o de confiança. è mais um vocábulo negativo que positivo. Implica mais objeção que comparação. Não é que remeta a uma imagem já conhecida mas que tende, antes, a desgastar a percepção e a subtrair a contundência. A mesma palavra que designa a aparência designa o exterior, a mentira, os eclipses, o inimigo. O horizonte circular que me parece no início indiscutível e compacto era, na realidade, tal como o designava o idioma desses índios, um armazém de embustes e uma máquina de enganos. Nesse idioma, liso e rugoso, são nomeados com a mesma palavra. Também a mesma palavra, com variantes de pronúncia, nomeia o presente e o ausente. Para os índios tudo parece e nada é. E o parecer das coisas se situa, sobretudo, no campo da inexistência. A praia aberta, o dia transparente, o verde fresco das árvores na primavera, as lontras de pele morna e palpitante, a areia amarela, os peixes de escamas douradas, a lua, o sol, o ar e as estrelas, os utensílios que arrancam, com paciência e habilidade, da matéria reticente, tudo isso que se apresenta, nítido, aos sentidos, era para eles informe, indistinto e pegajoso no reverso onde se aglomerava a escuridão.

(Juan José Sauer – O Enteado – pagina 147)

sábado, 19 de junho de 2010

pilulinha 8

Dona Inah é uma cantora de samba, paulista. 73 anos de idade e talento puro. Ouçam a voz límpida, carregada de significados. Gravou um belo disco com composições do Eduardo Gudim. Há neste disco uma música – Velho Sambista – uma jóia rara que, entre o ponto de terreiro e a autenticidade do samba, evolui e demarca um desses sambas que se marcam pela formulação histórica que trazem. Não sei se outra voz valorizaria tanto a composição.

(oswaldo martins)

eugênio, bandeira e o lapa

Mostrei ao Eugênio, certo dia, meu primeiro livro – ainda inédito – o lapa. Com seu jeito, disse que o livro deveria ser publicado em um projeto radical e ter uma distribuição também radical. Imaginou para ele banca de jornal Fez para mim uma boneca em que inseria umas fotos da prostituição no bairro carioca. Queria porque queria uma foto do Manuel Bandeira com algumas prostitutas.

__ Ah, sim, Oswaldo, ele era um sacana, que vivia junto às mulatas. – disse –me ele, sério, com seu sotaque inconfundível de austro-portenho-brasileiro. Daí que reconstruí meu Bandeira, como um dos poetas mais viris da nossa língua. Leiam, leiam o Unidade de Bandeira dentro dessa perspectiva!

Saudade do Eugênio, mestre da arte e da vida.

(oswaldo martins)

Guy de Maupassant


domingo, 13 de junho de 2010

Pilulinha 7

Kitchen, de Banana Yoshimoto, traz duas narrativas curtas. Kitchen 1 e 2 e Moonligth Shadow. As novelas possuem como temática a morte. Seja na primeira novela, seja na segunda, a morte vista do ponto de vista da autora é narrada de forma delicada, sem deixar de ser densa e incisiva. As narrativas tecem sobre a solidão um tênue apagar dos que vivem o que a morte dos outros, próximos, inicia.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

gentil descortesia 3

To his Coy Mistressby Andrew Marvell

Had we but world enough, and time,
This coyness, lady, were no crime.
We would sit down and think which way
To walk, and pass our long love's day;
Thou by the Indian Ganges' side
Shouldst rubies find; I by the tide
Of Humber would complain. I would
Love you ten years before the Flood;
And you should, if you please, refuse
Till the conversion of the Jews.
My vegetable love should grow
Vaster than empires, and more slow.
An hundred years should go to praise
Thine eyes, and on thy forehead gaze;
Two hundred to adore each breast,
But thirty thousand to the rest;
An age at least to every part,
And the last age should show your heart.
For, lady, you deserve this state,
Nor would I love at lower rate.

But at my back I always hear
Time's winged chariot hurrying near;
And yonder all before us lie
Deserts of vast eternity.
Thy beauty shall no more be found,
Nor, in thy marble vault, shall sound
My echoing song; then worms shall try
That long preserv'd virginity,
And your quaint honour turn to dust,
And into ashes all my lust.
The grave's a fine and private place,
But none I think do there embrace.

Now therefore, while the youthful hue
Sits on thy skin like morning dew,
And while thy willing soul transpires
At every pore with instant fires,
Now let us sport us while we may;
And now, like am'rous birds of prey,
Rather at once our time devour,
Than languish in his slow-chapp'd power.
Let us roll all our strength, and all
Our sweetness, up into one ball;
And tear our pleasures with rough strife
Thorough the iron gates of life.
Thus, though we cannot make our sun
Stand still, yet we will make him run.


à amada esquiva

dessem-nos tempo e espaço afora
não fora crime essa esquivez, senhora.
sentar-nos-íamos tranqüilos
a figurar de modos mil os
nossos dias de amor. eu com as águas
do humber choraria minhas mágoas;
tu podias colher rubis à margem
do ganges. que eu me declarasse
dez anos antes do dilúvio! teus
nãos voltar-me-iam a face
até a conversão dos judeus.
meu amor vegetal crescendo vasto,
mais vasto que os impérios, e mais lento,
mil anos para contemplar-te a testa
e os olhos levaria. mais duzentos
para adorar cada peito,
e trinta mil para o resto.
um século para cada parte,
o último para o coração tomar-te.
pois, dama, vales tudo o que ofereço,
nem te amaria por mais baixo preço.
mas ao meu dorso eu ouço o alado
carro do tempo, perto, perto,
e adiante há apenas o deserto
sem fim da eternidade.

tua beleza murchará mais tarde,
teus frios mármores não soarão
com ecos do meu canto: então
os vermes hão de pôr à prova
essa comprida virgindade,
tua fina honra convertendo em pó,
e em cinzas meu desejo. a cova
é ótimo e íntimo recanto. só
que aos amantes não serve de alcova.
agora, enquanto pousa a cor
da juventude em ti como na flor
o orvalho, enquanto por
todo poro teu a alma transpira
com urgentes fogos,
entreguemo-nos aos jogos
do amor e, amantes aves de rapina,
antes de um golpe devoremos nosso tempo
que enlagueçamos em seu lento
queixo. enrolemos nosso alento
e suavidade numa só esfera.
e rasguemos prazeres como feras
pelos portões férreos da vida.
assim, se não sustamos nosso sol,
ao menos o incitamos à corrida.

(Tradução - Augusto de Campos)

Mandou-me esse poemas o original e a tradução a Lucia Leão.
Informa ela:

é do andrew marvell (1621 – 1678) to his coy mistress,
e a tradução é de augusto de campos (verso, reverso, controverso. ed. perspectiva, 1978)

gentis descortesias

Gregório de Mattos, em um de seus poemas mais famosos, cria um belo paradoxo - ligado ao topus do Carpe Diem - em que diz que o ar indoo pela madrugada mexe com gentil descortesia as tranças da mulher que dorme. O soneto pode-se ler abaixo.

Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.

(Gregório de Mattos)

gentis descortesias 2

A VEGETARIANA

Ai, ai, ai
Eu não posso com essa criatura
Ai, ai, ai
Porque ela só gosta de verdura

Eu que sempre comi uma rabada
Uma língua, um peito bem assado
Num xim-xim de galinha eu me amarrava
Ao peru é que eu nunca fui chegado
Eu que tanto gostava de chouriço
Depois que me casei que desventura
A nega não come nada disso
Porque ela só gosta de verdura

Eu comia maminha de alcatra
Gostava de um lombo bem passado
Quando ia caçar só atirava
Se encontrasse um jacu ou um veado
Hoje vivo na rua da amargura
A nega está me acabando
Porque ela só gosta de verdura

Se era peixe, eu gostava de piranha
Adorava comer pirarucu
Lá no rio eu pescava piabanha
E vazia mexido com pacu
Mas na vida o que é bom
Também se acaba
Hoje vivo com essa criatura
Que um dia comeu minha piaba
E agora só gosta de verdura

(Juarez de Brito – Guilherme de Brito

gentis descortesias 1

O SANDOVAL TÁ MUDADO

No pronto-socorro do Andaraí
tu entra cajá e sai caqui;
na urgência do Miguel Couto,
um tubarão virou boto;
mas o pior sucedeu
a um tio meu lá no Rocha Faria:
ai, ai, ai, ai,
entrou Sandoval, saiu Ana Maria.

Couve não vira repolho,
eu colho no pé o que o pé tem que dar,
mesmo regando com molho,
provando esse olho não vou me enganar,
o Sandoval se intromete
e compromete a muda que vou me mudar;
Sandova disfarça, banca o songamonga,
mas trunfa cenouras que nem Pernalonga...

Ai, ai, ai, ai,
entrou Sandoval, saiu Ana Maria.

Nas hortaliças que eu papo,
só vejo grilinho, uma ou outra touceira...
o Sandoval quer quiabo, exige pepino seca-pimenteira,
a própria Muda admite que é circular
e não tem medo disso
mas há diferença entre um lombo aos domingos
e alguém que só pensa em sentar num chouriço.

Ai, ai, ai, ai,
entrou Sandoval, saiu Ana Maria...

(Aldir Blanc – Maurício Tapajós - João Nogueira)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pilulinha 6

A Estrada, livro escrito por Cormac McCarthy, é um romance de fôlego ininterrupto. Desde que se é tomado pelo périplo das personagens, a leitura se torna vertiginosa. Levados pelo ambiente degradado, as personagens – o pai e o filho – e o leitor são obrigados a reformular os conceitos de humanidade; em que pese certa bipolaridade para a qual o menino tende, as noções de sobrevivência são agônicas, desumanizadas. Toda a graça do romance está, neste sentido, na reeducação pela qual passa o garoto, que deve, para sobreviver, abandonar os conceitos bipolares que sustentaram sua visão de mundo, entre o que é o bem e o que é o mal.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Pilulinha 5

Em O ENTEADO, do autor argentino Juan José Sauer, a escolha narrativa recai sobre um europeu, que não conhecera sua família. Estranho entre os seus, ao navegar como grumete para o novo mundo, numa expedição em terra, se vê salvo do desastre e aniquilamento que sofreram os navegadores. Capturado por uma tribo canibal, se encontra novamente em território estranho. A estranheza, unindo as duas possibilidades vivenciais do personagem, permite ao autor, no microcosmo da tribo e dos aspectos geográficos que conformam o viver dos autóctones, fazer com que o leitor vivencie filosoficamente o homem, tanto na sua ancestralidade quanto no seu presente.

(oswaldo martins)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Frasezinha 1

meu computado é burro, teima em colocar maiúsculas.

de vã filosofia

Certo dia, Cláudio Leitão, eu e Wal nos encontramos no Lamas. Bebeu-se o chope, conversou-se sobre o que havia para conversar, atendidos pelo garçom dos garçons, o Vieira, que protagonizou uma das mais deliciosas sentenças entre os que se sentencia pela noite. A qualidade das sentenças curtas, dignas de entrar para a história e para a mitologia das experiências mais expressivas que se vai tendo ao longo da vida, é uma matéria à parte das filosofias que se vão construindo e ficando jogadas ao léu das frases emblemáticas que traduzem a percepção de vida de cada um.

Vai que, após alguns chopes, passou-se, sem cerimônia, ao strega, licor de agrado, para finalizar a noite. Após insistentes oferecimentos do Vieira a Wal, para que aceitasse um licorzinho e ante a negativa peremptória, seguida do não, obrigado, que não bebo, o arguto Vieira, jóia rara dos bares da cidade, retruca, com a cara mais lavada e lúdica, um respeitoso, gaiato e reticente não bebe, mas bica.

Bordão que se repete até hoje, quando se aproxima alguém que não bebe e não faz outras coisas, talvez mais saborosas.

(oswaldo martins)

Pilulinha 4

Poemas, de Georg Trakl, o pequeno volume do poeta alemão, em edição bilíngüe, é uma aula de poesia. Escrito numa língua de que só os poetas possuem conhecimento, abre possibilidades tão variadas para o dizer das coisas, como elidir a dor e o pensamento. Reúnem-se neste livrinho dizeres do que não se diz, percepções do que não se percebe. Em estado puro, a poesia de Trakl é a procura criteriosa da linguagem perdida de Babel, a restauração das sintaxes primordiais.

(oswaldo martins)

Pilulinha 3

para o cláudio leitão

Mandingueiro, de Moacyr Luz, é uma das obras definitivas de nosso cancioneiro. Nas músicas, versos definitivos fixam um Rio de Janeiro que teima em resistir ao constrangimento das diversas políticas malsucedidas de nossos governantes e dos diversos conservadorismos que buscam substituir o caráter carioca. Além do mais, traz louvores ao Vieira, o garçom dos garçons.

(oswaldo martins)