sexta-feira, 29 de agosto de 2008

dois poemas para goya

para los sueños de goya
1

o traço

dos monstros
ataca durante

toda a madrugada

os sonhos
como o zumbir das moscas

são asas que volteiam
e dilaceram

a eficiência crua
das palavras



2

a moça tem os olhos vazados
a carne da moça
se putrefaz

goya não pintava aquilo que os reis mandavam

antes
submeter os olhos de quem seus quadros
tenebrava

à tortura
trágica da consciência

(oswaldo martins)

Antonio Machado

Y podrás conocerte recordando
del pasado soñar los turbios lienzos,
en este día triste en que caminas
con los ojos abiertos.

De toda la memoria, solo vale
el don preclaro de evocar los sueños.

Antonio Machado (1875-1939)

9

quando um dia ler jakobson,
ou seu lamento
candente

por maiakovski
por khlébnicov

será tarde.

a vida, rubor
das noites,

ainda mais órfã
talvez como um bebê idiota

esquecida das esquinas
de ternura

anunciará o fim
as desoras

(oswaldo martins)

sábado, 23 de agosto de 2008

good heart

I don’t want to tell you about
my desire
but to empty it
out
like a man does
when he leaves
sometimes
it is my kindness that
prevents me from giving all
for what I love
and what I know
would be too much
you wouldn’t survive
losing me
and I wouldn’t
even try.

(Lúcia Leão)

nun years

in the morning of the first day
the flowers were ready
the prayers said
the song not yet learned
the missing choir girl
came running
tattoos everywhere
on the shoulder a bird
her last name
she explained
it was blue and it was fading away
as my youth will, she smiled
I thought
god was there with us
the incense not yet finished
I took in my hands
the music sheet
gave it one more look
and decided
this was
my last assignment
because life was sacred
I didn’t need
to die.

(Lúcia Leão)

lapa

lapa foi tema e título de um livro (inédito) que escrevi por volta de 1984. passaram-se já 24 anos. gosto do livrinho. vira e mexe topo com uma expressão dele batucando em minha cabeça, curioso é que desde este livro formulei o que queria da poesia. a forma que teriam os livros, a interligação das partes. escrevi-o quando a lapa ainda não era esse reboliço de classe média e nédios freqüentadores, engordados pela burrice do consumo. era outra a lapa, talvez não tão gloriosa como a dos malandros de décadas passadas, nem, sem dúvida, a lapa portentosa de Manuel Bandeira. era uma lapa de prostitutas e travestis, sem o glamour que hoje têm, passatempo de turistas. sabia dos pontos em que elas e eles se moviam, meio à sombra – da exuberância dos arcos e início da Mem de Sá e Riachuelo até a decadência das putas velhas que circulavam em torno da Cruz Vermelha. não os freqüentava, é certo, mas como ia, todas as quarta à noite, do Humaitá, onde estudava e lia o Augusto dos Anjos, como os amigos Ronald e Álvaro, até o Andaraí, onde morava até acertar a vida – arranjar trabalho – e poder trazer para o Rio – cidade de minha escolha e paixão – meu filho recém-nascido e Wal, que haviam ficado em Barbacena, passei a conhecer de observação aquela geografia de espantos, decadente e, sobretudo, doentia. mal percebia que a doença não estava na decadência, mas na planificação massificada do divertimento que se impõe como um dever de vazios. escrevi o livro, todo ele, em uma máquina de telex, contando sílaba por sílaba para que tomasse a forma que eu desejava. tomei de empréstimo a Genet – do Diário de um ladrão – uma palavras para a epígrafe e pedi a Dora Ribeiro que me escrevesse algumas palavras. desenhei uma mulher de costas sobre a qual o Eugênio comentava ser – o desenho – una bazófia e com aquele seu jeito de confirmar que até hoje me causa saudade. sim, sim, nem duvides! fui aos poucos acrescentando dedicatórias no livro, meus amigos, minhas amigas, outros leitores eventuais. creio ser um livro que não se publique, que se guarde até um dia qualquer como memória de como se construiu a vida

(oswaldo martins)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

ROMÂNTICOS DE CUBA
Cesar Cardoso

Esses três poemas surgem de um bate-papo com dois outros, do romantismo brasileiro. “meus oito ½” conversa com o lirismo de “Meus Oito Anos”, de Casimiro de Abreu. Recortando o vocabulário do poema original, tenta uma montagem cinematográfica, felliniana, dando um viés erotizado às lembranças da infância. “i-juca-pirado” é um olhar oswaldiano, um poema-minuto-piada sobre o épico I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias. E ainda sobre esse mesmo texto, “canto x” acrescenta mais um canto e uma nova voz narrativa – feminina – à narração masculina e guerreira de Dias.

meus oito ½

o hino ingênuo
o manto azulado
a sombra debaixo
o perfume dos pés

colher tirar
que braços que sonhos
beiras ligeiras
carícias bordadas

respira correndo
atrás azuis
doces delícias
descalços nus

ave marias!
não trazem mais


i juca pirado

euforia do padre
no banheiro da escola
- meninos eu vi!


canto x


há menos verdores
na noite em que imploro
:meninos, perdi

o que faz um bravo? difere de escravo?
a morte é que os une?
pra que tanto, meu pranto?
também sou coragem
te perco meu filho e zelo por ti


história e memória
na luta no luto
meu canto de vida
eu que não sou brava
à noite me lava

:meninos, perdi!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Pai do Tempo

Talvez só uma foto em que estou no seu colo.
Fotos com muitos: avô, tio, mãe, tia. E nunca mais fotos.
Mais tarde me vejo dando banho nele, esfregando as suas costas com sabonete e bucha.

Em algum momento tinha acontecido uma virada no olhar. Na infância meu pai elogiara um menino que vira apenas uma vez, e vaticinou que ele seria um grande homem - quanta inveja pelo elogio que eu nunca tinha recebido. A guinada veio quando comprei uma bela casa e ele se admirou enfim da façanha, passou a me ouvir.

No leito de morte, quando voltou a si, me olhou e me reconheceu falando o meu nome. Ali tive ainda esperança de que poderia se recuperar do estado grave em que se encontrava, mas enfim.

Agora sigo sem essa conversa. Invento irmãos, mesmo que na dureza do caminho. E trago comigo: aquele lugar.

(Luiz Fernando Medeiros de Carvalho)

tarde

deitei-me com ele
sem sono
mas bocejei para atrair
o resto de ar
depois seria complicado
poder dizer sem falar
o corpo explica demais
e eu queria o vazio
antes de mais
nada.


(Lúcia Leão)

domingo, 17 de agosto de 2008

EPIGRAMAS

Um

Mulheres se lançam usando
seu não, não que, enfim, se degrada
num sim, sim, porém, dito quando
ninguém lhes pergunta mais nada.


Dois

Uma mulher se deita qualquer dia
Com quem nem bêbedo a desposaria
E, então, desposa sóbria algum coitado
Com quem nunca teria se deitado.

(Nelson Ascher, Parte Alguma)


*

Um

Estendida sobre o leito, Dória, a de róseas nádegas,
me fez imortal na sua carne em flor.
Tendo-me preso entre as pernas magníficas, completou
com firmeza o longo percurso de Chipre,
A olhar-me com olhos langorosos: eles tremiam
e cintilavam como folhas ao vento,
até que, vertida a branca seiva de nós dois, os membros
de Dóris por sua vez enlanguesceram.

(Dioscúrides)


Dois

Com a bela Hermione folgava eu certa vez; trazia
ela, ó Páfia, um cinto de variadas flores
onde estava escrito em letras de ouro: “Ama-me toda, mas
não te atormentes se a outro eu pertencer”.

(Asclepíades)

Os dois primeiros poemas são retirados do livro de Nelson Ascher, Parte Alguma; os dois últimos do livro Poemas da Antologia Grega ou Palatina, traduzidos por José Paulo Paes.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Descrições 2

2

um rei justo:

sem palavras
ou governo

um rei
que não se quisesse rei

um desrei

sem manto
como os cegos


*

desrei:

nenhum aluvião de ternura
seca voz

ausente como um deus

que aos homens deixasse
mercê do pecado

a expectação
o abismo

da lei

(oswaldo martins)

Machadianas

1...donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã.

Memórias póstumas de Brás Cubas,cap.lxxvi

2 ...mas a avareza é apenas a exageração de uma virtude e as virtudes devem ser como os orçamentos: melhor é o saldo que o deficit.

Memórias póstumas de Brás Cubas, cap xxiii

3 Há coisas que só se apendem tarde; é mister nascer com elas para fazê-las cedo. E melhor é naturalmente cedo do que artificialmente tarde.

Dom Casmurro, cap. xv

4...nâo creio que fossem ciúmes. Creio antes... sim ... sim, creio isto. Creio que prima Justina achou no espetáculo das sensações alheias uma ressurreição vaga das próprias. Também se goza por influição dos lábios que narram.

Dom Casmurro, cap. Xxii

5 E concluiu que era tudo a expressão daquele sentimento delicado e nobre- prova cabal de que muitas vezes o homem, ainda a engraxar botas, é sublime.

Memórias póstumas de Brás Cubas, cap. clvi.

6 Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava do resto do mundo também. E quando eu me vi embaixo, pisando as ruas com ela, parando, olhando, falando, senti a mesma coisa. Inventava passeios para que me vissem, me confirmassem, me invejassem.

Dom Casmurro, cap. cii.

7 ...veio à luz um par de varões tão iguais, que antes pareciam a sombra um do outro, se não era simplesmente a impressão do olho, que via dobrado.

Esaú e Jacó, cap. viii.

8 Escrófula da vida, andrajo do passado, que me importa que existas, que molestes os olhos dos outros, se eu tenho dous palmos de um travesseiro divino, para fechar os olhos e dormir?

Memórias póstumas de Brás Cubas. Cap. LXII.

9 O rumor das vozes e dos veículos acordou um mendigo que dormia nos degraus da igreja. O pobre-diabo sentou-se, viu o que era, depois, tornou a deitar-se, mas acordado, de barriga para o ar, com os olhos fitos no céu. O céu fitava-o também, impassível como ele, mas sem as rugas do mendigo, nem os sapatos rotos, nem os andrajos, um céu claro, estrelado, sossegado, olímpico, tal qual presidiu às bodas de Jacó e ao suicídio de Lucrécia. Olhavam-se numa espécie de jogo do siso, com certo ar de majestades rivais e tranqüilas, sem arrogância nem baixeza, como se o mendigo dissesse ao céu:
-Afinal, não me hás de cair em cima.
E o céu:
-Nem tu me hás de escalar.

Quincas Borba, cap.xlvi.

10 Olhos de ressaca? (...) Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia nos dias de ressaca (...) a onda que saía delas [as pupilas] vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me."
Dom Casmurro, cap.xxxii

11 Saímos à varanda, dali à chácara, e foi então que notei uma circunstância. Eugênia coxeava um pouco, tão pouco que eu cheguei a perguntar-lhe se machucara o pé. A mãe calou-se; a filha respondeu sem titubear:
--Não, senhor, sou coxa de nascença.
Palavra que o olhar de Eugênia não era coxo, mas direito, perfeitamente são, vinha de uns olhos pretos e tranqüilos. Creio que duas ou três vezes baixaram estes, um pouco turvados; mas duas ou três vezes somente; em geral, fitavam-me com franqueza, sem temeridade, nem biocos.
...................................................................................................................

Agora é que não são capazes de adivinhar. . . achei a flor da moita, Eugênia, a filha de D. Eusébia e do Vilaça, tão coxa como a deixara, e ainda mais triste.
Esta, ao reconhecer-me, ficou pálida, e baixou os olhos; mas foi obra de um instante. Ergueu logo a cabeça, e fitou-me com muita dignidade.

Memórias Póstumas de Brás Cubas, cap.xxxii e clviii

12... donde se conclui que as catástrofes são úteis, e até necessárias. Sobejam exemplos; mas basta um contozinho que ouvi em criança, e que aqui lhes dou em duas linhas. Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona, - um triste molambo de mulher, - chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão. Senão quando, indo a passar um homem ébrio, viu o incêndio, viu a mulher, perguntou-lhe se a casa era dela.
-É minha, sim, meu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo.
-Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto?
O padre que me contou isto certamente emendou o texto original, não é preciso estar embriagado para acender um charuto nas misérias alheias.

Quincas Borba, cap. cxvii

terça-feira, 12 de agosto de 2008

descrições

1

sensíveis, teus olhos

disseram:

nome
das piruetas verbais

um asteróide que se choca
e acicata

as nebulosas

*

nebulosas, as palavras

disseram-me:

ruído do cosmo
a bússola zen

tal

para aquém
do que os olhos cegam

(oswaldo martins)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Remédio contra a morte, de dois grandes compositores

RECREIO DAS MENINAS

Eu fui de bengala
tossindo, com febre,
lá no Renascença,
porque em toda vida
o samba foi cura
pra minha doença.

Sentei no meu canto,
uma voz perguntou
“o que vai querer”.
Perdi a cabeça
e falei pra menina
“Eu queria você”.

Um riso de aurora
colheu meu ocaso
e a pressão subiu,
peguei meu remédio
mas as mãos tremiam
e o vidro caiu


Chutei a caixinha
pedi caipirinha
pernil e café
receita infalível
pro meu coração
é um corpo moreno
de mulher

Eu vou com ela
ao Capela, ao Siri
e traço moqueca,
carré, javali.
Digo sempre,
bebendo com o Jorge,
foi no renascença
que eu renasci

Aos que me gozam no bar
dizendo que eu sou
o recreio das meninas,
respondo
“andorinhas fazem ninho
nas ruínas”.

(Moacyr Luz – Aldir Blanc)


O texto da música acima foi gravada pela dupla - Moacyr Luz e Aldir Blanc - em disco, no ano de 2005.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Eco - Performances poéticas


ECO - Performances Poéticas em sua III edição.

No elenco:

Alexandre Graça Faria # Laura Assis # Arnaldo Delgado Sobrinho
Rogério Batalha # Oswaldo Martins

Dia 07 de Agosto
20 horas
Espaço Mezcla
(Rua Benjamin Constant, 720 - Centro - Juiz de Fora)

Entrada Franca